Às vezes, é bom recorrer ao dicionário para aferir o verdadeiro significado de algumas palavras que usamos freqüentemente. Perpétuo, por exemplo, é definido como interminável, eterno. Os americanos usam a expressão life sentence para prisão perpétua, o que é muito diferente de eterno ou interminável.
O que se tem dito, nestes longos tempos de copiosas manchetes a respeito de crimes do colarinho branco, invariavelmente levados a cabo com a inestimável contribuição de políticos e outros agentes públicos, é que os envolvidos morrerão antes de serem condenados. Um truísmo.
Temos, então, já que a prisão perpétua não faz parte da lei brasileira, e Sísifo é somente um mito, a impunidade em vida dos parasitas do dinheiro público.
Flagrados ou desmascarados pela polícia ou pelo Ministério Público, eles e seus defensores protestam por inocência, se dizem perseguidos e encarnam o figurino de vítimas, sabendo, no íntimo, que acabarão impunes ou, no máximo, condenados ao simbolismo da prisão em regime aberto, ou, ainda, à pena de prestação de serviços sociais, para desapontamento de tantos quantos se acostumaram a ler nos gibis que "o crime não compensa".
A exposição midiática da prisão do banqueiro Daniel Dantas trouxe à baila a questão do abuso de autoridade, solenemente ignorado quando da prisão do casal Nardoni, publicamente execrado, embora na mesmíssima situação jurídica do ilustre banqueiro: inocentes até o trânsito em julgado de sentença final, inapelável.
A questão que se impõe é como associar as garantias constitucionais à desejada e nunca alcançada aplicação eficaz da lei penal, que não é mesmo igual para todos, pois réus com educação superior têm direito a prisão especial, sem que haja uma razão plausível para tal privilégio. E os acusados com bons contatos políticos, não raros seus cúmplices, são um estrondoso exemplo do orwellianismo de nossa minuciosa Constituição. Mecanismos maquiavélicos permitem, por exemplo, que Dantas possa vir a ter foro privilegiado de fato, dado o suposto envolvimento de um senador do Democratas, que obrigaria o inquérito a subir para o Supremo. Para quem se animou com a aceitação da denúncia dos membros da quadrilha do mensalão, integrada por amigos e parceiros operacionais do banqueiro ora objeto de robustas suspeitas, convém saber que o julgamento só deverá ser realizado em 2011, com chance de prescrição.
Mais rigorosa a pena e célere o julgamento deveriam ser os dos parlamentares, que, por terem sido escolhidos pelo povo, por mera e circunstancial delegação de poder, deveriam ser os primeiros a dar o bom exemplo. Nada de prerrogativa de foro ou de imunidade parlamentar. Ser eleito representante popular, deputado, senador, é uma honra que exige como contrapartida mínima a decência. A eles deve-se aplicar o dogma da mulher de César invertido: não basta parecer honesta, é preciso sê-lo.
Por que é que a sociedade não pode exigir que um político sob suspeita seja afastado temporariamente, quando o Estado é o primeiro a desconfiar de tudo e de todos, exigindo certidões disso e daquilo, embora a lei consagre o princípio da inocência?
Existe uma preocupação geral, legítima, com os candidatos fichas-sujas, mas nossa política não é de quinta categoria apenas em virtude da existência de centenas de parlamentares que respondem a processos judiciais, mas pelas deploráveis práticas que se repetem amiúde no Congresso, o melhor exemplo de abuso de autoridade.
Convém lembrar que sucessivos escândalos levam ao esquecimento, ou ao cozimento em fogo brando, dos precedentes. Enfim, tudo conspira a favor da impunidade dos grandes.
Então, quando se fala em urdir uma nova lei contra o abuso de autoridade, é imprescindível examinar a conduta de nossos políticos a fim de coibir exorbitâncias como legislar em causa própria, encobrir a má conduta de colegas, e, principalmente, usar o voto parlamentar como moeda de trocas escusas.
Impressionam a inércia e o inconformismo, que se dissolve ao fim de uma conversa de bar, de uma sociedade desorganizada contra o crime organizado ou grupos de interesse muito bem articulados. Contra estes protesta uma minoria barulhenta, que não é tão pequena assim que não possa fazer as coisas acontecer.
Luiz Leitão [email protected]
Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter