Na Palestina, Frente Popular combina luta de libertação nacional com luta pelo socialismo

Em visita ao Brasil, Khaled Barakat, representante da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) - uma organização marxista no interior do movimento de libertação nacional - afirma que "existem comunistas e socialistas nas lutas da Palestina e do mundo árabe.

Por Marcelo Buzetto e Guilherme Henrique Guilherme

Foto: Görel Råsmark/IM

Especial para o Brasil de Fato

A Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) é a principal organização da esquerda Palestina. Atuando desde 1967, hoje, é a segunda força política dentro da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e a terceira força política no parlamento, atrás somente do Fatah e do Hamas.

Recentemente, Khaled Barakat, representante da FPLP, esteve no Brasil para divulgar a luta palestina e fortalecer relações com a comunidade palestina-brasileira, movimentos sociais e partidos de esquerda.

Após encontro com militantes dos movimentos sindical, popular e partidos, concedeu uma entrevista exclusiva ao Brasil de Fato.

Brasil de Fato - Conte-nos um pouco da história de formação e desenvolvimento da FPLP. Aqui no Brasil muitos olham para a Palestina e só falam da existência do Fatah e do Hamas. As outras organizações da resistência palestina não são muito conhecidas. A FPLP desperta curiosidade, pois se afirma como uma organização marxista, de esquerda, que combina a luta pela libertação nacional com a luta pelo socialismo.

Khaled Barakat - A FPLP foi fundada em 11 de dezembro de 1967, como uma coalizão de quatro grupos. Mais tarde, decidiu-se que ela viraria um partido político, adotando o marxismo-leninismo como a teoria e o método de análise que guiaria suas lutas. Contudo, as raízes da FPLP vêm do Movimento Nacionalista Árabe, que surgiu no começo dos anos de 1950 em resposta à "Nakba" ("Catástrofe", "Tragédia", expulsão dos palestinos após a criação do Estado de Israel, em maio de 1948), sendo que a formação da Frente se deu em 1967, como uma resposta à ofensiva israelense, quando todas as áreas remanescentes da Palestina foram ocupadas. Não é culpa das pessoas que elas pensem que só existem Fatah e Hamas, isso é responsabilidade da mídia, que quer distorcer a situação Palestina e excluir as organizações de esquerda, focando apenas na ala direita do movimento de libertação palestino. Acontece uma situação similar quando, do Egito, só ouvimos falar de al-Sisi e da Irmandade Muçulmana, ou do Líbano, quando ouvimos apenas sobre os movimentos 8 de Março ou 14 de Março. Existem comunistas e organizações de esquerda nesses países. Isso é uma tentativa de tornar invisível a nossa esquerda. Mas isso não significa que não tenhamos culpa. Temos que fazer uma autocrítica na esquerda, sobre nosso papel e ter certeza de estarmos sempre visíveis, nos manter relevantes e conhecidos pelas massas. Temos que manter um vínculo com as massas.

É possível afirmar que entre 1969 e 1988 houve uma importante ofensiva da resistência palestina contra a ocupação israelense? E que, entre 1988 e 1993, o movimento nacional palestino entrou numa fase de concessões e de defensiva? A situação política internacional teve alguma influência nessa mudança de posição? Os Acordos de Oslo (1993/1994) foram resultado de um amplo debate no interior da OLP e da resistência palestina ou foi algo imposto por setores da direção da OLP (principalmente pela direção da Fatah), que negociaram secretamente com o inimigo israelense os direitos inalienáveis do povo palestino? 

É importante dizer que de 1967 até 1987 o peso político do movimento de libertação nacional palestino estava fora da Palestina: a OLP - suas instituições, facções e força militar - tinha sua base mais forte nos campos de refugiados. Porém, 1988 foi um ano muito importante porque foi um ano de grande revolta popular, chamada de Primeira Intifada ("O levante"). A Intifada foi uma histórica fase na luta por nossa terra. Mas a liderança da OLP e também os capitalistas palestinos queriam garantir seus interesses estabelecendo um chamado ''Estado Palestino'', tentando associar toda a luta ao slogan de um Estado. Em 1993, a Intifada foi abandonada pela liderança, que começou negociações em Oslo, que ficaram conhecidas como Acordos de Oslo. Este maldito ''Acordo'' foi assinado sem o consentimento de qualquer instituição, organização, facção, organização armada ou movimento de resistência popular palestino. Foi feito por um grupo de capitalistas numa sala secreta, nos bastidores. A liderança da OLP justificou esse caminho suicida alegando as mudanças internacionais e regionais daquela época, principalmente o colapso da União Soviética e a Guerra do Golfo. Claro que essas mudanças tiveram um grande impacto negativo na nossa situação. Não apenas os palestinos foram impactados - o mundo inteiro foi quando os EUA se tornaram uma força unilateral no mundo. Mas creio que agora estamos começando a sair dessa situação, entrando numa fase menos unilateral e mais multipolar no mundo.

Por se declarar socialista, a FPLP sempre teve uma postura internacionalista, buscando construir no mundo árabe e em outros países alianças com governos, partidos e movimentos revolucionários, de esquerda e progressistas. Qual foi a posição e a relação da FPLP com os países do chamado "bloco socialista", com a China, com Cuba etc.

A FPLP teve relações muito boas com a URSS e o campo socialista, incluindo os países mencionados. Claro que com variações entre um país ou partido e outro. É natural, por exemplo, que a Frente tenha uma forte relação com as esquerdas egípcias e libanesas, por pertencermos à mesma região e compartilharmos a causa árabe. Porém, sempre tivemos diferenças e desacordos com a política externa da URSS: por exemplo, no reconhecimento a Israel ou no que diz respeito à análise da natureza do Estado de ocupação como uma Entidade Colonial. Alguns países tentaram conter o movimento e as decisões da FPLP. Mas, para ser justo, temos relação de respeito mútuo com essas forças. Temos responsabilidade com vários movimentos de libertação nacional ao redor do mundo: apoiamos a luta dos Curdos,  o movimento pelo fim do apartheid na África do Sul, treinando seus combatentes etc. Nos ligamos muito à luta da África do Sul: na conferência sobre este país no mundo árabe, em 1976, a Frente exerceu um papel central ao aproximar as nossas lutas. É sempre importante lembrar nossos camaradas internacionalistas que lutaram e morreram pela Palestina, vindos da Irlanda do Norte, da Nicarágua e de outros países. São mártires da causa palestina.

A FPLP mantém a defesa do programa original da OLP, a luta pela construção de um Estado Palestino único, laico e democrático, em todo o território da Palestina histórica. No Brasil, muitos militantes da própria esquerda têm dificuldades de compreender essa posição.  Lutar pela libertação de toda a Palestina ocupada é o objetivo estratégico?A libertação de uma parte da Palestina não poderia ser um passo a ser dado na direção desse objetivo estratégico? Como analisam a proposta de um Estado Palestino nas fronteiras de junho de 1967?

Nós temos lutado por um Estado único, laico e democrático em toda a palestina, onde todos possam viver juntos em igualdade. Esse é nosso objetivo revolucionário e realista. Também dizemos que esse é um passo em direção à libertação e ao socialismo. Nós não lutamos para estabelecer um Estado capitalista que se chame de democrático e laico. Nós lutamos por socialismo e por justiça social. A FPLP reconhece que essa é uma luta prolongada, mas é isso o que molda nossa visão política e nos diferencia de outros partidos políticos, sejam eles religiosos ou de direita liberal, ou ainda os associados à esquerda. Por décadas a Frente tem chamado por um consenso nacional, particularmente para conseguirmos o que chamamos de direitos inalienávies da causa palestina: o direito de retorno dos refugiados, a autodeterminação e o estabelecimento de um Estado Palestino tendo como capital Jerusalém. Hoje, a realidade é que a ocupação criou uma situação que não permite o estabelecimento de um Estado em nenhuma parte da Palestina que não está verdadeiramente liberada. Israel não permitirá que os palestinos tenham um Estado soberano nem em 1% de suas terras - se há soberania, então Israel rejeita. E é exatamente por isso que Israel constantemente bombardeia Gaza, porque Gaza tem alguma forma de soberania em seu solo (embora não tenha no mar ou no ar), conquistada pela luta de nosso povo. A Frente ainda trata da ideia de estabelecer soberania, uma entidade palestina, em todo pedaço de terra que for libertada por nosso povo. Mas nossa posição que permanece é a da libertação de toda a Palestina, do rio Jordão ao mar Mediterrâneo. O povo no Brasil devia apoiar essa opção e esse caminho, porque qualquer coisa contrária a isso é injusto e contribuiria para a manutenção do regime racista imposto por Israel.

Muito é dito sobre a situação das mulheres nos países árabes. A FPLP tem como uma de suas lideranças Leila Khaled. A Abla Sa'adat já veio ao Brasil para falar em nome da organização. Khaleda Jarrar é uma parlamentar da FPLP (é a única mulher no parlamento palestino?). Como se dá a atuação das mulheres na resistência palestina? E, especificamente, na FPLP?

A Frente luta pela igualdade entre todos os palestinos, homens e mulheres. Esse é um princípio claro que não pode ser abandonado. Nosso partido conta com camaradas mulheres e homens, todos tendo responsabilidade na luta pelo direito das mulheres. Nós lutamos por libertação nacional e social - isso não pode ser separado. Entendemos a relação entre lutar contra a ocupação e lutar internamente no front social. Todos os direitos que sejam conquistados pelas mulheres palestinas na estrada pela sua libertação e pela igualdade terão impacto imediato e positivo em toda a luta palestina pela sua própria libertação. Portanto, não é apenas um princípio que temos em teoria, essa questão é, sim, uma necessidade. Entre nossas lideranças, não vemos nossas mulheres como líderes apenas das mulheres - elas são líderes nacionais, liderando homens, mulheres, estudantes, trabalhadores, professores. A companheira Leila Khaled é um ícone do povo palestino e não apenas da FPLP. A companheira Khaleda Jarrar defende os direitos do povo palestino e não apenas a FPLP. A camarada Abla Sa'adat não é apenas ''a esposa'' do Secretário Geral, ela é uma líder proeminente por sua própria luta. Sem a luta das mulheres palestinas, sem nossas camaradas mulheres, não haveria causa palestina e não haveria Frente Popular para a Libertação da Palestina.

Edward Said é um intelectual palestino muito respeitado no Brasil. Em muitos aspectos percebemos que as ideias dele sobre a situação palestina se aproximam das posições da FPLP, principalmente quando ele critica duramente os acordos de Oslo, quando afirma que em Oslo só os palestinos cederam, e que a OLP e a AP capitularam diante do inimigo. Said chega a comparar o governo da AP ainda sob o comando de Arafat como algo semelhante ao governo de Vichy, na França ocupada pelos nazistas. Ou seja, Said diz que a AP virou um gerente da ocupação israelense e que o regime de apartheid israelense se fortaleceu após Oslo. Said preferiu o trabalho intelectual à construção de algum movimento político no interior da resistência palestina. Teve uma breve participação no Conselho Nacional Palestino, mas no final da vida criticava todas as organizações da OLP. Qual avaliação podemos fazer de Edward Said? Qual sua contribuição e seus limites?

