Debate sobre uso de céula-tronco acaba no STF, agora o País precisa avançar

É evidente que o Poder Público deve fiscalizar as pesquisas.Mas a lei tem que ser cumprida, diz o ministro-chefe da Advocacia Geral da União, José Antônio Dias Toffoli


Para Toffoli, é hora de acabar com falsas questões, como a de que as Forças Armadas não podem atuar em reservas indígenas. Em entrevista ao Bom Dia Ministro, produzida pela Secretaria de Imprensa da Presidência da República e transmitida via satélite a rádios de todo o País nesta quinta-feira (29), ele falou também sobre Raposa Serra do Sol.


Células-tronco - "A posição da Advocacia-Geral da União é a favor da lei que foi aprovada pelo Congresso Nacional e permite as pesquisas. Penso que o País está avançando e as pesquisas devem ser liberadas sem restrições, do ponto de vista da interpretação de sua constitucionalidade. É evidente que cabe aos órgãos do Executivo, como o Ministério da S aúde, acompanhar essas pesquisas, que devem ter um acompanhamento dos órgãos reguladores. Tem que haver um acompanhamento também das próprias universidades, onde os centros de pesquisa funcionam. O poder público tem que fiscalizar essas pesquisas e elas só podem ser feitas no limite da lei. Por exemplo, a lei veda a clonagem humana e a comercialização de órgãos humanos e células-tronco. Ou seja, essas pesquisas têm que ter um fundamento ético.

Acho que a discussão a respeito da possibilidade dessas pesquisas estará finalizada com a decisão do Supremo Tribunal Federal. Essa é uma vantagem do nosso sistema, em que os temas podem ser levados diretamente para a mais alta corte do País. Com a definição do STF, evita-se que surjam novas demandas pela Justiça Brasil afora."

Raposa Serra do Sol - "A maioria das homologações de terras indígenas já foi feita há algum tempo. No nosso entendimento, não haveria maiores possibilidades de se ir à Justiça contestar essas demarcações porque existem prazos para a contestação de medidas administrativas. Geralmente, esse prazo é de cinco anos. A reserva Raposa/Serra do Sol é uma das últimas grandes áreas a serem demarcadas pelo Estado brasileiro. Não é a única situada em área de fronteira. É evidente que há algumas falsas questões nessa discussão da Raposa/Serra do Sol.

Por exemplo, não é proibido a ação das Forças Armadas na região, até porque a área indígena é de propriedade da União. Quando se faz uma demarcação de reserva indígena essa área não é transferida aos índios. De acordo com a Constituição, a área é da União e serve para o usufruto dos índios, mas somente na superfície. O subsolo continua sendo propriedade da União. O Brasil deve muita às comunidades indígenas pela manutenção das suas fronteiras. À medida que existem conflitos entre índios e não-índios, ao Estado compete evitá-los e solucioná-los. Não cabe ao Estado julgar esse conflito e quem está certo ou errado. A posição do governo é uma só: defender a homologação da área contínua, que está sendo contestada na Justiça. Entendemos que a pacificação da região virá com o julgamento do Supremo."

Raposa e o Judiciário -"O Judiciário não age de vontade própria, somente quando é provocado. No caso da Raposa, houve ações promovidas pelo governo, parlamentares e proprietários de áreas rurais de Roraima contra a homologação da reserva por parte do presidente. Neste sentido cabe ao judiciário julgar o conflito e verificar quem é, do ponto de vista da Constituição e das leis brasileiras, que está com a razão. Neste sentido, a posição do Judiciário é legítima e faz parte do estado democrático de direito e ninguém contesta a possibilidade de alguém ir á Justiça e tentar defender aquilo que ela entende ser seu direito. Da mesma forma que o estado de Roraima vem atuando contra a homologação contínua, a AGu vem defendendo-a.

Nossa expectativa é de que o STF julgue isso o mais rápido possív el para que tenha fim essa situação de dúvida de quem está com a razão e que a decisão seja favorável à União. Temos cerca de 300 particulares na área da Raposa, dos quais todos foram indenizados e retirados da área, com exceção de seis fazendeiros, que são produtores de arroz e que se recusaram a deixar a área de maneira amigável. Nesse sentido, a União entrou com ação de consignação, depositando em juízo os valores a que esses agricultores têm direito."

Comunidades quilombolas
-"Há outra peculiaridade em relação às áreas remanescentes de quilombolas.A Constituição, ao contrário do que fez com a área indígena, em que a titularidade da terra é a União, estabeleceu a propriedade para a comunidade quilombola. No caso dos quilombolas, a Constituição deu o direito às comunidades remanescentes de quilombos o reconhecimento da propriedade coletiva da posse que eles detenham sobre a área onde estejam instaladas. Isso é uma novidade para o Brasil. Até a Constitu ição de 1988, não havia uma previsão desse tipo, que é a de uma propriedade coletiva, feita em nome de uma comunidade.

A regulamentação por parte de um decreto do presidente Lula, em 2003, permitiu o início da demarcação, o reconhecimento e a titulação dessas áreas para as comunidades remanescentes de quilombos. No entendimento da AGU, houve na regulamentação, por parte do Incra, ao fazer essa demarcação por meio uma instrução normativa, alguns desvios do ponto de vista do que era o decreto e do que era a previsão da Constituição. No caso dos quilombolas, a Constituição reconhece a propriedade para a comunidade e não fixa os mesmos critérios para as áreas indígenas, que são os de necessidade para a sobrevivência da comunidade e que, historicamente, tenham no passado sido ocupadas pela comunidade.

No entendimento da AGU, o que a Constituição fixou para os quilombolas é o reconhecimento das áreas que elas estejam ocupando e não aquelas em que viveram no passado. Na regulamentação do Incra, muitas vezes se avançou para áreas que não eram ocupadas hoje pelas comunidades, mas que elas reivindicavam como delas há anos, como um direito histórico - direito esse que só existe para os índios. Um grupo de trabalho, a cargo da AGU, foi instalado para adequar os regulamentos, do ponto de vista normativo, a demarcação dessas áreas. Chegamos ao produto final, que é a alteração da instrução normativa do Incra. As comunidades quilombolas foram ouvidas e a situação está prestes a ser resolvida, de forma que teremos a titulação e à demarcação dessas áreas feitas de acordo com a Constituição.

Brasileiros no Paraguai -"Essa questão dos brasiguaios vem sendo acompanhada pelo Ministério das Relações Exteriores. Os brasiguaios são aqueles agricultores brasileiros que migraram, principalmente vindos do Sul, ao Paraguai. Muitos tiveram filhos em solo paraguaio, o que gera problemas de nacionalidade dessas pessoas porque o Brasil adota o conceito de direito por solo e não por sangue para a cidadania brasileira. Existe no Congresso Nacional uma discussão exatamente para se alterar a Constituição nesse sentido. Em razão da natureza internacional, isso vem sendo acompanhado pelo MRE.


Terrenos da Marinha -"A questão dos terrenos da Marinha é bastante complexa porque historicamente o litoral brasileiro foi sendo ocupado de maneira desordenada. Mas realmente há irregularidades nesse tema. Os terrenos da Marinha são considerados propriedade da União, ou seja, não existe propriedade particular na área delimitada para a Marinha. Nesse sentido, a Advocacia-Geral da União iniciou um projeto-piloto recentemente, desenvolvido em Maceió, para que se dê um ordenamento nessas áreas, fazendo com que aqueles que ocupam os terrenos da Marinha paguem os seus foros.

 Evidentemente que existem realidades já consolidadas e não cabe ao poder público, de uma hora para outra, sair por aí tomando medidas arbitrárias. É n ecessário que se faça a devida regularização disso, para adequar a realidade dos fatos à lei. Foi feito todo um trabalho em Maceió em conjunto com a prefeitura para regularizar essas áreas. Essa parceria da União com os municípios do litoral está cada vez mais consolidada, assim estabelecendo um regramento na ocupação dessas áreas. E aqueles casos que venham a surgir, ou seja, não são questões para serem regularizadas, mas sim afrontas imediatas, podem ser denunciados à AGU para que todas as medidas oficias sejam tomadas. Em relação às áreas já consolidadas, deve se fazer uma parceria com o município para que elas sejam regularizadas na medida do possível."


Câmara de Conciliação -"Ela faz parte de um processo maior que tem por objetivo diminuir conflitos litigiosos, ou seja, reduzir a cultura de se resolver tudo pelo Poder Judiciário. É necessário que o poder público e o Executivo passem a tratar das questões que sejam de divergência e conflito de maneira mais inteligente. No Judiciário, a questão passa a ser tratada por um terceiro, que muitas vezes não está afeito à demanda e a solução percorre um tempo que não é o mesmo da área administrativa. Nesse sentido, iniciamos uma série de ações para diminuir conflitos litigiosos. A criação da Câmara de Conciliação é uma delas. Muitas vezes os estados vão ao Supremo Tribunal Federal contra a União exclusivamente por causa de uma certidão negativa que o estado mantém.

 Sem essa certidão, o estado não pode tomar empréstimos ou receber recursos do Tesouro Nacional. Isso faz com que uma série de programas, inclusive da área social, sejam precários ou paralisados. Os estados vão ao STF e invariavelmente ganham a causa. Se o Supremo vem reconhecendo esse direito dos estados, a União deve agir preventivamente criando um local de discussão para que os conflitos sejam resolvidos. A Advocacia-Geral da União é pela lei desse fórum de discussão. Portanto, com a criação da Câmara, pretendemos que os estados, antes de ir à Justiça, procurem a AGU. A perspectiva é de que agora, no mês de junho, poderemos oficializar a criação dessa Câmara de Conciliação."


Aquisição de terras por estrangeiros -"Num contexto de alta e aumento da demanda mundial por alimentos, é natural o aumento da procura por terra agricultáveis. Evidentemente que faz parte da defesa da soberania do País um regulamento para a aquisição de terras por estrangeiros. A maior parte dos países estabelece restrições para esse tipo de aquisição para evitar que o poder econômico se sobreponha à soberania da nação.. A AGU, no passado, emitiu um parecer cujo entendimento de que uma lei de 1971, que restringia a possibilidade de aquisição de terras por estrangeiros, mesmo através de empresas brasileiras, tinha caído e não era mais aceita em razão do que estabeleceu a Constituição de 88. Estamos reavaliando esse parecer. No nosso entendimento, a princípio, a Constituição permite sim ess a restrição, na medida em que ela estabelece que cabe ao Congresso ditar normas e ao presidente sancioná-las para que se limite os investimentos estrangeiros."

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey