Por ANTONIO CARLOS LACERDA
Correspondente no Brasil
BOGOTÁ (COLÔMBIA) - A Corte Constitucional da Colômbia suspendeu nesta quarta-feira, 17, a vigência de um acordo militar firmado com os Estados Unidos e o devolveu à presidência para que ele seja aprovado no Congresso. A assinatura do acordo enfureceu vários governos de esquerda da América Latina.
Firmado em 30 de outubro de 2009, entre Bogotá e Washington, o acordo tornou-se o mais polêmico de toda a história colombiana porque dá aos militares americanos o direito de usar sete bases colombianas durante dez anos, em operações contra o narcotráfico e o terrorismo.
"A Corte Constitucional da República da Colômbia, administrando justiça em nome do povo e por mandato da Constituição, decidi remeter ao presidente o denominado acordo complementar para a cooperação e assistência técnica em defesa e segurança entre os governos da Colômbia e dos EUA", afirmou a decisão do tribunal que informou não poder o acordo pode entrar em vigência até que o trâmite de aprovação parlamentar seja concluído.
Os Estados Unidos é o principal aliado da Colômbia na luta contra o narcotráfico e os grupos armados ilegais vinculados com essa atividade e desde o ano 2000 enviou a Bogotá mais de US$ 6 bilhões.
A Colômbia, maior produtor mundial de cocaína, ignorou a recomendação de um alto tribunal antes de firmar o acordo. A corte sugeriu que o convênio fosse submetido à aprovação do Congresso e a um controle de legalidade da Corte Constitucional.
De acordo com a decisão, o novo governo do presidente Juan Manuel Santos, que tem maioria no Congresso, pode enviar o acordo para ser aprovado na instituição.
O acordo militar entre Colômbia e Estados Unidos foi assinado a portas fechadas na sede do Ministério das Relações Exteriores em Bogotá, Colômbia, no dia 30 de outubro de 2009, pelo ministro colombiano Jaime Bermúdez e pelo embaixador dos Estados Unidos, em Bogotá, William Brownfield.
O polêmico acordo militar autoriza até 800 militares estadunidenses e 600 civis que trabalham para o governo estadunidense para combaterem o narcotráfico e o terrorismo. Os dois governos não divulgaram o texto oficial do convênio, apenas divulgaram alguns dados.
O acordo compensa o fim da base estadunidense de Manta, no Equador, ao permitir o uso de três bases aéreas, duas bases da Marinha e outras duas do Exército no território colombiano.
O documento provocou e ainda provoca muitas discussões por causa da base de Palanquero, que abriga uma pista de pouso e decolagem adaptada a aviões militares cargueiros possibilitando a projeção desses aviões para além das fronteiras da Colômbia, a qual é vizinha dos governos revolucionários anti-EUA da Venezuela (Hugo Chávez) e do Equador (Rafael Correa).
A posição bastante estratégica das bases permitem o avião militar Boeing C-17 alcançar metade do continente sem precisar parar para reabastecer, fato que ampliam as desconfianças dos outros países sul-americanos em relação ao objetivo real do tratado.
Paralelo à assinatura, o presidente Barack Obama sancionou o orçamento militar do país no ano fiscal de 2010, que apresenta uma verba de US$ 46 milhões destinada a Palanquero.
O acordo militar entre Colômbia e Estados Unidos divide opiniões na América do Sul. O ex-presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, recebeu reações distintas quando fez um giro pelo Chile, Argentina e Paraguai para explicar o acordo militar colombiano com os Estados Unidos.
Enquanto Chile e Paraguai sinalizaram que o acordo é um assunto interno da Colômbia, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, disse que os planos não contribuem para a redução dos conflitos na América do Sul.
"É preciso baixar o nível de conflitos na região. E as bases militares americanas não contribuem para isso", afirmou a presidente da Argentina. Cristina afirmou ainda que o acordo entre Colômbia e Estados Unidos é "um elemento de perturbação" para a região.
Em Santiago, no Chile, na primeira parada de Uribe no giro pela região, o ministro das Relações Exteriores chileno, Mariano Fernández, disse que o Chile "respeita" as decisões da Colômbia. "Respeitamos a decisão da Colômbia e seu entendimento com Estados Unidos", afirmou Fernández.
Na ocasião, um grupo de manifestantes chilenos protestou contra Uribe e, segundo a imprensa chilena, a polícia prendeu quinze deles quando tentavam erguer faixas com frases contra o acordo da Colômbia com Estados Unidos.
Em Buenos Aires, na Argentina, segunda escala do giro de Uribe, um grupo de manifestantes também protestou em frente a Casa Rosada, sede do Governo.
Em Assunção, no Paraguai, o presidente Fernando Lugo disse que não pretendia interferir na iniciativa colombiana. "A Colômbia é um país soberano", disse Lugo.
Quando anunciou o giro pelos países da América do Sul, o ex-presidente colombiano Álvaro Uribe disse que seria um giro "mudo", sem declarações sobre as conversas realizadas com seus colegas da região.