Esse proeminente intelectual, Edward Said, é alguém por quem temos muito respeito e admiração. Mas isso não nos impede de olhar objetivamente às suas posições políticas e análise. Ele faleceu e agora não está mais aqui para fazer análises da situação atual ou para defender suas visões. Não é justo olhar para Edward Said como um ''intelectual palestino'' apenas, se esquecendo de uma coisa; ele era um palestino estadunidense, que fazia parte da sociedade e da academia dos EUA. Seu envolvimento com o mundo árabe veio depois da guerra de 1967, não antes. Há muito a dizer sobre Said e sua contribuição ao contrapor o sionismo nos EUA, expor o racismo, e sua vasta contribuição acadêmica e intelectual. Tudo isso é importante. Ele é mais lido fora da Palestina do que entre os palestinos, simplesmente porque seu trabalho aparece no Ocidente em sua língua original: Said escreveu em inglês. Não é nenhum segredo que a FPLP criticou Said quando ele se aliou às políticas de Arafat e a liderança de direita da OLP. Ele era mais próximo da ala direita do movimento nacional do que da esquerda. Ele foi um dos primeiros apoiadores da saída política e da solução dos dois Estados. Mas Said teve coragem: criticou sua própria posição mais tarde e não hesitou em mudá-la e tomar o lado do povo palestino ao invés do da liderança, buscando a legitimidade do povo e não das instituições. Seus últimos trabalhos indicam isso claramente.

Nos últimos anos Fatah e Hamas vivem situações de conflito e de negociação. Na Cisjordânia, a Fatah perseguiu o Hamas. Em Gaza, o Hamas perseguiu o Fatah. A FPLP defende a unidade nacional palestina e a democratização de todas as instâncias da OLP. Mas esses são assuntos que precisam ser dialogados com as outras organizações da resistência. Como andam as negociações para o ingresso do Hamas, Jihad e outras organizações, na OLP? É preciso recuperar a OLP enquanto única e legítima representante do povo palestino? Ou é possível a convivência entre OLP e outros movimentos?

Nossa posição é por estabelecer uma frente palestina nacional para liderar nossa resistência. Nós não vemos a unidade nacional como um acordo entre as facções palestinas; a FPLP tem uma visão abrangente da política interna e como podemos gerenciar essa questão. Nós gostaríamos de ver todas as forças palestinas que estão na resistência tomando parte dessa construção. Resistência é um fator determinante no nosso entendimento de unidade nacional. Se ouve dizer muito sobre ''divisão'' no contexto palestino. Divisão é uma outra palavra para denominar luta por interesses menores. Nós não podemos apenas equiparar algumas áreas na Cisjordânia, controladas pelo Fatah com permissão da Ocupação Israelense, com Gaza, sob a autoridade do Hamas, ou equiparar o que acontece na Cisjordânia contra a resistência com o que acontece em Gaza em relação ao Fatah. A ocupação não está envolvida em Gaza; esta é uma questão política interna. Do outro lado, a ocupação está profundamente envolvida na cooperação de segurança na Cisjordânia, para eliminar a resistência. Mas nossa visão geral é que ambos, Fatah e Hamas, devem prestar contas ao povo palestino - seu conflito interno de 2007 em Gaza custou ao povo palestino a vida de 400 vítimas. A competição pela autoridade os levou a seguir certos pólos de poder da região e, assim, os levou a ser usados como ferramentas de poder destes pólos. Repito, queremos reconstruir a Organização pela Libertação da Palestina (OLP)  coletivamente, para que esta seja uma representante real do povo palestino, por meio de democracia direta e eleições para o Conselho Nacional Palestino, acessíveis a todos os palestinos.

Como está a esquerda palestina na atualidade? Existe uma unidade entre a FPLP, a Frente Democrática para a Libertação da Palestina (FDLP) e o partido do Povo Palestino (PPP), que também estão na OLP? É possível uma frente de esquerda nas próximas eleições palestinas?

Esta é uma questão sensível, mas eu serei honesto com os leitores em minha resposta. Nosso problema com a FDLP e o PPP é que gostaríamos que eles tomassem maiores posições na direção de criar uma Frente de Esquerda Palestina que possa ter um peso militar e político real, para confrontar a ocupação com prioridade e para defender as classes populares da Palestina. Nós temos desacordos em aspectos sobre a luta armada e sobre a relação com a Autoridade Palestina: note-se, por exemplo, que a FDLP participa do governo da AP e nós não. Isso pode justificar/legitimar posições de Mahmoud Abbas (presidente da AP). Contudo, ao mesmo tempo, temos uma relação diária baseada na luta. Organizamos manifestações conjuntas e temos encontros e reuniões regulares. Sempre dizemos aos companheiros da FDLP e do PPP o que pensamos sobre suas posições, e eles também são honestos conosco. Finalmente, quando se olha para a esquerda em eleições sindicais e estudantis, percebe-se que a FPLP é a maior força, e, por isso, tem a responsabilidade de liderar a esquerda palestina.

