Ao passar pelo Hospital civil de El Aaiun (Ben El Mahdi) o meu amigo disse "e aqui é o laboratório das experiências" , nunca ouvi nenhum saharaui referir-se ao nome do hospital, chamam-lhe laboratório de experiências, talho e casa da tortura.
Não há médicos saharauis no Sahara Ocidental ocupado, só médicos marroquinos, a maioria deles acabados de sair da universidade sem qualquer experiência. É também normal que os enfermeiros substituem os médicos. Após uma das ultimas manifestações em que muitos feridos acorreram aos hospital, depois da intervenção violenta da policia, só havia um médico de serviço e o hospital estava rodeado de policias para impedirem o acesso.
A presença de policia fardada e à civil no hospital é massiva, e é considerado normal ser sequestrado do hospital para a esquadra pela policia.
A ida ao hospital é o último recurso, os saharauis habituaram-se a regressar à medicina tradicional e a curar os seus doentes em casa.
Sidahmed Fadel, é um jovem activista de direitos humanos saharaui e presidente da ONG britânica, Adala UK, vive entre Londres (onde trabalha) e El Aaiun, está há vários meses a recolher dados e testemunhos dos saarauis que são atendidos no hospital. Passou vários dias a visitar os doentes internados nos vários pisos, recolhendo e observando a situação.
"Quase todos os saharauis que chegam ao hospital fazem um RX, não interessa do que se queixam, e pior as famílias são incentivadas a ficar na sala do RX sem qualquer tipo de proteção e assim também são expostas às radiações. Cada ida ao hospital implica uma radiografia. Tens problemas cardíacos? Um RX! Sofres de diabetes? Um RX!
Vi uma senhora na sala de espera, a vomitar e com muito má cara, sem cor e muito aflita, perguntei ao médico de serviço porque é que aquela senhora não era atendida, ele chamou um auxiliar e mandou-o levar a senhora à sala de RX. Porque vai fazer um RX? perguntei eu, nem falou com ela, não sabe nada dela!!!! Respondeu-me que eu não tinha nada a ver com isso.
Vi em várias salas em vez de sacos de soro, garrafas de água, ou seja penduram uma garrafa de água normal em substituição do soro.
Muitos saharauis recebem uma injeção quando chegam ao hospital. Fala-se muito nestas injeções .... Ninguém sabe o que são.... os enfermeiros injetam e colocam de imediato a embalagem vazia no bolso.
Os policias à civil entram nas salas de operações durante as intervenções aos saharauis, sem se desinfectarem nem tomarem qualquer precaução.
Muitas crianças são submetidas a intervenções cirúrgicas e de microcirurgia sem anestesia nem analgésicos.
Há tanto que contar .... é tudo horrível .... e cada dia está pior, o mundo está em silêncio enquanto nos matam .... vivemos na maior prisão a céu aberto do mundo, todos somos prisioneiros e temos uma sentença de morte, não nos matam com bombas e por isso ninguém vê, nem ouve, mas matam-nos de muitas outras formas."
As grávidas em El Aaiun perdem muitos bebés naquele hospital, há muitos nados mortos e abortos devido a negligencia medica, e cada vez têm menos filhos. As grávidas agora têm medo do hospital, não é normal o que se esta a passar.
Hmad Hamad, vice-presidente da CODAPSO (Comité de Apoio para a Autodeterminação do Povo do Sahara Ocidental) tem relatos semelhantes.
Diz-me: "Para que percebas melhor a situação da saúde nos territórios ocupados, há que explicar que os médicos e enfermeiros são eles mesmos como agentes da policia. Quando chegas em vez de perguntarem pelas tuas lesões e queixas, começam a interrogar-te sobre a tua participação nas manifestações recorrendo à violência e aos insultos.
Posso dar-te o exemplo de Aminetu Haidar e meu, quando a levei ao hospital depois de uma manifestação pacifica na qual fomos brutalmente espancados pelas autoridades marroquinas. Chegamos ao hospital e fomos directamente às urgências, Aminetu foi levada para uma sala onde coseram as suas feridas sem anestesia e em seguida foi levada para a prisão negra de el Aaiún. Quando estava a sair do hospital, ainda dentro do Hospital, fui atacado por policias e colonos que trabalham no hospital como seguranças privados, fui torturado e espancado até perder os sentidos e me deixaram assim, abandonado.
Somos tratados assim por sermos saharauis e por querermos a nossa terra, não somos criminosos, apenas queremos que se implementem as resoluções das Nações Unidas e que se realize o referendo e que tenhamos o nosso pais de volta.
Os saharauis morrem em silêncio nos hospitais da ocupação, não há direito a autopsias e se a família exige uma autopsia isso é considerado um acto de insurgimento que tem consequências desastrosas e indesejáveis como por exemplo a tortura."
Quando abordamos este tema, todos concordam, um dos jovens que está a tomar chá connosco nesse dia sofre de diabetes mas não tem acompanhamento médico. Perguntei-lhe se tinha diabetes tipo I ou II e respondeu-me que não sabia, mas mostrou-me o papel de alta e informação médica que lhe deram quando foi diagnosticado. Uma folha A5 do hospital a dizer o seu nome e diagnostico: diabetes - com um carimbo e uma assinatura nada mais. Não faz análises porque não tem dinheiro e de vez em quando toma os medicamentos que lhe receitaram no hospital, mas só quando tem dinheiro. Como ele, todos tinham histórias, não lhes são transmitidos os diagnósticos e são sujeitos a tratamentos dolorosos desnecessários.
"Temos cada vez mais casos de cancro, não sabemos porquê, quando morre um familiar nosso dizem que foi cancro, mas nós não sabemos se é verdade", diz-me Maluuma.
Se os saharauis querem saber o que se passa com a sua saúde, estão dependentes de arranjarem dinheiro para saírem dos territórios ocupados e irem a médicos particulares.
AdalaUK, Justice & Human Rights for Western Sahara
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