Nome Próprio provoca polêmica em Gramado

Luiz Carlos Merten

Numa cena de Nome Próprio, o longa de Murilo Salles que abriu a mostra competitiva do 36º Festival de Gramado - embora já esteja em cartaz em São Paulo e Rio -, a protagonista, Camila, diz que seu blog não é um diário nem interativo e acrescenta que ela escreve das entranhas, visceralmente, porque é o que a mantém viva. Mais tarde, ela também diz que precisa organizar o caos de sua vida. Frases interessantes e reveladoras.

 Salles baseou-se na experiência da blogueira Clarah Averbuck, famosa pelo despudor (sem juízo ético nenhum na palavra) com que se expõe. No blog, ela pode não querer interação nem que as pessoas opinem sobre sua vida. Como personagem de cinema, é diferente.


A própria Clarah polemizou com o diretor, no debate realizado ontem pela manhã. Ela gosta do filme - senão, como explica, não estaria ali -, mas não se sente retratada nele. Os textos de Camila, a personagem, não são os de Clarah, a autora. Sua literatura, goste-se ou não dela, é muito referencial. No filme, a literatura de Camila também é, mas são as referências de Murilo Salles, o diretor, para tratar do desamparo e do feminino (ou do desamparo feminino).


Já que se trata de uma personagem de ficção, fica mais fácil dizer que Camila é uma das figuras mais irritantes que irromperam no cinema brasileiro recente. Ela é autocentrada, radicaliza a busca do prazer, mesmo que isso signifique ferir as pessoas ao redor, e na sua busca da autenticidade insiste em berrar para os homens com quem tem relações - os que a interessam -, que eles a amam, num comportamento de macho possessivo que beira a psicose.


A personagem pode ser, vale repetir, irritante. O filme não é. E Camila, no filme (talvez Clarah, na vida), só dá o grande salto quando transforma o blog em livro e encara a si mesma como 'outra'. O reconhecimento da alteridade é um dos signos da modernidade. No fim, existem duas Camilas, duas Leandras Leal na tela.


Nome Próprio, apesar da falta de ineditismo - integrou há quase um ano a PremiÕre Brasil do Festival do Rio, em 2007 -, foi uma boa escolha para abrir o festival. José Carlos Avellar, um dos curadores do evento, disse que Gramado, em 2008, celebra mulheres fortes e propõe uma curiosa tensão entre as novas tecnologias, leia-se o digital, e as tradicionais, a película. Nome Próprio concentra tudo isso. Foi feito (e projetado) em digital, trata da cultura dos blogs - um fenômeno atualíssimo - e possui uma personagem feminina forte (espetacularmente interpretada por Leandra Leal, que lembrou, vale acrescentar, que nunca participou da competição de Gramado, mas esteve na cidade no ventre de sua mãe, a também atriz Ângela Leal).


Para Murilo Salles, é salutar que, mais de 20 anos depois de Nunca Fomos Tão Felizes, seu admirável longa de estréia, ele volte a outro espaço fechado, mais um apartamento, para refletir sobre outro tipo de carência, ou angústia. Lá, a solidão do garoto ligava-se à relação com o pai e à clandestinidade em que este vivia, durante o regime militar. Aqui, é a crítica do mundo atual, mas tão antigo, na medida em que os sentimentos retratados e tudo aquilo que Camila verbaliza, embora midiatizado por novas tecnologias de informação e comunicação, na essência não tem nada de novo.


Sexo, solidão, possessão, frases feitas que, na verdade, são enjambrações em cima de reflexões mais densas e profundas (de escritores e filósofos), tudo isso resulta muito rico e intrigante, na medida em que o risco de Camila, numa era de superexposição, é o de virar objeto (de adoração ou consumo) quando seu objetivo 'interior' é oposto.


Nome Próprio é um filme radicalmente 'interiorizado'. Abre-se para dentro, não para fora. E foi um boa alternativa para o longa gaúcho, que passou fora de concurso, "Dias e Noites". Beto Souza baseou-se num livro - originalmente, um folhetim - de Sérgio Jockyman, Clô Dias e Noites. Numa sociedade dominada pelos homens, Clô sofre todo o tipo de violência do marido, mas reage, com as armas de que dispõe, para se afirmar. Ela também tem frases interessantes.

Fonte: Jornal O Povo

Fortaleza

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey