Milton Lourenço (*)
Apesar da crise econômico-financeira mundial, que pode atrasar algumas obras em andamento ou apenas previstas, o porto de Santos está a ponto de dar um salto de qualidade nos próximos dois anos. Tudo isso graças aos investimentos públicos e privados que vêm sendo feito em sua infraestrutura.
Basta ver que estão em obras as avenidas perimetrais, que vão facilitar o acesso aos terminais das margens direita e esquerda. Quando concluído o trabalho de dragagem provavelmente, ao final de 2010 , o porto permitirá a entrada de navios de maior calado. Isso significará um considerável aumento em sua capacidade operacional.
Não é preciso dominar as artes da adivinhação para perceber que, a partir da conclusão desses empreendimentos, terá de ocorrer uma mudança na forma como as cargas chegam ao porto de Santos, sob o risco de o complexo portuário entrar em colapso. Portanto, em termos de logística, está claro que terá de haver uma distribuição mais equilibrada entre os modais de transporte, a fim de que não sejam criados problemas no sistema viário da Baixada Santista e tenhamos de enfrentar novos gargalos para o escoamento da produção nacional.
Hoje, entre os especialistas não há quem não concorde que é impossível continuar a transportar por via rodoviária mais de 93% das cargas, como ocorre em São Paulo, segundo dados da Secretaria de Transportes do Estado. No entanto, para que esse número decresça, é preciso que o projeto Ferroanel deixe finalmente a prancheta dos técnicos.
Como se sabe, o Ferroanel seria a criação de um anel ferroviário em torno da região metropolitana da cidade de São Paulo, com um traçado coincidente em alguns trechos, especialmente no Tramo Sul, com o do Rodoanel. Isso seria suficiente para retirar milhares de carretas e caminhões das rodovias e dos acessos aos terminas portuários de Santos. E facilitar também a vida de muitos caminhoneiros que seguem de Goiás e de outros Estados do Centro-Oeste e do Norte e Nordeste para o Porto de Santos.
Acontece, porém, que, embora o governo federal tenha destinado recursos para as obras do Trecho Norte do Ferroanel, a contrapartida oferecida -- e que consta do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) -- foi considerada irrisória ou insuficiente pela MRS Logística, que seria parceira no empreendimento. Portanto, vamos perder pelo menos mais um ano por causa dessa falta de entendimento entre o governo e a iniciativa privada.
Embora os problemas sejam antigos e suscitem debates pelo menos desde o início da década de 1990, ainda agora os técnicos não chegaram a nenhum acordo sobre vários pontos de integração desse empreendimento com o modal ferroviário. A última proposta é a construção de um túnel subterrâneo, o mergulhão, que possibilitaria a passagem das composições férreas sob a Estação da Luz.
Hoje, os trens de carga têm grandes dificuldades para atravessar São Paulo, já que a preferência é dada aos trens de passageiros. Sem contar que os trens de carga não podem passar livremente durante o dia, em razão do fluxo constante de pessoas e veículos. Por isso, sua passagem fica limitada ao horário morto de uma às cinco horas da manhã.
Ainda assim, as composições são desmembradas porque seria impossível esperar mais de 20 minutos pela passagem do trem. Portanto, o mergulhão seria a saída mais natural. Só que, a rigor, isso já deveria ter sido pensado décadas atrás, tivéssemos mesmo homens de visão futurista à frente de nossos órgãos públicos.
Paradoxalmente, porém, às vezes, essa falta de visão, por vias tortas, acaba por nos ajudar. Tivessem os governantes já dado uma solução para a questão da travessia de Santos a Guarujá, com a construção de um túnel subterrâneo na entrada do canal do estuário, talvez estivéssemos agora em palpos de aranha. Dependendo da profundidade em que fosse construído, esse túnel poderia constituir um obstáculo sério à entrada de navios de maior calado.
Menos mal que nada fizeram. Agora, o que se espera é que esse túnel, já previsto pela Secretaria dos Transportes do Estado, saia do papel devidamente readequado para atender à preocupação da Autoridade Portuária com a atual tendência de aumento do calado dos cargueiros. Seja como for, a verdade é que a travessia por balsa entre a Ponta da Praia, em Santos, e o bairro de Santa Rosa, em Guarujá, será incompatível com o movimento dos grandes navios que deverão freqüentar o porto de Santos a partir de 2011.
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(*) Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Centro de Logística de Exportação (Celex), de São Paulo-SP.
E-mail: [email protected] Site: www.fiorde.com.br
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