Qual a avaliação da FPLP sobre a batalha de Gaza, em 2014? Apesar do alto preço em vidas humanas, temos a impressão que a unidade da resistência palestina impôs uma derrota ao exército sionista de ocupação. Israel foi obrigado a recuar. Gaza mostrou que a resistência palestina está em melhores condições para enfrentar Israel no campo militar? Podemos dizer que, em Gaza, Israel sofreu uma derrota política, diplomática, moral e militar?

Israel cometeu atrocidades e crimes de guerra em 2014, matando mais de 2.100 palestinos e expulsando de casa centenas de civis. Isso é um fato inquestionável. Israel cometeu esses crimes com apoio total dos EUA, Canadá, Grã-Bretanha, Austrália e outros colonialistas. Isso também é um fato. Até regimes árabes são cúmplices da guerra contra os palestinos em Gaza. O que também é um fato é que Israel foi derrotado e que a resistência mostrou sua capacidade para confrontar o ataque até o último minuto. Os israelenses, desde o término da guerra, estão discutindo ''o que deu errado''. A resistência militar palestina está ficando mais forte a cada dia, qualitativamente e quantitativamente. Ela está unida sob um comando conjunto de todos os partidos engajados em resistir. É um comando unificado da revolução palestina. O nível de cooperação ficou visível na última conferência de imprensa, dada em conjunto pelas brigadas militares, falando em uma só voz.

O governo de Israel continua cada vez mais agressivo e intolerante. Ataques contra Gaza, agressões, prisões e assassinatos na Cisjordânia, mais leis racistas para obrigar a população a reconhecer o caráter judaico do Estado, destruição de casas e expulsão de palestinos de Jerusalém etc. Como a FPLP vê essa nova onda de ataques israelenses contra o povo palestino, em especial a situação de Jerusalém. A repressão israelense pode estimular os palestinos a se unir pela defesa de Jerusalém, que é a capital da Palestina?

A natureza do Estado de Israel é um projeto colonial agressivo, hostil e expansionista. Isso continuará até que esse Estado seja derrotado. O agravamento da ocupação é parte dessa característica do inimigo. Nós sabemos que lutamos contra um colonizador racista. É natural que Israel construa o muro do apartheid, ataque Gaza, realize prisões em massa, incluindo as de crianças e se engaje no projeto de ''sionização'' de Jerusalém. O aumento qualitativo da agressão em Jerusalém tem como objetivo acabar com o caráter e a presença árabe de Jerusalém, colocando colonizadores neste lugar, pela força. Quando você olha para a construção de assentamentos, para a demolição de casas, para o confisco do direito dos palestinos à residência permanente nessa cidade, fica claro que estamos lidando com uma política sistemática que quer transferir e expulsar os palestinos. A ilusão dos colonizadores, de que mudando nomes de ruas elas se tornam deles, ou que se pintarem uma parede de uma cor diferente eles podem confiscá-la e dar outra identidade a ela, esquece que o povo nativo sabe muito bem que isso lhe pertence e costumava ter outro nome. A luta em Jerusalém é a mesma luta de todos os outros lugares na Palestina.

O Brasil tem feito muitos acordos com Israel. Indústrias israelenses ampliam suas atividades no Brasil, principalmente nas áreas de Defesa e Segurança pública. Nos governos Lula e Dilma, Israel obteve importantes vitórias, apesar da retórica dos presidentes de que apóiam os palestinos. Hoje, Dilma colocou no Ministério da Defesa um sionista, Jaques Wagner, defensor intransigente dos interesses israelenses, ex-membro da Juventude Sionista Brasileira. Como os palestinos avaliam essa relação Brasil-Israel?