No entanto, na Bolívia, no Chile e na Argentina, ele limitou-se a agradecer o espaço para "o diálogo" e disse que foram discussões "amplas e positivas".
Enquanto Uribe recebia elogios do presidente peruano Alan García, pela assinatura do acordo, o boliviano Evo Morales fez severas críticas ao plano.
No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já tinha dito na ocasião da assinatura que o acordo "não agrada" o governo brasileiro.
O chefe das Forças Armadas colombianas, general Freddy Padilla, disse na ocasião da assinatura que "Nosso objetivo é aprofundar as relações de sucesso com os Estados Unidos através do acesso de militares americanos às bases militares colombianas. Não são bases americanas, são colombianas, mas abrimos a possibilidade de que eles tenham acesso às nossas instalações".
Segundo o general Freddy Padilla, a presença dos militares americanos nas bases colombianas teriam como finalidade o "combate ao narcotráfico e ao terrorismo".
No texto do acordo destacam-se a imunidade diplomática concedida aos militares norte-americanos que atuem na Colômbia e a autorização para que as aeronaves pousem em qualquer aeroporto internacional colombiano atualmente, os aviões só podem aterrisar no aeroporto de Bogotá e dali, se movimentar a outros pontos.
Conforme consta no artigo VIII do documento, fica garantida a imunidade ao pessoal administrativo e técnico da missão norte-americana. Contudo, os Estados Unidos se comprometem a revisar qualquer solicitação por parte da Colômbia quanto à proteção de militares envolvidos em delitos cometidos contra colombianos ou dentro do país.
A questão da imunidade é polêmica na Colômbia. Em 2007, o caso da garota Jessika Beltrán entrou no debate nacional. Sua mãe denunciou que o sargento Michael Cohen e o empreiteiro César Ruiz, ambos funcionários na base de Tolemaida, onde trabalhavam no Plano Colômbia, drogaram e violentaram a menina, que tinha 12 anos na época. O senador Gustavo Petro, do partido oposicionista Polo Democrático, denunciou que os supostos estupradores voltaram aos Estados Unidos e o crime ficou impune.
O acordo prevê também que todos que ingressarem no país serão avaliados por uma comissão, nomeada pelo Ministério da Defesa, que verificará os antecedentes tanto dos estão sendo contratados para trabalhar nas bases, como dos que forem permanecer nelas.
No entanto, qualquer militar terá a autorização para usar uniforme e armamento "para atividades realizadas no marco do presente acordo". Em entrevista ao jornal colombiano El Tiempo, o embaixador norte-americano, William Brownfield, disse que os norte-americanos não participarão de nenhuma operação armada.
Antes restritos à capital colombiana, Bogotá, os aviões norte-americanos estarão autorizados a pousar em qualquer aeroporto internacional do país. O artigo V, parágrafo 2, que se refere aos procedimentos de autorização de aterrisagem e sobrevôo de aeronaves, fala do uso de "aeroportos internacionais para a entrada e saída do país".
"Se estabelecerá um mecanismo para determinar o número estimado de vôos que usarão os aeroportos, conforme a normatividade colombiana", acrescenta o texto. Existem na Colômbia sete pistas internacionais: Barranquilla, Bogotá, Cali, Cartagena, Medellín, Bucaramanga e San Andrés.
Autoridades militares declaram que o tema é irrelevante, pois as aeronaves somente farão pouso e decolagem. Contudo, as regras dos aeroportos obrigam que os aviões sejam inspecionados e eventualmente abastecidos, o que obrigaria a existência de funcionários estrangeiros em terra.
Nenhum dos países pode cancelar o acordo nos próximos 10 anos, porém, têm a possibilidade de renová-lo por períodos adicionais de igual duração.
A proibição expressa para que as operações não excedam as fronteiras da Colômbia, tema que gerou duras declarações de países como a Venezuela e o Brasil, ficou consignada no artigo III, parágrafo 4: "As partes cumprirão suas obrigações derivadas do presente Acordo de maneira que concorde com os princípios da igualdade soberana, da integridade territorial dos Estados e da não intervenção nos assuntos internos de outros Estados".
As bases as quais os Estados Unidos terão acesso estão localizadas nas áreas de Palanquero (centro), Malambo (Caribe, norte), Apiay (leste); os fortes do Exército em Larandia (sul) e Tolemaida (centro), e as bases navais de Cartagena (Caribe) e Bahía Málaga (Pacífico, oeste), afirma o texto.
O artigo XX, parágrafo 2, permite que os Estados Unidos estabeleçam estações receptoras por satélite para a difusão de rádio e televisão, sem precisar de licenças ou custos. Os sistemas seriam usados diretamente nas bases.
Os EUA prevêem investimentos de até US$ 5 bilhões pelo novo pacto. No entanto, o acordo foi amplamente questionado por países da região. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua colega do Chile, Michelle Bachelet, demonstraram descontentamento em relação ao aumento do efetivo militar americano na Colômbia.
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, retirou o embaixador do país de Bogotá após o governo colombiano ter acusado Caracas de repassar armas adquiridas da Suécia para guerrilheiros das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
ANTONIO CARLOS LACERDA
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