"O movimento que há 30 anos transforma a Escola sempre no mesmo idêntico rumo pode agora ser visto e exposto na sua triste verdade histórica. Sob a dupla invocação de (i) uma 'democratização do ensino' [vale também para a dita 'democratização da comunicação' (NTs)] que é mentira absoluta, e (ii) da 'necessária adaptação ao mundo moderno' (nesse caso, só meia mentira), o que se encontra, em todas as reformas que têm sido igualmente péssimas, é, sempre, a Escola do Capitalismo Total (...).
Sobre bases igualmente francas e claras, o principal problema político que o sistema capitalista terá de enfrentar nas próximas décadas pode ser formulado com todo o rigor: Como será possível, para a elite mundial, manter a governabilidade sobre 80% do excesso de seres humanos que excedem o orçamento, seres humanos cuja inutilidade foi programada pela lógica liberal?
Ao fim da discussão, impôs-se uma solução proposta por Zbigniew Brzezinski, considerada a mais razoável, e condensada no termotittytainment.[1]
Tratava, simplesmente, de definir, por essa palavra-valise, um 'coquetel de divertimento que embrutece e suficiente comida que baste para manter o bom humor da população frustrada do planeta'. Essa análise, cínica e depreciativa, tem, é claro, a vantagem de definir com a máxima clareza o rol de mudanças às quais a escola deve atender no século 21, na visão das elites mundiais.
Por isso é possível, baseando-se nessa palavra complexa, deduzir, com mínimo risco de errar, as formas a priori de qualquer reforma que vise a reconfigurar o aparelho educacional conforme, exclusivamente, os interesses políticos e financeiros do capital. Observemos por um instante como se joga esse jogo.
Para começar, é evidente que tal sistema terá de preservar um setor de excelência destinado a dar formação ao mais 'alto' nível das elites, às diferentes elites científicas, técnicas e gerenciais que serão cada dia mais necessárias, na medida em que a guerra econômica mundial vá-se tornando cada dia mais dura e impiedosa.
Esses polos de excelência - cujas condições para acesso são fatalmente muito seletivas - deverão continuar a transmitir, de modo sério (quer dizer provavelmente, no que tenha a ver com o essencial, seguindo o modelo da escola clássica) os saberes sofisticados e criativos (sejam quais forem, cá ou lá com reticências positivistas de um ou de outro defensor do sistema) e aquele mínimo de cultura e de espírito crítico sem o qual a aquisição de saberes e as competências para usá-los efetivamente não fazem sentido algum, nem têm - o que é mais grave -, nenhuma verdadeira utilidade.
Para as competências técnicas médias (...) o problema é bastante diferente. Trata-se, em suma, de saberes descartáveis - tão descartáveis quanto os humanos que lhes servem como suporte provisório - na medida em que, apoiados em competências de rotina, e adaptados a um preciso contexto tecnológico, deixem de ser operacionais, tão logo aquele contexto seja, ele próprio, ultrapassado. (...) Generalizando: para as competências intermediárias, a classe dominante poderá fazer - da prática do ensino multimídia à distância -, de uma só pedra, duas armas.(...)
Restam afinal, claro, mais numerosos, aqueles que o sistema destina ao desemprego perpétuo (ou ao emprego precário 'flexibilizado', por exemplo nos vários empregos que a cadeia McDonald's oferece), em parte porque, segundo os termos escolhidos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE, eles jamais "constituirão mercado rentável" e porque a "exclusão deles se acentuará dentro da sociedade, à medida que os outros fatalmente desejem progredir".
Tittytainment
Aí é que o tittytainment terá imensa serventia. Claro que a caríssima transmissão de saberes verdadeiros - os quais, se são verdadeiros serão necessariamente críticos -, como a aprendizagem de comportamentos civis elementares ou, mesmo, o simples encorajamento ao comportamento honesto e legal, em nada interessa ao sistema. O ensino eficaz de saberes verdadeiros, em algumas circunstâncias políticas pode ser, isso sim, ameaça à segurança do sistema.
É evidentemente para essa escola 'das massas', que a ignorância terá de ser lecionada por todas as vias e de todos os meios imagináveis. Ora, essa é atividade que não avança sozinha e para ela os professores tradicionais têm sido até hoje, apesar de alguns pequenos avanços, muito mal preparados. Para ensinar ignorância é portanto necessário reeducar os professores, vale dizer, obrigá-los a trabalhar 'de outro modo', sob o despotismo esclarecido de um poderoso e muito bem armado exército de especialistas em 'ciências da educação'.
A tarefa fundamental desses especialistas será, é claro, definir e impor (por todos os meios de que dispõe uma instituição hierarquizada para assegurar-se da total submissão dos que dela dependem) as condições pedagógicas e materiais do que Debord chamava "a dissolução da lógica"; dito de outro modo, é "a incapacidade construída, para reconhecer instantaneamente o que é importante e o que é menor ou fora de questão; o que é incompatível ou, ao contrário, poderia bem ser complementar; tudo que uma dada consequência implica, e o que, no mesmo movimento, a mesma consequência impede".
Um aluno assim preparado, acrescenta Debord, se verá posto "para começar o jogo, a serviço da ordem estabelecida, mesmo que sua intenção fosse completamente contrária a tal resultado. Conhecerá para o essencial o idioma do espetáculo, o único que lhe é familiar: o único que aprendeu a falar. Pode até acontecer que se mostre - e muitas vezes esses alunos querem mostrar-se - inimigos dessa retórica: mas não conseguem escapar dessa sintaxe".
Quanto à eliminação de toda a decência comunal, quer dizer, quanto à necessidade de converter o aluno em consumidor animalesco, incivil e, sendo preciso, violento, é tarefa com número infinitamente menor de problemas. Aqui, basta proibir qualquer tipo de instrução comunal civil efetiva e substituí-la por uma forma qualquer de alguma 'educação cidadã', cozidão conceitual muito mais fácil de distribuir e disseminar, porque só faz repetir o discurso dominante do jornalismo e do show-biz; assim se conseguirá fabricar séries de consumidores de direitos, intolerantes, de pensamento 'judicializado' e politicamente corretos, que serão, por isso mesmo, facilmente manipuláveis. Além de apresentarem a vantagem não sem importância de saberem enriquecer, quando a ocasião se apresenta, seguindo o exemplo dos EUA, os grandes escritórios de advogados.
Naturalmente, os objetivos assim designados ao que restar da escola pública supõem, no médio prazo, uma dupla transformação decisiva.
De um lado, esses professores que terão de abandonar o atual estatuto de sujeitos de suposto saber, para endossar o que ensinem os animadores de diferentes atividades de despertar ou transversais, publicações pedagógicas ou fóruns de discussão (concebidos, nem é preciso dizer, pelo modelo dos programas de entrevistas de TV); e convertem-se em animadores que cumprirão, além do mais, para aumentar os lucros, diversas tarefas materiais ou de acompanhamento psicológico.
De outro lado, a transformação da Escola em local de vida, democrática e risonha, ao mesmo tempo salão de recreio (daí a animação das festas pela abolição da escravatura, nascimento de Victor Hugo, Halloween...) passa a poder ser entregue, com lucros, às associações de pais, ansiosos para 'participar'. A Escola é transformada em espaço liberalmente aberto a todos os representantes da cidade (militantes associativos, militares aposentados, empresários, malabaristas, comedores de fogo etc.) e a todas as mercadorias tecnológicas ou culturais que as grandes empresas, já convertidas em 'parceiras' explícitas do "ato educativo", considerarão excelente vender aos diferentes atores.
Penso que logo surgirá a ideia de também pôr, na entrada desse grande parque de diversões escolares, catracas eletrônicas simples, para detectar eventual presença de objetos metálicos."*****
* Traduzido por indicação de Salah Lamrani (Sayed Hasan), professor de Literatura no Ensino Médio, em Paris, bolsista do Ministério de Educação da França, grevista e orgulhoso franco-argelino Field Negro (expressão cunhada por Malcolm X, para diferençar o "negro doméstico" e o "negro de campo", dia 10/11/1963) [NTs].
O termo "tittytainment" foi cunhado em 1995 pelo ideólogo neoliberal Zbigniew Brzezinski, membro da Comissão Trilateral e ex-conselheiro para a Segurança Nacional do presidente Jimmy Carter dos EUA, na conclusão do primeiro "State of the World Forum", organizado por Mihail Gorbachev dia 27/9/1995, e realizado no Fairmont Hotel, San Francisco, EUA. O objetivo da reunião foi determinar o estado do mundo, sugerir objetivos desejáveis e as principais atividades para os alcançar. Os presentes ao encontro (Mikhail Gorbachev, George Bush, Margaret Thatcher, Václav Havel, Bill Gates, Ted Turner e outros) concluíram que surgiria inevitavelmente uma sociedade 20/80: o trabalho de 20% da população bastaria para sustentar a economia mundial, e os restantes 80% ficariam sem trabalho ou oportunidades, com o único destino possível de frustração sempre crescente.
Aí, precisamente, entrou em cena o conceito de Brzezinski. Brzezinski sugeriu que um misto de métodos físicos e psicológicos, que chamou de tittytertainement fosse usado para controlar a frustração popular e os muito previsíveis protestos. E explicou que o termo, fusão de titty [mamar, amamentação] e entertainment [entretenimento] faz alusão à sonolência e efeito calmante e de distração, que ser amamentado ao peito produz nos bebês [vide sobre isso FULLBROOK, Edward (ed.), Real World Economics, 2007, Anthem Press, p. 363] (NTs).
Jean-Claude Michéa (1999), in Blog Sayed Hassan*
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