SÃO PAULO-BRASIL - Na cosmopolita São Paulo, Sudeste do Brasil, de cada cinco assassinatos registrados um deles é de autoria da própria polícia. Esses números fazem da polícia paulista uma das que mais praticam violência contra a pessoa em todo o planeta.
No Brasil, Polícia de São Paulo é apontada como a mais violenta do mundo
Por ANTONIO CARLOS LACERDA
Em 2011, a cidade de São Paulo teve 629 pessoas mortas, sendo que 128 foi a própria polícia que matou. Entretanto, para escapar da fama de 'polícia assassina', a própria corporação alega que 60% dos confrontos no período não tiveram mortos.
A aposentada Valquíria Marques dos Santos, que teve o filho de 15 anos assassinado por um policial militar diz que "Os policiais que levaram meu menino continuam na ativa".
De cada cinco pessoas assassinadas na cidade de São Paulo em 2011, uma foi morta pela Polícia Militar. Os dados fazem parte de relatório da Secretaria da Segurança Pública do estado.
Nos primeiros meses do ano, entre janeiro e julho, 629 pessoas foram assassinadas na capital paulista. Deste total, 128 registros foram feitos como "pessoas mortas em confrontos com a Polícia Militar em serviço".
O tipo de ocorrência, conhecido em outros estados como "auto de resistência", é um indicativo de revides da Polícia Militar a ataque de criminosos ou enfrentamento em ação policial.
Dez policiais militares estão sendo investigados através de vídeos que registraram a violência policial. Dez policiais militares estão presos sob a suspeição de não socorrer assaltantes baleados pela própria polícia.
Em todo o estado de São Paulo, no primeiro semestre de 2011, foram registrados 2.241 homicídios. Desses, 241 foram cometidos por policiais, o que dá uma proporção de um assassinato pela PM para cada 9,3 cometidos por outros cidadãos.
A proporção de um assassinato cometido pela polícia para cada cinco que acontecem na cidade de São Paulo faz da Polícia Militar da capital paulista uma das policiais mais violentas do mundo.
Nos Estados Unidos, em 2009, foram registradas 406 mortes causadas por policiais em um total de 14.402 homicídios, o que significa que de cada 34 assassinatos um foi cometido pela polícia norte-americana. Na Argentina, de acordo com o Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), em todo o ano de 2007 - os últimos dados disponíveis -, a região metropolitana de Buenos Aires (que tinha, à época, 12 milhões de habitantes) registrou 79 casos de pessoas mortas em confronto com a polícia.
Neste mesmo ano de 2007, só na capital paulista - excluídas as cidades da Grande São Paulo -, a PM registrou 203 mortes "em confronto". Moram na capital 11 milhões de habitantes.
Na semana passada, tornou-se público um vídeo em que policiais observam um homem agonizando e outro ferido atrasando o atendimento e pedindo que eles "estrebuchem". A Polícia Militar investiga dez policiais pela conduta mostrada nas imagens.
Para o deputado estadual Adriano Diogo (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo, os dados informados pela secretaria são "subdimensionados". "A execução está liberada no estado", afirmou o parlamentar.
Ele disse que não vê perspectivas de redução nesse índice de letalidade da Polícia Militar "Porque tem um calor, um coro midiático pedindo sangue". O deputado disse que "Antigamente estava-se tentando legalizar a pena de morte. Hoje não precisa mais. Ela está institucionalizada".
O parlamentar disse, ainda, que o método de registro dessas ocorrências é o mesmo que se usava no regime militar: "Matavam as pessoas e o resultado era 'morreu atropelado', 'resistência seguida de morte'. Agora acontece o mesmo". As vítimas, segundo o deputado, geralmente são jovens, negros e pobres da periferia.
A Polícia Militar, através da sua assessoria de imprensa, disse que o confronto fatal é o "último recurso" adotado pelos policiais em caso de abordagem. A corporação informou que, no primeiro semestre de 2011, na capital paulista, não houve mortes em 60% dos confrontos - "quando existiu necessidade de confronto" - e 82% dos envolvidos foram somente presos ou feridos.
A Polícia Militar afirma ainda que é necessário "fazer distinção" entre os homicídios dolosos e as mortes decorrentes de abordagens policiais porque são "situações sociais distintas" e que casos como a negativa de socorro por policiais são "condutas individuais, contrárias ao que é pregado pela corporação e rigorosamente investigadas".
A corporação refuta as declarações do deputado e afirma que "está comprometida com a legalidade, arriscando a vida dos policiais em defesa da população, com respeito integral aos direitos humanos". Nos seis primeiros meses de 2011, foram mortos cinco policiais militares em trabalho.
A morte do filho Wagner dos Santos por um policial militar há 15 anos fez com que a aposentada Valquíria Marques dos Santos passasse a estudar a legislação para tentar culpar o assassino.
Era uma sexta-feira, 6 de dezembro de 1996. Wagner não teve aula naquele dia e foi, então, jogar bola com os amigos. Passou o dia em um parque no Jabaquara, rodeado de colegas com quem sempre estava - garotos da mesma faixa etária que a dele: 15 anos de idade.
Terminada a partida, todos se sentaram na porta de uma favela onde alguns moravam. Conversavam em um grupo, tomando refrigerante.
Perto dali, um jovem descia acompanhado de uma garota: estava levando a irmã para a escola. De acordo com os relatos das testemunhas, o rapaz esbarrou em um policial. Começou uma discussão, que terminou em um espancamento. O policial foi embora e, segundo contam, prometeu: "'Fica esperto, porque a gente volta pra te matar". Não demorou.
Sentado como estava, Wagner foi alvejado no pulso - uma demonstração de que tentou se proteger do tiro, colocando a mão no rosto, segundo a mãe. "O policial foi e atirou com uma espingarda 12. Tinha quatro ou cinco amigos (na roda)], mas mataram só o meu menino", disse a aposentada.
O crime é antigo, mas só em julho, 15 anos depois, três policiais acusados de matar Wagner foram a julgamento. Amedrontadas, as pessoas que testemunharam a ação não apareceram. Os policiais militares foram absolvidos, mas Valquíria recorreu da decisão. "A gente não se sente amparada por esse Estado, para quem eu pago imposto, que matou meu menino", afirma a mãe.
"Sou meio traumatizada. Eu vejo viatura, vejo enquadrando, não gosto nem de olhar, porque eu entro em pânico". A afirmação é da recepcionista Selma Martins Dulfrayer. Ela diz se sentir assim sempre que cruza com um carro da Polícia Militar.
Em 16 de janeiro de 2008, a família Dulfrayer estava em festa. Nascia o filho do porteiro Sidney Martins Dulfrayer, então com 23 anos, irmão de Selma. A alegria durou pouco.
Cinco dias depois, em 21 de janeiro, Sidney "trocou tiros com a polícia" - na versão dos oficiais da Rota - e foi morto com duas balas: uma na barriga e outra na virilha. Chegou vivo ao hospital, mas morreu em seguida.
"Por se tratar da Rota e pelos tiros que ele tomou, eu tenho certeza que ele se entregou", afirma Selma. Dulfrayer tinha cumprido quatro anos de pena por roubo e estava há três meses em liberdade. "Mesmo que ele estivesse aprontando de novo na hora, não dá direito de fazer o que eles [os policiais] fizeram", diz Selma. A última foto que ela tem do irmão foi no hospital, segurando o filho de poucos dias.
ANTONIO CARLOS LACERDA é correspondente internacional do PRAVDA.RU
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