Um internacionalismo do século XXI, contra o capitalismo e o nacionalismo

Um internacionalismo do século XXI, contra o capitalismo e o nacionalismo (1)

Carlos Taibo sintetiza a questão que se nos coloca, hoje. Ou ganhamos a consciência de que temos de sair urgentemente do capitalismo, regressando a lógicas de cooperação, solidariedade e apoio mútuo; ou entra-se num caminho de salve-se quem puder, com guerras, pobreza acentuada, desdém para com as alterações climáticas...

1 - Uma (des)ordem económica e política

Há uma trama de elementos económicos, políticos, militares e ideológicos que gere a Humanidade, fomentando o conformismo nas populações para que nada mude, excepto no capítulo das adaptações necessárias ao funcionamento do modelo neoliberal do capitalismo; admitem-se correções na velocidade e nos instrumentos mas, não de objetivos. Em todas as épocas existiram esses ordenamentos, mesmo em níveis geográficos restritos, quando o planeta se achava política e economicamente fragmentado, com áreas desconectadas umas das outras.

As mais altas esferas com poder de decisão não se encontram especificamente nas conferências Bilderberg ou Davos, como é do gosto dos amantes de teorias da conspiração. Esses poderes constituem-se e reproduzem-se no seio de redes muito flexíveis, de matrizes institucionais onde preponderam os CEO dos grandes bancos ou das multinacionais, os estratos políticos mais elevados dos países com relevância global e ainda think tanks e empresas ligadas à informação. Relacionam-se permanentemente - para além dos mediatizados conclaves regulares - trocando informações, fazendo negócios, debatendo entre si, tentando influenciar ou neutralizar interesses distintos ou adversos, decidindo guerras e acordos de paz, cooptando uns elementos, despromovendo outros, de acordo com táticas e estratégias formuladas ou reformuladas.

Essa ordem não tem uma hierarquia rígida, nem se circunscreve num elementar "nós" e "eles" que em tempos se imputava como constituinte do pensamento primário de um Ronald Reagan, em cujo discurso o maniqueísmo era peça chave como uma forma de mobilização de sentimentos de aversão e ódio contra o Outro; primarismo ampliado pelo novel Trump. Essa ordem contém a focagem no controlo biopolítico, na manipulação das multidões, nomeadamente através da televisão e de Googles ou Facebooks, mais e mais bidirecionais, como a teletela de Orwell; e define inimigos reais ou fictícios como o terrorismo, os imigrantes, os muçulmanos, os pretos, os árabes, passado que está o tempo em que esse pódio era ocupado por comunistas, sindicalistas, anarquistas.

Perante a ausência de alternativa política entendível, aceite e susceptível de entusiasmar, de lançar os povos na luta contra o capitalismo junta-se, o conformismo e o medo do desconhecido, como elementos que contribuem decisivamente para o sucesso do neoliberalismo e da forma política dominante no Ocidente, a democracia de mercado, protegida militarmente pela NATO; ou, diretamente pelo Pentágono, no Pacífico Ocidental ou na área do Golfo Pérsico.

O binómio neoliberalismo-democracia de mercado, não enquadra soluções alternativas atrativas para os povos europeus, com o seu cortejo de empobrecimento relativo, dívida, redução da qualidade de vida, autoritarismo, corrupção...; tal como o defunto modelo socialista - de facto, capitalismo de estado + partido único - que, ao implodir em 1991, evidenciou o seu fracasso, ficando o celebrado homo sovieticus bem representado por um cinzento e corrupto burocrata. Fora da Europa, a situação é certamente, pior. A pobreza, as guerras, as ditaduras, as chacinas, os desastres ambientais, sob diversas combinações, evidenciam-se na maior parte do mundo, com altíssimas responsabilidades dos ocidentais na sua eclosão e manutenção.

2  - A globalização é um processo

A globalização não nasceu com o neoliberalismo nem, mais geralmente, com o capitalismo. Foi sempre um processo lento, gradativo, que só depois das viagens de Colombo, Gama e Magalhães assumiu uma dimensão planetária. Foi sempre um processo de descoberta do Outro, de enriquecimento comercial e cultural mútuo, um gerador de avanços civilizacionais; um processo de cruzamento de saberes, hábitos, de miscigenação. Esse processo foi mais lento, por exemplo, quando havia dificuldades técnicas de comunicação; ou após o fim do Império Romano do Ocidente, com o encerramento autárcico inerente ao feudalismo, enquanto se desenvolvia claramente na área islâmica, no Mediterrâneo Oriental, no norte de África, no Índico; assim como sofreu uma retração entre as duas grandes guerras, interagindo com as derivas identitárias inerentes ao fascismo. 

