As notícias divulgadas pela BBC News acerca da falsificação do retrato mais conhecido do grande poeta britânico William Shakespeare têm sido acolhidas por peritos russos como mais um argumento a favor da recente descoberta de Ilia Guililov. Convém lembrar que, durante décadas, este último tem tentado provar a existência do verdadeiro Shakespeare, sem pôr em causa a autenticidade das suas obras-primas.
Foi em 1999 que aquele perito russo publicou o livro "Os Jogos em Torno de William Shakespeare", no qual fez o balanço das suas pesquisas, realizadas no decurso de 40 anos. Na altura, o livro de Guililov provocou sensação no meio dos especialistas. Na sua monografia, o autor cita o nome daquele que, sob o pseudónimo de Shakespeare, terá escrito as célebres peças teatrais, poemas e sonetos. De facto, trata-se de duas pessoas que formavam um excelente casal "platónico" - o excêntrico Roger Manners, o quinto conde de Rutland e a sua jovem esposa Elizabete, filha do ilustre poeta inglês Philip Sidney.
Importa referir que a "questão de Shakespeare", surgida há quase 400 anos, coloca num impasse o seu percurso histórico e literário. Acontece que Shakespeare não deixou nem um manuscrito, nem alguma carta ou testemunho da sua existência a não ser uma única coisa - um testamento que, em termos de estilo literário, parece muito peculiar e estranho. Ao mesmo tempo, vários poetas daquela época menos conhecidos dispõem de dados pessoais muito mais sólidos.
Mais um facto interessante - a morte do famoso poeta não provocou grande repercussão, enquanto o falecimento do poeta Ben Jonson, contemporâneo de Shakespeare, teve uma ampla ressonância nos círculos literários de então. No que se refere ao testamento, hoje tornou-se claro que o homem com apelido de Shakespeare, natural da vila de Stratford-upon-Avon, actor e sócio do teatro "Globo"( e que se presume ser autor de numerosas obras-primas) era analfabeto e nem sabia assinar documentos (em vez disso costumava pôr um pontinho).
Na tentativa de "descobrir o mistério", os peritos (entre eles o filósofo Francis Bacon e o dramaturgo Christopher Marlowe) avançaram uma série de hipóteses quanto aos presumíveis autores das famosas peças. O conde Rutland também constava da lista por ter sido encontrado, no castelo de Belvoir que lhe pertencia, um manuscrito com os fragmentos da peça "A Décima Segunda Noite ou o Que Você Quiser". Enquanto isso, as pesquisas levadas a cabo por C. Demlon, P. Porokhovchikov, C. Sykes levam-nos a concluir ter o conde sido o autêntico autor das obras citadas. Segundo afirmam, o actor Shakespeare terá visitado o castelo após a morte do conde, onde o irmão do falecido lhe terá entregado o dinheiro. "E o secretário acusou o facto da recepção", salientam.
Faltava dar só um pormenor. Quem o descobriu foi Guililov. Ao longo de anos ele estudou uma colectânea de epitáfios "A Vítima do Amor", editada por Robert Chester. Hoje existem apenas 4 exemplares desse livro, no qual, como revelou Guililov, os grandes poetas da Inglaterra "lamentavam a morte do conde Rutland e da sua esposa, que se suicidou após o marido ter falecido". É mais do que evidente que as obras de "Shakespeare foram da sua autoria".
O mistério foi guardado pela ordem da rainha Isabel I e, mais tarde, por indicações do rei Jacob I. Ao menos, não restam dúvidas de ambos terem conhecimento do autêntico autor das obras.
O excêntrico conde de Rutland, ainda nos tempos de jovem escolhera o pseudónimo "William Shakespeare", com o qual escreveu os dois primeiros poemas - "Vénus e Adónis" e "O rapto de Lucrécia". Passado algum tempo, veio a saber que existia um homem com este mesmo nome de William Shakespeare, um bêbado brutal e espertalhão analfabeto. Num ambiente de mistificações tão em voga naquela altura, surgiu a ideia de transformar o ignorante numa pessoa educada e até genial. Todavia, a mistificação exigia muito esforço e elevados meios financeiros. Mesmo após a morte do conde (ele morreu com 35 anos em 1612), os mistificadores - a condessa do Pembroke e o seu filho, prestando homenagem ao génio de Rutland, decidem esperar pela morte do ignorante oriundo de Stratford. Já depois do seu falecimento, nessa vila foi erguido um busto cómico do grande Shakespeare e, mais tarde, veio a lume o primeiro volume das obras de William Shakespeare com o seu retrato e uma nota biográfica falsos. Foi assim que surgiu o mito sobre o grande poeta Shakespeare.
Ilia Guililov conseguiu descobrir o mistério graças à meticulosa análise da "Vítima do Amor". Por isso, o seu nome entrou na história da literatura mundial. Um grupo dos seus adeptos já propôs apresentar a sua candidatura ao prémio Nobel.
Curioso acentuar que na Inglaterra, a descoberta de Guililov passou despercebida e o seu livro nem sequer foi traduzido. Verdade seja, o mesmo acontece com muitas outras obras dele que, em maior ou menor grau, lançam luz sobre uma das maiores mistificações na história da literatura mundial.
Anatoli Korolev observador político RIA "Novosti"
Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter