Em artigo, o sócio-fundador do ISA, Márcio Santilli, comenta as duas principais decisões políticas da presidente Dilma Rousseff nessa semana - de nomear o subprocurador geral Eugênio Aragão para o Ministério da Justiça (MJ) e o ex-presidente Lula para a Casa Civil - que colocam responsabilidades políticas inéditas sobre os ombros do Ministério Público Federal (MPF) e, especificamente, do procurador geral Rodrigo Janot
Por Márcio Santilli
No caso de Lula, ações e liminares na Justiça suspenderam a posse, ocorrida nesta quinta (17/3), impedindo-o de exercer o cargo. Até o fechamento deste artigo, a questão estava pendente. Já o novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, é um dos "subs" de Janot. Sendo também membro do MPF, não se viu impedido de assumir o MJ diante da recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o caso do seu antecessor, Wellington Dias, já que ingressou no MPF antes da Constituição de 1988, quando não havia vedação constitucional à ocupação por seus membros de cargos em outros poderes.
Essa circunstância funcional remove o impedimento legal para a nomeação, mas, na decisão do STF, foram proferidos votos muito fortes na defesa do mérito da questão, que é a confusão de atribuições e o risco à isenção nas relações entre os poderes, e que permanece no caso de Eugênio Aragão. Em outras palavras, a presidente parece ter contornado formalmente a decisão do STF, mas insistido num entendimento diverso sobre o seu mérito. E em se tratando, agora, de um "sub" de Janot, pode-se supor que também seja este o seu entendimento.
Também há restrição muito forte na Polícia Federal (PF) à nomeação de membro do MPF para o MJ, ministério ao qual ela está administrativamente subordinada. Existe uma pendência histórica entre as instituições relativa à hipótese de que a PF devesse ficar subordinada institucionalmente ao MPF, o que ela entende como comprometedora da sua autonomia institucional. Assumindo o ministro Eugênio ao mesmo tempo em que Lula, investigado pela PF, também assume como homem forte do governo, Eugênio deverá enfrentar desconfianças acentuadas na corporação, enquanto administra, no contrapé, a expectativa de controle sobre a Operação Lava Jato por parte de segmentos do governo e do PT.
Por outro lado, o da política indigenista e da Funai, também subordinada administrativamente ao MJ, as expectativas são melhores. Eugênio conhece os direitos indígenas, de espírito e de ofício, e está consciente das implicações entre eles e os direitos de terceiros afetados na etapa atual, ou final, do processo de demarcação das Terras Indígenas.
Ele chega ao MJ após a longuíssima gestão de José Eduardo Cardozo (e da brevíssima gestão de Wellington César), que se destacou pela quase paralisação das demarcações e pela protelação de providências para dotar o processo demarcatório de instrumentos, inclusive indenizatórios, para mediar conflitos, solucionar pendências e promover acordos administrativos e judiciais que permitam a sua devida conclusão. Eugênio tem coragem, lucidez e comprometimento com soluções, com o que deve remover o marasmo que vem marcando a atuação do MJ nos últimos anos e chegar a algum resultado concreto, capaz de superar a paralisia atual no processo demarcatório e o agravamento dos conflitos locais.
Já o resgate de Lula para o ministério representa a primeira mudança realmente profunda no governo Dilma Rousseff e vários outros ministérios serão impactados, além da mudança que também ocorre agora na Justiça. Sua presença deverá dar algum gás à articulação política ao sugerir uma porta de entrada mais consistente para as reivindicações fisiológicas e corporativas da base parlamentar do governo e, ao mesmo tempo, também deverá suscitar a expectativa de uma política econômica mais heterodoxa e ao gosto da base social do PT.
Assim como se afirma que a opção de Dilma e de Lula por integrá-lo ao ministério ajuda o governo nessa circunstância quase terminal, ninguém duvida que ela tem tudo a ver com a sua proteção frente às investigações em curso na Justiça Federal do Paraná para onde também foram enviadas as que estavam com a Justiça Estadual de São Paulo, que poderiam levá-lo à prisão. Como ministro, Lula recupera o direito a foro judicial privilegiado e só poderá ser investigado - ou submetido a qualquer ação coercitiva - com a prévia autorização do Supremo Tribunal Federal (STF). Com isso, caberá ao procurador geral Rodrigo Janot, e não mais à força tarefa do MPF que atua na Lava Jato ou aos promotores de justiça de São Paulo, a responsabilidade de dar sequência às investigações contra Lula e de decidir denunciá-lo, ou não, ao STF.
Fato é que os acontecimentos da semana multiplicaram os poderes e os riscos do procurador geral nessa conjuntura, e vão aumentar as expectativas e pressões para um envolvimento ainda maior do MPF na crise política, para o bem ou para o mal.
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