Dados recentemente publicados pela ONUSIDA sobre a situação mundial da epidemia, mostra-nos uma situação desoladora: quatro milhares de novas infecções em 2006 e quase três milhões de mortes por SIDA no mundo, no mesmo ano, sendo estas as cifras mais altas que se tenham registado na história da epidemia que completou o ano passado 25 anos.
Dados recentemente publicados pela ONUSIDA sobre a situação mundial da epidemia, mostra-nos uma situação desoladora: quatro milhares de novas infecções em 2006 e quase três milhões de mortes por SIDA no mundo, no mesmo ano, sendo estas as cifras mais altas que se tenham registado na história da epidemia que completou o ano passado 25 anos.
A dramática capacidade de crescimento da epidemia é evidente em toda a sua magnitude no facto de ter-se infectado neste ano 10 pessoas por minuto. A velocidade de novas infecções segue sendo maior que o número de mortes, o que leva a uma tendência de aumento cada vez maior da prevalência do VIH em todo o mundo.
Aproximadamente 40 milhões de pessoas vivem actualmente com vírus, sendo a nossa região a mais afectada do planeta. Os últimos dados disponíveis indicam que 30% das pessoas infectadas vive na África Austral, região que alberga apenas o 2% da população mundial. Nesta latitude como em nenhuma outra, a epidemia tem-se revelado devastadora para as mulheres que tem um risco de infecção consideravelmente maior com respeito aos homens. Esta discrepância é particularmente evidente em jovens de 15 a 24 anos, grupo etário em que uma rapariga tem até sei vezes mais probabilidades de se infectar do que um rapaz.
Por que isso ocorre? Por que tão grande desequilíbrio de género na vulnerabilidade ao VIH? Habitualmente se fala das diferenças biológicas entre as mulheres e os homens. Realmente, sendo a transmissão heterossexual responsável por 51% das infecções, faz sentido imaginar que, devido ao facto do aparelho sexual da mulher ser interno ao seu corpo, queda mais propício à reprodução e infecção pelo vírus. A mulher recebe o esperma do homem e o alberga por muitas horas e até dias. Se este esperma estiver infectado, muito provavelmente a mulher se infectará também. Mas essa explicação só não basta. Muito mais importante é a vulnerabilidade social, económica e cultural da mulher.
Um relatório recente do UNICEF revela que, em Angola, desde o nascimento as meninas sofrem discriminação em relação aos meninos. Se há pouco alimento, a elas é dado menos que aos meninos. Se, por algum motivo, há limitações no acesso aos estudos, elas seguem sendo preteridas. Seu ingresso na escola acontece mais tardiamente que o dos meninos e sua média de anos estudados é menor que o deles. Se alguém na família adoece, e aí temos a SIDA como uma causa importante de adoecimento e morte a considerar, aí às meninas que cabe cuidar dessa pessoa doente e, se a menina chega à adolescência e fica grávida, o que ocorre com muita frequência antes dos 15 anos, ela sai da escola e vai cuidar do seu bebé. Em todas essas situações a exposição ao vírus se apresenta.
Seja por menor acesso à educação e, consequentemente à informação acerca
da prevenção ao VIH, seja pela falta de acesso aos meios de prevenção, seja pela total impossibilidade de negociar com quem quer que seja as possíveis estratégias de prevenção (preservativos, abstinência ou fidelidade), o facto é que essa jovem está desesperadamente exposta ao risco de infecção pelo VIH.
Uma outra questão importante diz respeito à esfera da violência na qual estão mergulhadas essas meninas e jovens. Dados de estudos de comportamento, atitudes e práticas realizados na África Sub-sahariana revelam que, na nossa região, um quarto das meninas relata uma iniciação sexual violenta e não prazerosa. Muito provavelmente essas relações forçadas são realizadas sem protecção e pode ter como mais uma das muitas consequências danosas, a infecção pelo VIH. O contexto de violência está muito vinculado ao contexto de pobreza e esta deixa as mulheres e, particularmente as jovens, ainda mais vulneráveis.
É muito comum a troca de favores sexuais por objectos de consumo imediato, uma ilusão de uma vida melhor, ou até mesmo, por indução de pais desesperados pela carestia generalizada. Aí tem importância um outro factor que certamente interfere no curso da epidemia que é o sexo intergeracional.
Quando a mulher se casa, permanece vulnerável, apesar da falsa protecção que o casamento pode lhe transmitir. A Coligação Mundial das Mulheres, um órgão da ONUSIDA criado em 2002 com a missão de empoderar as mulheres e impulsionar sua conscientização frente à epidemia, mostra que, ao contrário do que se pensa, a mulher casada é ainda mais vulnerável ao vírus do que as mulheres solteiras de mesma idade. Primeiro porque fazem sexo com muito mais frequência que as solteiras e segundo porque o usodo preservativo é muito menor nas relações sexuais estáveis que nas eventuais. E todos sabemos da dificuldade que existe dessas mulheres casadas negociarem com seus maridos o uso do preservativo.
Finalmente, é preciso apontar a vulnerabilidade cultural da mulher. É ela que cuida dos familiares que adoecem. É muito comum que saibam de seu estado serológico apenas após a morte de um filho ou do marido.
Apenas nesse momento é que buscam ajuda, quando jáa SIDA está instalada. São elas também que cuidam das pessoas doentes nos hospitais e centros de saúde. A maiorias dos profissionais de saúde são mulheres. Assim também ocorre na militância na sociedade civil. Isso faz com que se exponham mais aos riscos profissionais/ocupacionais e as sujeitam ao
estresse natural dessa actividade.
Como reverter essa situaçãoo de vulnerabilidade? Neste 08 de março, a ONUSIDA vem a público conclamar o Governo, a Sociedade Civil e as próprias Nações Unidas para ampliarem seus esforços no sentido de prover as meninas, jovens e mulheres adultas de todas as condições para que possam expandir seu universo de actuação e negociação, mais conscientes
e livres desses tolos preconceitos e riscos que as cercam. A ONUSIDA não tem dúvidas de afirmar que, sem um maior empoderamento e uma maior capacidade de intervenção social articulada das mulheres serão em vão os esforços de controle da epidemia.
Há uma esperança de um horizonte melhor, apesar desses números alarmantes que apresentamos. A esperança concreta de que, com uma acção consistente e concertada das mulheres, ampliando seu papel de liderança, o ritmo da epidemia possa ser contornado. Recentemente foi criada a rede de Mulheres Vivendo com VIH, com o objectivo de dar à mulher capacidade e um maior protagonismo na discussão sobre políticas nacionais de luta contra a epidemia, dando particular ênfase às diferenças de género que determinam a maior vulnerabilidade social e estrutural da mulher. Temos a certeza de que, aceitando o desafio de empreender com coragem o árduo processo de emancipação da mulher, a rede Mwenho pode cumprir um papel decisivo nesta luta.
À medida que mais mulheres se juntem nessa caminhada e se unam na busca de um futuro melhor para si mesmas e para a sociedade, menos vulneráveis se tornam e mais capacidade adquirem de decidir sobre o seu próprio futuro e sobre o futuro do mundo em que vivem. É esse o caminho. É sempre bom lembrar que são as mulheres que criam os meninos e as meninas. São elas que velam pelo sono dos que repousam. Alimentam quem trabalha e consolam os que sofrem. Podem também decidir sobre o futuro da epidemia.
Neste 8 de Março, dia em que, numa merecida homenagem, o mundo reflicte sobre o papel da mulher no processo do desenvolvimento sustentável, a ONUSIDA conclama a todos os dirigentes políticos, sindicais, das organizações e redes não-governamentais, da iniciativa privada, das igrejas, das forças armadas e demais forças vivas da Nação Angolana a reflectirem sobre as questões de género que impactam e direcionam a epidemia. Angola pode dar um exemplo ao mundo na luta contra o VIH e a SIDA. Mas esse exemplo somente será possível de ser realizado com a activa intervenção das mulheres.
Alberto Stella
(Coordenador da ONUSIDA em Angola)
Roberto Brant Campos
(Conselheiro de Mobilização Social e Gestão/ONUSIDA)
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