Não poderá existir um só ponto no Acordo Final que não seja o produto do mais amplo consenso entre as duas partes sentadas na Mesa de Conversações.
O governo nacional, sem prévio aviso, lançou a rodar um debate político e uma engrenagem jurídica, tendentes à criação, em breve prazo, de um marco constitucional e legal que resulte adequado para o desenvolvimento legislativo do Acordo Final que se subscreva em Havana. Se poderia dizer que o sexto ponto da Agenda pendente na Mesa de Conversações se prepara para ser discutido no seio do Congresso da República, em meio a uma grande agitação nacional.
Por FARC-EP
A repentina atividade política do governo se originou com uma surpreendente declaração do Presidente Santos, em torno ao que deu em denominar Congressinho, espécie de comissão legislativa especial de caráter extraordinário, que se encarregaria da discussão e aprovação das reformas constitucionais necessárias para fazer efetivos os pontos de participação política e justiça transicional pactuados na Mesa. A reação de diversos setores obrigou o governo a diminuir importância a sua proposta, definindo-a como apenas uma das tantas opções possíveis. Se recorreu às pressas ao nome de Congressinho, se pôs Roy Barreras a apresentar-se como autor de um simples e bem-intencionado projeto, porém, apesar disso, a coisa foi seguindo adiante, à maneira de uma decisão definitivamente adotada.
Ainda que ninguém tenha se atrevido a dizê-lo de modo expresso, o tratamento midiático da proposta comentada tem sido o de dar por entendido que se trata de um acordo previamente combinado entre o governo nacional e as FARC na Mesa de Havana. De fato, a revista Semana adornou a notícia com uma montagem fotográfica na qual apareciam as fotografias de Humberto de La Calle e Iván Márquez, um ao lado do outro, e com uma legenda que assinalava que eles dois, como cabeças das delegações das partes, fariam parte do corpo a criar, em companhia de outros dos membros de suas delegações. Chama a atenção que até agora nenhum dos apressados entrevistadores da imprensa colombiana teve a delicadeza de perguntar aos membros da Delegação de Paz das FARC sua opinião a respeito.
Voltamos a encontrar aqui uma situação muito semelhante a que se apresentou dois anos atrás, quando o governo nacional anunciou com pompa e circunstância sua intenção de apresentar ante o Congresso seu projeto sobre o Referendo como mecanismo de ratificação dos acordos. Claro, naquele momento não se encontrava o processo no estado em que se encontra hoje, razão pela qual o governo nacional deveria pensar muito melhor nas consequências de pôr a andar suas repentinas ocorrências, sem que tenham sido o produto do acordo entre as partes.
Sempre nos chamou a atenção que os porta-vozes do governo se refiram aos cinco pontos da Agenda a que já há acordo sobre três deles, restando apenas os de vítimas e fim do conflito, como se a discussão sobre o ponto 6 estivesse fora de qualquer consideração, como se não se tratasse também de um tema de debate, e ademais de profundo debate, pois é sabido que na visão das FARC-EP a participação popular no processo e, particularmente, o mecanismo da Assembleia Nacional Constituinte ocupam o centro de suas aspirações.
Os passos que o governo está dando com vistas a obter em prazos precisos a aprovação da comissão legislativa especial, ou como se a denomine ao final, se correspondem com sua única e exclusiva ideia acerca do modo como se deve produzir a referenda dos acordos, sua implementação e verificação. Deve ficar absolutamente claro para todos que essa não é a posição das FARC-EP, que o governo nacional procede outra vez de modo unilateral, movido por suas próprias aspirações e urgências.
Não quiséramos arriscar aqui considerações ou especulações em torno às motivações para operar desse modo. O que alguém escuta ou lê é a necessidade de contar com todos os mecanismos aceitados para uma rápida validação dos acordos finais. Porém, não se pode desconhecer a coincidência deste comportamento com outras ações como o prazo de quatro meses, que já se reduziu para três, para avaliar os avanços conseguidos na Mesa, unilateralmente decretado pelo Presidente Santos, como uma espécie de espada de Dâmocles sobre a continuidade do processo de paz. Afirma agora o Presidente que a Comissão Legislativa se ocupará, entre outros assuntos, da criação de um tribunal especial, que a imprensa corre a dizer julgará aos máximos responsáveis das FARC pelos delitos atrozes, quando se trata de questões relacionadas com o tema de justiça, neste momento em mãos da subcomissão jurídica, e sobre o qual não se produziu uma definição que implique a proposta de criação de instâncias como essa.
É como se se estivesse dizendo às FARC que nos restam três meses para chegar a acordos sobre os temas pendentes, porém que esses acordos não podem ser outros diferentes dos que o governo nacional está dando por assentados com os projetos que pretende apresentar desde já ao Congresso. E, concluindo, que se não nos mostramos suficientemente voluntariosos na firma do que se nos apresenta, corremos o risco de que o Presidente considere que o processo deve terminar por falta de vontade de paz de nossa parte. Claro, e com esta notícia sobre Congressinho ou Comissão Legislativa, se nos culpará ademais ter enganado ao país, porque embarcamos ao Congresso numa carreira contra o cronômetro, para depois sair com evasivas e desculpas.
Repetimos mais uma vez: Santos e seus conselheros saberão o quê perseguem realmente com todo isso,mas que fique claro, nada se tem pactuado na Mesa ao respeito, não há acordos prévios distintos aos publicados formalmente;as FARC-EP não temos renunciado em momento algum às nossas aspiraçõesexpressadas em forma pública e reiterada. Não estamos dispuestos a carregar em nossas costasresponsabilidades que nunca temos assumido. Não poderá existir um só ponto no Acordo Final que não sejao produto do mais amplo consenso entre as duas partes.
Montanhas de Colômbia, 22 de agosto de 2015
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Equipe ANNCOL - Brasil
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