Nós devemos diferenciar o povo brasileiro do governo brasileiro, independentemente de qual seja. Sabemos que a grande maioria do povo no Brasil apoia a luta palestina pela libertação e por justiça. Eu estive no Brasil duas vezes e sempre senti, nas ruas, conversando com pessoas passando ou em cafés, que eu fui acolhido como palestino. O governo brasileiro, ao contrário, é um governo capitalista que diz representar a esquerda e os trabalhadores. Se eu olhar isso estritamente pelo viés do interesse palestino, o governo hoje é muito melhor do que no passado - mas apenas no discurso, não na realidade econômica. Certamente o Brasil dirá que é a favor de um Estado Palestino. Até alguns sionistas liberais dizem isso - mas isso não é apoio real. Os acordos econômicos com Israel, que valem centenas de milhões de dólares, estão ajudando a financiar a ocupação e a opressão contra os palestinos. Se eu fosse um brasileiro vivendo em São Paulo e enfrentando a ameaça diária de falta de água enquanto meu governo paga centenas de milhões de dólares a um Estado racista dizendo que é para minha ''segurança'', eu estaria muito nervoso. É muito importante olhar para as relações entre Brasil e Israel sem se esquecer do fator maior - o papel dos EUA. Qualquer aprimoramento da relação Brasil-EUA é acompanhado, como condição, do aprimoramento das relações com Israel. Isso é feito às custas do povo palestino e do povo brasileiro ao mesmo tempo. Esse é o motivo pelo qual nossa luta é a mesma.

Ter um sionista como ministro do governo Dilma, com a responsabilidade da defesa do povo brasileiro é razão suficiente para revolta popular. O povo brasileiro não se beneficia de acordos de ''segurança'' com um poder racista e colonialista. O movimento pelo boicote a Israel está crescendo em todo mundo e nós esperamos vê-lo implementado no Brasil também.

A FPLP tem conquistado apoio de várias organizações e militantes de esquerda no Brasil e no mundo. Tem manifestado admiração e apoio a governos como Cuba e Venezuela. Qual a importância dessa aproximação da FPLP com a esquerda latino-americana?

Essa é exatamente a posição da FPLP. Nós achamos que, globalmente, nossa luta é a mesma. É importante lembrar que enquanto estamos lutando contra o imperialismo, cada lugar e país sabe o que é melhor para sua própria luta. Isso não significa que nós não devemos ter diálogo entre as várias tendências de esquerda. Nós sentimos falta disso, internacionalmente. Sempre se ouve de vários partidos de esquerda que eles querem uma frente internacional contra o imperialismo e pela libertação. A questão é: o que eles estão fazendo para isso? Essa questão nós nos perguntamos a nós mesmos, antes de perguntar aos outros. Isso foi um ponto central no Sétimo Congresso da FPLP que aconteceu um ano atrás. Nós vemos muitas possibilidades de avanço da esquerda, internacionalmente. Também testemunhamos um recuo nos princípios mais básicos sobre o que significa ser de esquerda ou revolucionário. Talvez esse seja um momento difícil e cheio de desafios na nossa luta. Isso faz com que a esquerda tenha que ser mais relevante para cumprir suas tarefas internacionalmente. Precisamos também de ações unificadas que digam que estamos juntos, que lutamos e nos sacrificamos juntos. Dessa forma poderemos sentir novamente que uma vitória na Grécia, na Venezuela, na África do Sul ou no Brasil é uma vitória de todos nós. Sobre a América Latina e a FPLP, nós queremos - e estamos trabalhando pra isso - fortalecer a nossa relação com a esquerda latino-americana. Aconteceram avanços significativos na América Latina que são muito importantes para a luta global. Cuba tem sido um forte aliado de longa data do povo palestino. Em particular, as posições da Bolívia e da Venezuela estão liderando forças na construção de um boicote ao Estado racista de Israel na América Latina. Ainda, internamente, estão protegendo as riquezas e os recursos de seus países, e os direitos das classes populares contra a pilhagem e a opressão. Nossos camaradas e a comunidade palestina na América Latina são uma parte integrante dessas lutas.

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey