Por Gustavo Barreto, Para o Instituto Oswaldo Cruz (www.ioc.fiocruz.br), 27/10/2006
Mudar o olhar em relação ao uso indiscriminado de antibióticos e ampliar o olhar em relação ao quadro clínico a ser apresentado pela classe médica esta foi uma das conclusões centrais dos debates realizados nesta quarta-feira (25/10) pela manhã, durante o segundo dia do III Simpósio de Resistência aos Antimicrobianos e do I Simpósio de Resistência a Drogas Quimioterápicas, organizado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC). O evento reúne especialistas nacionais e estrangeiros no Hotel Glória (Rio de Janeiro), de 24 a 27 de outubro.
A perda de sensibilidade a antibióticos em enterobactérias foi o tema da pesquisadora da UNIFESP Ana Cristina Gales, que apresentou a palestra Mecanismos de resistência a beta-lactâmicos em enterobactérias . As enterobactérias habitam principalmente os intestinos do homem e dos animais, seja como membros da flora normal ou como agentes de infecção. Cristina procurou mostrar os estudos acerca dos mecanismos de mobilização e a disseminação de genes de resistência no caso estudado.
Segundo a pesquisadora, a diminuição de sensibilidade a alguns antimicrobianos beta-lactâmicos é um forte indício da produção das Betalactamases de espectro ampliado (ESBL) enzimas mediadas por plasmídios que conferem resistência às cefalsporinas de amplo espectro e monobactans (aztreonam) mesmo que o patógeno ainda seja categorizado como sensível a esses antimicrobianos pelos testes tradicionais.
Elizabeth Marques, pesquisadora do Laboratório de Bacteriologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da UERJ, fez coro com a necessidade de desenvolver novos estudos sobre o tema. Ela citou o conceito de Biofilme , caracterizado como um conjunto de bactérias aderidas em superfícies e cobertas com uma substância extracelular polimérica tipo slime. A pesquisadora destacou que células em biofilme são muito mais resistentes às defesas do hospedeiro, bem como à ação dos antibióticos. Elizabeth questionou ainda quais seriam as melhores ferramentas para determinar a eficácia antimicrobiana contra bactérias como a Pseudomonas aeruginosa .
Hanseníase em questão
O terceiro palestrante da manhã foi Philip Suffys , do Laboratório de Biologia Molecular Aplicada em Micobactérias do IOC. Philip discutiu o tema Aspectos moleculares na resistência em hanseníase segundo ele uma das mais importantes doenças causadas por micobactérias, juntamente com a tuberculose.
Além de fornecer características sobre o agente etiológico, o pesquisador lembrou que o Brasil é o segundo país do mundo em número de casos, atrás apenas da Índia. A Hanseníase é uma doença crônica, associada à bactéria Mycobacterium leprae , que ataca células da pele e dos nervos periféricos, passando à sobrevivência intra-celular. O Laboratório de Hanseníase do Departamento de Micobacterioses do IOC atua como centro de referência nacional para os programas de eliminação e controle da Hanseníase e da Tuberculose. Para Philip, a resistência a antibióticos tem relação com a grande variabilidade genética da bactéria.
O pesquisador mapeou a hanseníase no país, lembrando que a doença ocorre principalmente em lugares de baixo poder aquisitivo. Philip ressaltou que o mapeamento da bactéria é importante, pois os microrganismos associados à Hanseníase variam muito em cada país e mesmo nos diferentes Estados brasileiros. Até agora se sabe relativamente pouco sobre a transmissão da doença, afirma. Ele destacou que existem projetos em andamento no país sobre a multiresistência a drogas.
Dália Rodrigues, coordenadora do Departamento de Bacteriologia do Instituto Oswaldo Cruz, fechou o segundo dia do Simpósio com uma palestra sobre enteropatógenos bacterianos. Ela explicou o funcionamento de redes como a de laboratórios centrais de saúde pública (LACEN), ligados à Coordenação Geral de Laboratórios (CGLAB) e o Departamento de Vigilância Epidemiológica (DEVEP), todos vinculados à Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. Esta rede integra diferentes programas, entre os quais o monitoramento da resistência de enteropatógenos circulantes no Brasil.
