Emir Sader é condenado em processo movido por Bornhausen; cabe recurso 11ª Vara Criminal de São Paulo condena colunista a um ano de prestação de serviços à comunidade e à perda de seu cargo de professor na Uerj por ter chamado senador de 'racista'.
Marcel Gomes* Carta Maior
SÃO PAULO O cientista social e colunista da Carta Maior Emir Sader foi condenado à perda de seu cargo de professor na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e a um ano de detenção, em regime aberto, conversível à prestação de serviços à comunidade, pela 11ª Vara Criminal de São Paulo, que julgou um processo de injúria movido pelo senador Jorge Bornhausen (PFL-SC). Cabe recurso à decisão, ainda em primeira instância.
Na sentença, o juiz Rodrigo César Muller Valente avaliou que Sader cometeu crime ao tratar Bornhausen como "racista" em um artigo publicado na Carta Maior em 28 de agosto do ano passado. O colunista se referia a uma manifestação pública do senador feita dois dia antes, na qual, ao ser questionado em um evento com empresários se estava desencantado com a crise política, ele respondeu: "Desencantado? Pelo contrário. Estou é encantado, porque estaremos livres dessa raça pelos próximos 30 anos".
Marcelo Bettamio, advogado de Sader, disse que irá recorrer da decisão, que só passa a valer após o trânsito em julgado da sentença. Segundo ele, houve cerceamento do direito de defesa durante o trâmite do processo. "O juiz não intimou as testemunhas de defesa, cujo comparecimento ao Tribunal fora pedido pelo defendente", alega. Sobre a cassação do professor de seu cargo na Uerj, Bettamio considera a decisão descabida, uma vez que o artigo assinado por Sader não tem relação com sua função docente naquela universidade.
O senador Jorge Bornhausen foi procurado para se manifestar sobre o caso, mas sua assessoria disse que ele não se manifestaria. O juiz Rodrigo César Muller Valente também foi contatado através de sua secretária, mais ainda não respondeu à solicitação de entrevista.
A polêmica
Na época, ao explicar a declaração, Bornhausen disse se referia aos petistas e à expectativa de que Lula fosse derrotado nas eleições deste ano. A expressão "raça" utilizada por ele gerou manifestações de repúdio no governo, no PT e em esferas da esquerda. Cartazes acusando o senador de racismo chegaram a ser distribuídos em Brasília. Diante da repercussão, o senador, que também é presidente do PFL, publicou um artigo no jornal Folha de S. Paulo, em 29 de setembro, em que tentava explicar o uso da expressão.
"Quanto a ter usado a palavra 'raça' não como designação preconceituosa de etnia, ideologia, religião, caracteres, mas como camarilha, quadrilha, grupo localizado , tão logo alguns falsos intelectuais surgiram, incriminando-me, apareceram preciosos testemunhos a meu favor. Confesso que falei "dessa raça" espontaneamente, sem premeditação, usando meu modesto universo vocabular, a linguagem coloquial brasileira com que me expresso, embora meus adversários tentem me isolar numa aristocracia fantasiosa", escreveu Bornhausen.
Segundo o advogado Marcelo Bettamio, na apresentação de sua defesa, Emir Sader alegou que, ao usar o termo racismo, "não visou ofender a honra nem subjetiva nem objetiva do senador, mas sim fazer uma crítica a um parlamentar que fez uma declaração pública, perante a mídia, com termos preconceituosos". Bettamio considera que, através do artigo na Folha de S. Paulo, o próprio senador se retratou. "O prof. Emir Sader apenas exerceu o direito à livre manifestação e à crítica, salvaguardado na Constituição", disse o advogado.
* Colaborou Flávio Aguiar
Intelectuais lançam manifesto contra a condenação de Emir Sader
Intelectuais brasileiros lançaram nesta quarta-feira (1º) um manifesto de veemente repúdio contra a condenação despropositada do professor Emir Sader, por este ter escrito um artigo em que criticou declarações preconceituosas e racistas do senador Jorge Bornhausen (PFL-SC).
No manifesto, que é encabeçado por Antonio Cândido e está aberto a adesões, os abaixo-assinados classificam a decisão judicial como um ataque ao direito de livre-expressão e à autonomia universitária já que o juiz também determinou a demissão de Sader da universidade pública em que dá aulas.
Ao impor a pena de prisão e a perda do emprego conquistado por concurso público, é um recado a todos os que não se silenciam diante das injustiças, diz o texto.
Leia abaixo a íntegra do manifesto:
A sentença do juiz Rodrigo César Muller Valente, da 11ª Vara Criminal de São Paulo, que condena o professor Emir Sader por injúria no processo movido pelo senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), é um despropósito: transforma o agressor em vítima e o defensor dos agredidos em réu.
O senador moveu processo judicial por injúria, calúnia e difamação em virtude de artigo publicado no site Carta Maior
(http://cartamaior.uol.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=2171), no qual Emir Sader reagiu às declarações em que Bornhausen se referiu ao PT como uma "raça que deve ficar extinta por 30 anos". Na sua sentença, o juiz condena o sociólogo "à pena de um ano de detenção, em regime inicial aberto, substituída (...) por pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, pelo mesmo prazo de um ano, em jornadas semanais não inferiores a oito horas, a ser individualizada em posterior fase de execução". O juiz ainda determina: (...) considerando que o querelante valeu-se da condição de professor de universidade pública deste Estado para praticar o crime, como expressamente faz constar no texto publicado, inequivocamente violou dever para com a Administração Pública, motivo pelo qual aplico como efeito secundário da sentença a perda do cargo ou função pública e determino a comunicação ao respectivo órgão público em que estiver lotado e condenado, ao trânsito em julgado.
Numa total inversão de valores, o que se quer com uma condenação como essa é impedir o direito de livre-expressão, numa ação que visa intimidar e criminalizar o pensamento crítico. É também uma ameaça à autonomia universitária, que assegura que essa instituição é um espaço público de livre pensamento. Ao impor a pena de prisão e a perda do emprego conquistado por concurso público, é um recado a todos os que não se silenciam diante das injustiças.
Nós, abaixo-assinados, manifestamos nosso mais veemente repúdio.
(Os que desejarem assinar, favor enviar e-mail para [email protected]).
Antonio Candido
Flávio Aguiar
Francisco Alambert
Sandra Guardini Vasconcelos
Nelson Schapochnik
Gilberto Maringoni
Ivana Jinkings
Joao Pedro Stedile
Timothy Bancroft-Hinchey
Apoio: Deputado defende mobilização nacional em favor de Emir Sader
O deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR) criticou nesta quarta-feira (1º) o juiz Rodrigo César Muller Valente, da 11ª Vara Criminal de São Paulo, que condenou o sociólogo Emir Sader, professor da UFRJ, à prisão em regime aberto e à perda de sua função pública por calúnia. A sentença foi dada em resposta a um processo movido pelo senador Jorge Bornhausen (PFL-SC).
Em agosto do ano passado, o presidente do PFL declarou-se "encantado" por se imaginar "livre desta raça [petista] por, pelo menos, 30 anos". Dias depois, através de um artigo publicado pela agência Carta Maior, Emir Sader atacou a declaração de Bornhausen. No texto, que motivou o processo em questão, intitulado "O ódio de classe da burguesia brasileira", Sader classificou o presidente do PFL como "banqueiro e racista".
"O juiz Rodrigo Valente acaba de cometer um crime", afirma Dr. Rosinha (PT-PR). "Ao condenar alguém que simplesmente passou para o papel a sua indignação diante de uma frase preconceituosa e racista, o juiz inverte a culpa e promove uma barbaridade."
Emir Sader foi condenado por "injúria" à pena de um ano de detenção em regime aberto. Em sua sentença, o magistrado cita o artigo 44 do Código Penal para substituir a pena por prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo prazo de um ano, em jornadas de pelo menos oito horas semanais.
A sentença sustenta ainda que Sader teria se "valido" da condição de professor de universidade pública para praticar o "crime", e determina a perda do cargo de professor. A decisão, de primeira instância, é passível de recurso.
Mobilização nacional
"Ao adjetivar um senador da República de racista, esqueceu-se o réu [Emir Sader] de todos os honrados cidadãos catarinenses que através do exercício democrático do voto o elegeram como legítimo representante", diz o magistrado em seu despacho.
"Sob o manto da imunidade, Bornhausen fez uma declaração fascista, e, agora, com essa ação, busca intimidar e criminalizar pensadores e críticos de esquerda", afirma Dr. Rosinha. "Vamos fazer uma mobilização nacional para defender Emir Sader nesse processo. Quantos não assinariam o seu texto, que não passa de uma reação política à frase discriminatória do presidente do PFL?"
"Ele [Bornhausen] merece processo por discriminação, embora no seu meio de fascistas e banqueiros sabe-se que é usual referir-se ao povo dessa maneira", diz trecho do artigo escrito por Sader. "São "negros", "pobres", "sujos", "brutos", em suma, desprezíveis para essa casa grande da política brasileira que é a direita, pefelista e tucana."
Apoio internacional
Em janeiro deste ano, quando Bornhausen protocolou sua ação criminal na Justiça paulista, Emir Sader recebeu o apoio de personalidades que participaram do Fórum Social Mundial, em Caracas, na Venezuela.
Nomes como Eduardo Galeano (escritor uruguaio), Samir Amin (Fórum Mundial das Alternativas), Ignacio Ramonet (Le Monde Diplomatique), José Luis Fiori (Universidade do Rio de Janeiro) e João Pedro Stédile (MST) assinam uma declaração intitulada "Nuestra Raza", em defesa de Sader.
"Pertencemos a uma raça muito especial de oprimidos, indígenas, mulheres, negros e de tantas outras categorias de seres humanos que têm a confiança em sua força moral e na capacidade de construir um mundo onde o racismo, o fascismo e todas as formas de discriminação e opressão não sejam mais que resquícios de um passado", diz trecho da declaração.
Perfil do senador pefelista
Jorge Bornhausen apoiou a ditadura militar desde o seu início. Fundou a Arena, o PDS e o PFL. "Todos conhecem a história de Bornhausen, profundamente ligada à direita, ao preconceito, à arrogância", aponta Dr. Rosinha.
Por seu apoio incondicional ao regime e à política de repressão adotada pelos governos militares marcada por casos de tortura e assassinatos, Bornhausen foi nomeado vice-governador (1967-71) e governador biônico (79-82) de Santa Catarina, além de presidente do Banco do Estado.
Ao lado do ex-presidente Fernando Collor, foi ministro-chefe da Secretaria de Governo. O pefelista defendeu Collor até o seu impeachment, em 1992. Durante o mandato do ex-presidente FHC, foi embaixador em Portugal (96-98) e integrante da sua base de apoio no Congresso.
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