As Facas Grandes e os Inomináveis da Ditadura Impune
-O romance A CHAMA E O VENTO, de Sergio Mudado, Kore Editora, 2015, mexeu com meus abalos sistêmicos, principalmente nesses tenebrosos tempos de sangramento institucional, de um chamado a priori novo estado novo, em que os que negociam com bandidos estão no poder, em que o país teve um retrocesso de mais de quarenta anos, e ainda assim e por isso mesmo fica a pergunta, se valeu lutarmos contra a canalha de 64, de termos um regime democrático frágil, até cairmos nesse estágio atual de vergonha e impunidade por atacado, mídia corrupta, justiça corrupta, sociedade alienada...
-Vivenciando tudo isso, mais graves problemas de saúde e mortes no clã, perdas, ausências, sensivelmente sofrendo e meio que surtando (surtos-circuitos) escrevi a ferro, sangue, suor, lágrimas e fogo fátuo o romance TIBETE - De quando vc não quiser mais ser gente, e, tê-lo escrito foi para me proteger de mim, me salvar, ou teria um enfarto, um avc. Enlouquecemos para não sentirmos mais? Escrevemos como um elmo, nos imantando de dor-sofrência? Nesse contexto historial todo, pessoal e de leituras (fugas) e criações (sequelas de fugas), o romance A CHAMA E O VENTO veio de chofre abalroar minhas memorias e estruturas fragilizadas. Meus sentidos, meus recalques; do tempo em que ouvia a música "Amigos presos//Amigos sumidos assim/Pra nunca mais..." (Gilberto Gil, Não Chore Mais), e acreditávamos no sonho de uma pátria livre ainda que tardia. Tristes memórias.
-Quando li pela primeira vez - e por curiosa circunstancia feliz do destino - Sergio Mudado, empaquei, ou melhor estanquei... A correnteza da criatividade de meu pai que nasceu no mesmo dia 20 de outubro. Lucidez, maestria, cirurgicamente escritor fora de sério. Li-o e tb fiquei mudado, perdoem o pensadilho. Li o romance Vassalo - um clássico; daria uma minissérie, um filmaço em Hollywood - li Juca Peralta e vi-o tb Mudado-Sergio Juca Peralta. Tudo dele me toca o cerne de leitor voraz, de obras que eu não tenho competência para escrever, mas adoraria ter escrito. Assino embaixo.
-Agora, o susto, A CHAMA E O VENTIO. Os inomináveis, datados, retratados. O indizível narrado. As Facas Grandes contra a funesta ditadura militar incompetente, corrupta, violenta e senil, pró América Cloaca das estrelas vermelhas de sangue. O medo do comunismo criou monstros... Pior. Toda corja impune. E ratos dos porões dela, filhotes e sequelas, no poder. Os meus inimigos estão no poder, diz o rock de Cazuza. "Pátria amada/Pátria minha/Pátria nada/Patriazinha", cantou Vinicius de Morais, também aniversariante do mesmo dia de Sergio Mudado e de meu Pai, Antenor Correa Leite, hoje nome de rua em Itararé., terra-mãe...
-O livro, A CHAMA E O VENTO varrendo os nuances do romance todo. Li aos borbotões. Li aos poucos. Como quem escuta o zíper de feridas tornadas cicatrizes, nas leituras, e assim de novo lixadas. Li como se uma costela adâmica fosse quebrada por um torturador insano. Li e me vi. Li e senti. Li porque passei esses momentos, como um bocoió, mas trabalhando na retaguarda e o mesmo depois de ter lançados vários livros, nem pensei em lançar o tal número três ou mesmo o número dois, porque o número um, por assim dizer, e cá entre nós, retrará também de mim a chama e o vento dos bastidores funestos da ditadura de 64, e sei que se lançar hoje posso ser suicidado amanhã. Terei que lançar quando já tiver um nome reconhecido, ou para morrer...
--Pois a Chama e o Vento de Sergio Mudado além de tocaram minhas feridas, reavaliam tristes lembranças nesses tempos tenebrosos, e ele assim retrata numa personagem FACA GRANDE sem nome, e conta, e incendeia os parágrafos de tristezas, dores, sangue de meu sangue, as artérias da histórias ligando gumes e vazios, abismos e patetas, monstros e repaginações de sentimentos revisitados, a própria personagem que a coragem louca de uma mulher também fora de série, e que bancou ser da resistência contra o golpe, pagou seu preço, e aqui o livro narra, conta, as vezes numa prosa poética, as vezes com filosofias, alquimias, pois sim que Sergio Mudado também é por assim dizer um alquimista dos verbos, palavras, ideias e construções de dizeres literários que vazam histórias, cisterna, e nos botam lume na alma...
-Confesso que li o livro a prestação... Para não sofrer tanto e tudo num momento. Em dose homeopáticas, como que enloucrescendo ao ler. História remorso, diria o conterrâneo Drummond de Minas Gerais do Sergio Mudado. "Narrar a soma de tudo que se é", diz João Batista Santiago Sobrinho na quarta capa do romance de 254 páginas. Depois de um exilio, irmãos, qualquer, tortura, medo, perseguição - ditadura - jamais votamos para casa, jamais haveremos de voltar, não existe porta, não existe casa; o que de humanos acabamos em nós, ou não, é uma parca tábua de uma casa que já não há, e beijamos paredes como diria Clarice Lispector...
-Lendo clássicos assustadores, dobro, mordo, como, anoto, bebo, visto, assumo; guardo na minha recorrente memoria fotográfica (sequela certamente de uma caxumba na primeira infância), e vou amontoando tudo... registrando os cálculos, cabeça, tronco e membro da obra rica. O livro está todo quebrado, marcado, páginas dobradas aos montes, como se fosse lido por mim, por deuses, por fantasmas, espectros da ditadura, a bem que caberia também um tumulo de um resistente desconhecido. A Chama e o Vento conta de um modo que dói mais? Vai doer sempre. Ou, muito além de para sempre, Como dói nessa insana ditadura civil de então, de um traíra usurpador no poder... Teria valido a pena ser contra uma ditadura e acabarmos nisso, agora, com o golpe da Canalha de 2016?
-Anotei pedaços do livro para citar num possível apontamento para um rascunho de um possível comentário, resenha ou aparatos de citações que que sejam, mas ficou o livro todo marcado. Doeu em mim ler. Livros bons, é quando a gente também morre um pouco no final? Não há final feliz, irmãos, ao final dessa tragédia Shakespeariana que é a vida - somos todos Hamlets - todos morrem. A CHAMA DA VIDA E O VENTO DA HISTÓRIA CRIEL... Resistir é preciso. Escrever é resistir? Feridos venceremos?
-Encontrei comigo mesmo no pesadelo das narrativas cruas, nuas, duras, farpas e estrumes de fardas. Somos todos exilados num Brasil de asnoias e abutres de toga, túnica, fardas e patentes... E ainda restam as pegadas de coturnos sujos de sangue de gente limpa, morta por lutarem pela liberdade, pela democracia... Chora a nossa pátria mãe gentil...
-O barulhos das chaves, nos molhos manchados de sangue de torturados, como cascavéis de torturadores, hoje ainda impunes... A faca é cega mais ainda corta, acorda, registra. Um livro de contações de angústias... Mártires anônimos. Dos que eram ninguém em lugar nenhum. A chama e o vento, o drama e a vox dos desaparecidos da noite para o dia. Dia? Que dia, cara pálida? O livro de Sergio Mudado acende uma vela aos mortos, no fole da história, e as lágrimas crispam os olhos dos que ainda enxergam no escuro...
-Depois de ler um livro desses, vc sabe que ainda não acabou. Nunca acabará...
-Nunca acaba.
-Uma ditadura, um golpe, uma guerra, são eternas e todos perdem.
-E há os que as produzem, como há os que resistem. E há os que contam. Com pendrives cravados de tintas escuras. Ah os troios dos campos de trigos... A esses romancistas visionários o nosso abraço de tristeza e de dor, mas ainda assim também de esperança limpa ainda que tardia, dizendo, escreva, diga, conte, registre... relate... o inferno mora nessas realidades que esquecemos, que até as vezes não soubemos, e a anistia que perdoou não devolveu.
Sim, não devolveu os corpos, os cadáveres, as mentes, as almas, as justiças...
Por isso ainda dói, perdoem, ainda dói, como também dói escrever esse rascunho de um comentário porque vivemos também aquela época, e o grito parado no ar ainda queima...
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Silas Correa Leite
E-mail>: [email protected]
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Silas Corrêa Leite - Breve bibliografia
Educador, ciberpoeta, Jornalista Comunitário, blogueiro premiado, livre pensador humanista e Conselheiro diplomado em Direitos Humanos. Consta em quase 800 sites como Estadão, Noblat, Correio do Brasil, Usina de Letras, Daniel Pizza, Wikipédia, Observatório de Imprensa, Releituras, Cronópios, Aprendiz, Pedagogo Brasil, Jornal de Poesia, Convívio e LibeArti, Itália, Storm Magazine e InComunidade (Portugal), Brasil com Z (Espanha), Politica Y Actualidad (Argentina), Poetas del Mundo (Chile), Fênix (Moçambique), Literatas (Angola), Pravda (Rússia) outros. Publicado em mais de 100 antologias, até no exterior, como Antologia Multilingue de Letteratura Contemporânea, Trento, Itália; Cristhmas Anthology, Ohio, EUA e na Revista Poesia Sempre/Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro (Ano 2000/Gestão Ivan Junqueira). Autor entre outros de TIBETE, De quando você não quiser ser gente, romance, Editora Jaguatirica, RJ; GOTO, A lenda do Reino do Barqueiro Noturno do rio Itararé, Romance, Editora Clube de Autores, SC, e Gute Gute, Barriga Experimental de Repertório, Romance, Editora Autografia, RJ
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