Recebi ontem carta do doutor Domício Beltrão, comunicando, entre outras coisas, haver concluído o curso de especialização em medicina social que estava fazendo em Salvador, na Universidade Federal da Bahia.
Murilo Badaró Presidente da Academia Mineira de Letras
Recebi ontem carta do doutor Domício Beltrão, comunicando, entre outras coisas, haver concluído o curso de especialização em medicina social que estava fazendo em Salvador, na Universidade Federal da Bahia. Vou resumi-la. Diz ele: mesmo sobrecarregado pelas matérias do curso, consegui avançar bastante no livro que busca uma explicação para os problemas sociais que tanto afligem as regiões lindeiras de Minas com a Bahia.
Estou agora escolhendo a cidade para aonde voltar e continuar meu trabalho. Talvez vá para Serra das Juritis, no Vale do Mucuri, uma vez que já estive do outro lado em Buriti Alegre no Urucuia e em Pequilândia no Jequitinhonha. Para Pequilândia não volto mais. Deixei por lá amigos que habitualmente enviam-me notícias, infelizmente pouco alentadoras - à exceção da merecida punição do torquemada - de que a doença da politicagem e da falta de capacidade de entendimento entre os homens estão cada dia mais acentuadas.
Disto resulta prejuízo para a população pobre, impotente em sua desigual luta para superar a pobreza e a exclusão. Recolhi muitas observações nesta minha temporada baiana. Fiquei profundamente impressionado com a força do carisma de Antônio Carlos Magalhães. Vi homens e mulheres simples do povo chorando copiosamente à passagem de seu féretro. Existem nesta imensidão pátria dois Brasis bem distintos, tema tratado no clássico de Jacques Lambert na visão correta da nítida dicotomia entre um sudoeste e sul com altas taxas de desenvolvimento e o norte e nordeste vegetando em meio à pobreza inclemente e, pior de tudo, monoliticamente resistente a tentativas de erradicá-la.
Por estes lados, e creio poder dizer-lhe, o maior insumo da política partidária é a miséria. Se os políticos a erradicarem, irão juntos. Daí porque são eles próprios os maiores fatores de resistência. Em minhas leituras encontrei, por acaso, uma referência à Lei de Gresham, formulada por Thomas Gresham, um comerciante e financista inglês do século XVI.
Segundo ele, a moeda má expulsa a moeda boa. Aplicado o símile à política é perfeitamente possível formular a nova Lei de Gresham: o político mau expulsa o político bom. A perversa prevalência da Lei de Gresham na política brasileira impede soluções, cada vez mais jogadas nos desvãos do esquecimento. Na área de minha especialidade, a medicina, constatei deformações.
Encontrei por acaso brilhante médico mineiro, originário dos grotões do Jequitinhonha, já consagrado como clínico geral, especialidade que anda sendo mal substituída por aparelhagem muito remotamente capaz de conseguir o mesmo que o estudo de anatomia e o toque manual no exame do cliente podem obter.
Este jovem e brilhante facultativo estava sem o tradicional jaleco branco, característico dos profissionais da área médica. Fiquei curioso e não resisti à tentação de indagar-lhe o porquê. Disse-me que a atual situação de medicina brasileira, submetida ao império do SUS, criava situação de crescente intolerância para com os médicos, cada dia mais alvo da cansada e nervosa expectativa não atendida da população carente. Lançam-lhes às costas a responsabilidade que não é deles.
O jaleco, orgulho do jovem estudante de medicina que começa a trajá-lo desde os bancos escolares, símbolo de uma profissão abençoada por São Lucas e que sustentou memoráveis lutas no Brasil contra as endemias, quase todas decorrentes do estado de miserabilidade da população, estava sendo posto de lado como uma silenciosa manifestação de protesto contra a desatenção governamental para com este importante setor da vida, a saúde pública.
Por mais protestem os doutores em medicina e atividades assemelhadas, por mais revelem os meios de comunicação diariamente as mazelas do setor hospitalar a cargo dos órgãos governamentais, por mais dolorosas sejam as imagens dos corredores dos hospitais e casas de saúde lotadas de pacientes pobres e desvalidos, cuja voz lamentosa está presa na garganta pela fragilidade de sua saúde, a resposta é sempre o discurso laudatório e as surradas explicações em que ninguém mais acredita.
Prezado Dr. Badaró, vou encerrando com as palavras que disse ao jovem médico de que estas incompreensões são pontuais, pois, em sua esmagadora maioria, os médicos brasileiros estão catalogados, há muito, entre os heróis da nacionalidade . PS- O jornal Estado de Minas publicou domingo matéria sobre este assunto.
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