A questão ferroviária

Mauro Lourenço Dias (*)

 

            Não há quem, ao viajar de trem na Europa, não volte admirado com a praticidade, a rapidez, a precisão nos horários e o conforto de que usufrui nos vagões. Uma viagem de Genebra a Zurique, na Suíça, por exemplo, com duração de 2h43m, em segunda classe, custa 80 francos suíços (R$ 164). Cara? Nem tanto, se se levar em conta que o salário mínimo suíço está em torno de 3.300 francos mensais (R$ 6.798).

            Essa é uma realidade que nem tão cedo será possível encontrar no Brasil, onde a maioria das pessoas viaja de ônibus, muitas vezes por milhares de quilômetros, de Norte a Sul e vice-versa, por dias a fio, tomando banho quando é possível em locais de parada pouco confortáveis. Hoje, só é possível viajar de trem entre Belo Horizonte e Vitória, com exceção de algumas rotas turísticas geralmente de curta distância.

            Se por enquanto é possível apenas sonhar com o trem-bala entre São Paulo e Rio de Janeiro para passageiros, a opção ferroviária para o transporte de cargas já se afigura mais promissora. Até porque o governo federal prevê a expansão da malha ferroviária, especialmente na região Sul, com a construção de 2,7 mil quilômetros de trilhos.

            Hoje, o Brasil dispõe de uma malha ferroviária de apenas 29 mil quilômetros, quando, para atender a atual demanda, seriam necessários 52 mil quilômetros. Mas nem essa meta está prevista nos atuais planos do governo, que promete ampliar a atual malha para 40 mil quilômetros até 2020. Se irá alcançá-la, duvida-se muito, até porque não são poucos os obstáculos, como um sistema tributário que pouco favorece a expansão do sistema ferroviário, a falta de integração entre os modais e os gargalos e a dificuldade de acesso e operação nos portos. Tudo isso acaba por gerar atraso nos carregamentos dos navios e o pagamento de demurrage (multas).

            Além disso, a ausência do poder público nas periferias das grandes e médias cidades tem facilitado a invasão de faixas de terra que deveriam ser exclusivas da ferrovia por uma questão de segurança. Assim, foram construídas casas precárias e até estabelecimentos comerciais mambembes em áreas muito próximas da linha do trem, o que exigirá muitos recursos para a realocação das famílias que ali vivem em situação de risco.

            Não é só. A desestatização das malhas ferroviárias a partir de 1996, se desonerou os cofres públicos, gerou um problema que se arrasta há mais de década e meia: os passivos trabalhistas da antiga Rede Ferroviária Federal (RFFSA), que ficaram por conta do governo e não das concessionárias.

            Diante disso e levando-se em conta que qualquer obra no setor ferroviário exige pelo menos cinco anos de planejamento, parece que aquela meta prevista pelo governo dificilmente será atingida, o que seria lamentável porque, hoje, pelo menos 35% da movimentação de cargas já deveriam ser realizados por trem, cujo frete é em média 12% inferior ao rodoviário. Hoje, segundo dados da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), as ferrovias representam 28% das cargas movimentadas no País, mas basicamente transportam mercadorias de baixo valor agregado.

            Para mudar esse cenário, o governo federal pretende investir R$ 200 bilhões em ferrovias até 2025, dos quais R$ 33 bilhões na região Sul, mas o ideal seria que deixasse de lado alguns de seus projetos, passando os empreendimentos para a iniciativa privada. Até porque o histórico da gestão pública nas ferrovias é simplesmente desolador.

             

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(*) Mauro Lourenço Dias, engenheiro eletrônico, é vice-presidente da Fiorde Logística Internacional, de São Paulo-SP, e professor de pós-graduação em Transportes e Logística no Departamento de Engenharia Civil da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E-mail: [email protected] Site: www.fiorde.com.br

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