A pesquisadora esclareceu também o papel dos laboratórios de referência nacional em funcionamento no Instituto, cujos objetivos principais são atuar no diagnóstico e rastreamento epidemiológico dos microrganismos de interesse para a a saúde pública, apontando o aumento da incidência e da multiresistência a drogas de última geração em enteropatógenos e suas conseqüências em nosso meio.
Pesquisador relata experiências do Canadá
Traçando um panorama sobre a resistência antimicrobiana em seu país, Michael Mulvey, da Agência de Saúde Pública do Canadá, foi o último a falar na primeira mesa de debates desta quarta-feira. Mulvey abordou de quê formas seu país realizou o controle de infecções bacterianas e apontou dificuldades relacionadas ao tema. Uma das experiências demonstradas por Mulvey foi realizada pelo programa de vigilância em infecção hospitalar canadense, o CNISP (do inglês Canadian Nosocomial Infection Surveillance Program ), que reuniu 41 hospitais de 9 províncias.
O programa realizou estudos nos anos de 2004 e 2005 no Canadá sobre a incidência de Clostridium difficile-associated diarrhea (CDAD), uma infecção hospitalar que segundo os pesquisadores do CNISP alcançou 14% de óbitos dos pacientes infectados um total de 271 pacientes entre os 1.874 pesquisados. O estudo identificou as características fenotípicas e genotípicas dos pacientes e o número de óbitos associados diretamente ou indiretamente à CDAD.
Mulvey, que também abriu os trabalhos da tarde com a palestra ESBL detection and current situation in Canada , abordou os novos mecanismos de resistência antimicrobiana e as principais características dos surtos epidêmicos relacionados à Betalactamases de espectro ampliado (ESBL). Ele citou como um caso de sucesso o programa Canadian Integrated Program for Antimicrobial Resistance Surveillance (CIPARS), ou Programa Canadense Integrado para a Vigilância em Resistência Antimicrobiana.
É comum, segundo Mulvey, a transmissão se dar por meio de comunidades aborígenes (atualmente vivem no Canadá cerca de 790 mil aborígenes), de prisioneiros, usuários de drogas, pessoas sem teto, militares e até mesmo esportistas. Mulvey explica que o contato próximo ao qual estes grupos estão submetidos é um dos fatores que explica o alto índice de infecção. Além do CIPARS e do CNISP, Mulvey sugeriu aos participantes do simpósio que conhecessem a Aliança Canadense de Resistência Antimicrobiana ( www.can-r.ca ), um portal de informações que busca convergir todas as informações sobre o tema em um só lugar. A idéia deste portal é ser uma referência na Internet onde as pessoas possam buscar informações corretas sobre o tema no Canadá, concluiu.
Resistência antimicrobiana aumentou no Canadá
A Dra. Lai King Ng, também da Agência de Saúde Pública do Canadá, apresentou a palestra Discussion on bacterial STD antimicrobial resistance concerns , em que pontuou ações nacionais e locais canadenses para o controle de doenças. Ela descreveu questões geográficas, métodos atualmente utilizados, impactos das mudanças nas políticas públicas e de que forma os pesquisadores podem descobrir de maneira eficaz onde se encontra a resistência antimicrobiana. Alguns médicos parecem preocupados com a incidência [da resistência antimicrobiana], que vem aumentando, ressalta.
Lai King Ng também descreveu de que forma é possível identificar tendências em relação ao tema. Precisamos de informações históricas para identificar as tendências, um banco de dados para manter estas informações e amostras adequadas, resume. E o futuro? Temos de optar por um sistema de vigilância que identifique os clones circulantes, a prevalência de doenças em áreas específicas e a população envolvida, afirmou.
Segundo Lai King, são elementos importantes a disponibilidade de recursos advinda da vontade política dos governantes, a utilização de novas tecnologias e a evolução dos métodos laboratoriais.
Pesquisadora da UFRJ faz alerta
Aspectos atuais da resistência antimicrobiana em Enterococcus de origem humana foi o tema abordado por Lucia Teixeira, pesquisadora do Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes (IMPPG) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Enterococcus é um gênero de bactérias que vivem no intestino humano. As mais comuns são Enterococcus faecium e Enterococcus faecalis . Com grande versatilidade de aquisição de resistência a antimicrobianos, o Enterococcus tornou-se um patógeno oportunista.
O bacilo causa infecções de trato urinário, infecções de feridas, bacteremias, endocardites e infecções pélvicas intra-abdominais. Há uma emergência por novos perfis e mecanismos de resistência a antibióticos, alertou Lucia. A pesquisadora descreveu a evolução da resistência adquirida em Enterococcus . Segundo Lucia , já há Enterococcus dependentes de Vancomicina, um antibiótico glicopéptidico usado no tratamento das infecções bacterianas.
Ao final da palestra, Lucia ressaltou a importância de redes de informações sobre o tema, como a Rede Nacional de Monitoramento da Resistência Microbiana em Serviços de Saúde (Rede RM), promovida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com o apoio da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
Difteria em países emergentes preocupa
A difteria, doença infecto-contagiosa causada pela toxina do bacilo Corynebacterium diphteriae e que provoca inflamação da mucosa da garganta, do nariz e, às vezes, da traquéia e dos brônquios, atualmente é sub-diagnosticada no Brasil e na América Latina. A suspeita é da pesquisadora do CNPq e da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Ana Luiza de Mattos Guaraldi.
Após caracterizar a doença e explicar sintomas e complicações para os seres humanos antes principalmente em crianças de 1 a 4 anos de idade, mas que agora se estende a adultos e idosos , Luiza explicou que a percentagem de óbitos em relações aos casos de difteria tendem a se manter estáveis, entre 5 e 15%. Após o Brasil ter controlado a doença, afirma, acabou por relaxar, e o problema voltou com força nos anos 80. A pesquisadora do CNPq afirmou que o surto ou agregação de casos ou de óbitos pode se dar pelos casos de difteria diagnosticados ou pelo que chamou de agravos inusitados doenças desconhecidas ou mudanças na epidemiologia de doenças conhecidas.
Nos últimos seis anos ( 2000 a 2005), Luiza destacou que o Ministério da Saúde contabilizou 230 casos de difteria e 28 óbitos. Neste contexto, destacou a questão da sub-notificação de casos da doença. Segundo Luiza, em geral os médicos em geral não querem aplicar o tratamento com soro antidiftérico, exatamente por desconhecerem os casos de difteria.
Em geral, preferem enviar amostras para um laboratório e esperar. Enquanto isso, o paciente morre, alerta. Temos que acabar com essa imagem de que a difteria não acontece mais ou que é esporádica. É preciso incluir a difteria nos diagnósticos, completa. A doença já atingiu mais de 157 mil pessoas na década de 90.
Apesar de todos os alertas, Luiza acredita que o nó crítico do problema da difteria no Brasil está na vacina, que não age sobre a bactéria, e sim sobre a toxina. Ela reafirmou ser notório que todos os microorganismos sofrem mutações. Talvez por isso no mundo inteiro ainda tenhamos casos de difteria. É por isso que pesquisamos outros fatores de virulência para além da toxina, de forma a se obter uma vacina bacteriana. Luiza também identificou um aumento da resistência à penicilina.
A difteria pode ser transmitida pelo contato direto do doente, ou portadores, com pessoa suscetível. O contágio ocorre por meio da saliva ou outras secreções eliminadas por tosse, espirro ou ao falar. Raramente ocorre transmissão por objetos recentemente contaminados pela secreção. Segundo Luiza, também é possível a contaminação por meio de animais domésticos.
Rosangela Maria Magalhães Ribeiro, da Unidade de Laboratório (ULAB) do Programa Nacional de DST e Aids, ligado ao Ministério da Saúde, relatou experiências de redes que tratam da temática e que são referência internacional. Rosangela citou como exemplos a Rede Nacional de Laboratórios de CD4 e Carga Viral para o HIV, o Sistema de Controle de Exames Laboratoriais de CD4/CD8 e Carga Viral (SISCEL) e a Rede Nacional de Laboratórios de Genotipagem.
Esta última, formada por 21 laboratórios de genotipagem em todas as regiões do país, tem como objetivo detectar a ocorrência de resistência genotípica (mutações do HIV) em pacientes em uso de terapia anti-retroviral (ARV), como forma de reorientar o tratamento e seleção de uma terapia de resgate.
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www.ioc.fiocruz.br
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[http://www.ioc.fiocruz.br/pages/informerede/corpo/noticia/2006/outubro/27_10_06_01.htm]
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