O Brasil conheceu, recentemente, três combinações distintas desses termos. Tivemos crescimento sem distribuição de renda, no milagre da ditadura militar. Tivemos distribuição de renda sem crescimento, no primeiro governo Lula. E tivemos nem crescimento nem distribuição de renda nos governos FHC.
Estaremos condenados a esse círculo vicioso?
Somos um exemplo histórico de capacidade de crescimento em uma economia periférica, ao mesmo tempo que somos exemplo de país com profundas desigualdades sociais. Só saberemos crescer concentrando renda? Ou só saberemos distribuir renda às custas do crescimento?
Na ditadura, o crescimento se fez às expensas da distribuição de renda. Um dos primeiros atos do regime militar foi decretar a intervenção em todos os sindicatos, assim como a política de arrocho salarial. Esse foi um dos santos do milagre, em que a economia cresceu concentrando brutalmente renda e fortalecendo o capital em detrimento do trabalho.
O crescimento se deu pelas exportações e pelo consumo de luxo dentro do Brasil. Houve crescimento e concentração de renda, crescimento às custas da concentração de renda.
Nos governos de FHC não houve nem um nem outro. Elevadas taxas de juros, pagamento dos juros da dívida, abertura acelerada do mercado aos capitais externos, precarização das relações de trabalho atraíram para a especulação grande parte do capital e jogaram a força de trabalho na falta de direitos e na pauperização. Priorizou-se a estabilidade monetária, o ajuste fiscal, o pagamento dos juros da dívida, bloqueando o crescimento e impossibilitando a distribuição de renda.
No primeiro governo Lula não houve crescimento, porém houve distribuição de renda. A manutenção das taxas de juros reais mais altas do mundo, de um superávit primário superior até mesmo ao solicitado pelo FMI, a centralidade do governo no controle da inflação, levaram o Brasil a perder anos em que poderia ter voltado a crescer muito.
Houve um processo inegável de distribuição de renda, pela primeira vez o implacável ponteiro da desigualdade se mexeu na boa direção. No entanto, se não há crescimento e se triste notícia os ganhos dos bancos e das grandes corporações seguiram em aumento, a distribuição só pode se fazer nas margens, sobre recursos limitados e redistribuindo riqueza, provavelmente das camadas médias para os mais pobres.
Não é necessário que seja assim. Pode-se e deve-se crescer distribuindo renda. Um crescimento como o atual além de limitado pelo que já mencionamos que se faz centrado na exportação e no consumo de produtos sofisticados tecnologicamente, não se combina com distribuição de renda. Porque é um crescimento que necessita demanda do mercado externo e continuação da concentração de renda nos setores mais ricos da população, responsáveis pelo consumo de produtos como, por exemplo, os automóveis novos.
Um desenvolvimento econômico e social, uma expansão com justiça social, supõe fortalecer extraordinariamente o poder aquisitivo do mercado interno de consumo popular. Com elevações vigorosas do salário mínimo, com política estratégica de expansão acelerada do emprego formal, se fortalece o poder aquisitivo da grande maioria da população e assim se gera um polo dinâmico de demanda de produtos que permitem a reativação de empresas de outros setores, grandes, médias e pequenas, da cidade e do campo, que produzem para esse mercado e que são as maiores responsáveis pela criação de empregos.
Na realidade, um governo democrático e popular não deveria conceder subsídios, isenções, incentivos e outras vantagens a grandes empresas privadas, sem contrapartidas no plano do emprego formal e da qualidade e do preço do que elas produzem. Crescer para dentro é fortalecer a democratização social de que o Brasil tanto carece.
Para isso necessitamos de um modelo econômico distinto do atual, que zela pela inflação tão rigidamente, a ponto de que tivemos uma inflação 1,5% abaixo da meta. Porém, parece que esse zelo é um fim em si mesmo, uma afirmação doutrinária e fundamentalista de uma política monetária que projeta sua sombra sobre todo o governo e o impede de promover o crescimento da economia e a distribuição de renda com a intensidade que o país requer.
Esta é a hora do governo escolher. Pode manter os mesmos pilares que nos atrelaram à estagnação econômica e limitar também a distribuição de renda, ou pode, reafirmando a opção do discurso da vitória de Lula, da opção preferencial pelos pobres, mudar o eixo central do governo, deslocando-o para um repertório de índices sociais, que balizarão o novo mandato. Fazendo da política econômico-financeira um instrumento da prioridade do social e não fazendo política social com o que resta do superávit primário. Aí poderemos ter crescimento com justiça social.
Emir Sader
Sociólogo
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