Hoje, a globalização é muito mais profunda e diversificada do que nunca; em paralelo com as trocas de mercadorias e serviços, acentuam-se trocas de conhecimentos, migrações e fusões de corpos, dando origem a mestiçagens físicas e culturais que enriquecem e unificam a Humanidade, criando condições para o atenuar de espíritos identitários nacionais, étnicos ou religiosos.

Mais recentemente, a acessibilidade de todos à informação banalizou-se, arrasando os direitos de propriedade, vulgarizando as trocas e os negócios feitos ao seu arrepio daqueles direitos, a despeito da existência de proibições e espionagens massivas para avaliação e controlo do estado de espírito dos povos; mesmo que se procurem atitudes de controlo da informação para benefício dos grandes grupos de media. Vulgarizaram-se as viagens pelo planeta, com a canibalização de preços entre os operadores, bem como as trocas interpessoais e o conhecimento in loco de culturas e povos.

Pode dizer-se que o processo de globalização insere a longa marcha da unificação da Humanidade e é incompatível com o nacionalismo e o fascismo, por natureza, fechados, excludentes, tendencialmente xenófobos, autoritários. Para que se consiga essa unificação, a solidariedade entre as pessoas e povos, a destruição dos armamentos, a dignificação do ambiente é preciso destruir o capitalismo e as classes políticas que o servem.

2.1 - Como o capitalismo vem cavalgando a globalização

O expansionismo colonial do passado que carateriza grande parte dos países chamados ocidentais deu um forte impulso para a compreensão do planeta como unidade, conhecida e inserida em relações potencialmente de todos, com todos. Essa expansão baseou-se na extrema violência da conquista, da pilhagem, da escravatura, da violação, do genocídio mas, é apontado como um orgulhoso passado civilizador, com o paternalismo, de "dar mundos ao mundo" por parte dos colonizadores ou dos que beneficiaram do colonialismo. Essa gesta é apresentada como virtuosa, protagonizada por países autoproclamados como magnânimos dadores de civilização ao resto do planeta; mas, de facto, assente no domínio militar e tecnológico que impôs trocas desiguais, desestruturação social e destruição de modos de vida. 

A descolonização que se seguiu à II Guerra pretendeu manter tudo como anteriormente, de modo mais adequado às menores capacidades financeiras e militares dos grandes colonizadores; ingleses, franceses e holandeses, arrasados com a guerra. Um pouco mais tarde, os belgas deixaram o Congo na barbárie que, aliás, foi sempre o estado em que viveu a sua população desde que ofertada ao rei Leopoldo, no final do século XIX. A Espanha, já há muito havia sido varrida da América e das Filipinas, transformadas em quintal dessa emanação coletiva da Europa, chamada EUA. Os portugueses, ao contrário da chegada à Índia pela rota do Cabo, em que foram os precursores, desta vez foram os últimos a sair da cena colonial depois de anos perdidos em guerra, visando a inviável manutenção de um mítico estado pluricontinental.

A descolonização, em geral, foi a continuidade da colonização, suavizada pela cooptação de elites locais corruptas para a manutenção da anterior exploração colonial, no seu essencial. Porém, como corruptas, essas elites, libertas da tutela política e militar do colonizador, passaram a negociar os seus favores a quem melhor pagasse, entre as multinacionais; que compravam um qualquer sargento para depor um governo recalcitrante, ou que se tornasse caro.

Em paralelo, tendo como modelo o Japão, em alguns países asiáticos com regimes autoritários, gerou-se uma ligação estreita entre os capitalistas nacionais e os aparelhos estatais que garantiam lógicas laborais de baixos salários, com parcos direitos e disciplina militar. Acolheram de braços abertos as grandes empresas ocidentais, multinacionais que, em disputa por recursos e mercados, pretendiam produção a baixos custos; entretanto, com o tempo, os hospedeiros adoptaram as tecnologias ocidentais e fortaleceram os seus próprios conglomerados, os zaibatsu (Japão) ou os chaebol (Coreia do Sul).

Seguiu-se um sucesso de maior dimensão, na China, onde vive 1/5 da população mundial. O seu partido único, com um enorme aparelho que procede à direção política e estratégica da economia e monitoriza a multidão, integra os mais importantes magnatas, num género de capitalismo de estado onde os capitais podem ser privados mas, com supervisão estatal. Em poucas décadas passou de grande exportador de bens baratos e de baixa qualidade, de destino de investimentos estrangeiros, para grande investidor global no exterior, com capacidade para investimentos de enorme significado estratégico, como as vias terrestre e marítima da Rota da Seda ou da construção de linhas internas de TGV, referindo-se, a propósito, que os 19000 Km já existentes, ultrapassam essas infraestruturas ao serviço em todos os outros países.

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