Quando eclodiu a recente guerra entre o Hamas e Israel, na Faixa de Gaza, as atenções se dividiam entre a transição de governo nos Estados Unidos e a crise econômica mundial.
Por algum tempo, essas questões foram abafadas pelas atrocidades do conflito, que acabou com mais de mil vidas. Mas não pelas tragédias silenciosas que ocupam, quando muito, pequenas notas de canto de página nos jornais.
É claro que, de certo ponto de vista, não faz muito sentido comparar os saldos de mortos de guerras ou de catástrofes naturais.
É difícil pôr em palavras esta impressão: mil mortos ou dez mil são igualmente tragédias; como falar em quantidade de dor ou de sofrimento? Ou na forma como as pessoas morrem? Não no tocante à crueldade, à duração da agonia, mas ao motivo em si.
Todos os dias, só na África, morrem de malária duas mil crianças ; uma doença perfeitamente tratável e possível de se evitar. São 730 mil por ano, mas o número não causa aflição nem atrai a atenção mundial. No entanto, se um avião com 200 pessoas cai, a tragédia é anunciada com todo o alarde durante um bom tempo.
Então, nos acostumamos às tragédias. Se o conflito em Gaza se estendesse por vários anos, como a guerra no Iraque ou no Afeganistão, deixaria de ser manchete, e tanto faria se fossem duas mil, ou cem mil, as vítimas fatais. Afinal, existe algo mais trivial do que a explosão de carros-bomba no Iraque, no Paquistão ou no Afeganistão?
Bem, na verdade há, sim, aquelas duas mil crianças que morrem diariamente de malária e tantas outras que perecem pela mais banal das doenças: a fome. Segundo o último relatório da ONU, são cerca de 5,2 milhões de crianças que morrem de desnutrição e causas correlatas anualmente. Como se vê, a quantidade de vítimas de tragédias é relativa; pequena ou grande, só emociona se for novidade.
Até o presidente Lula, que não falava em outra coisa durante o seu primeiro mandato, esqueceu o assunto. A ONU anunciou que a quantidade de vítimas da fome no mundo chegou a estimados 963 milhões atualmente; um bilhão, em números redondos.
Como a crise financeira causou a redução da ajuda internacional, pode-se esperar o aumento deste número, que deveria se reduzir à metade até 2015.
Segundo a ONU, bastariam US$ 30 bilhões por ano para dobrar a produção de alimentos e eliminar a fome. Pouco, comparados aos gastos em armamentos, aos subsídios a agricultores dos países ricos, ao custo das guerras, ou aos trilhões sugados por bancos e indústrias no olho do furacão da crise econômica.
Poderíamos, talvez até impunemente, jogar toda a culpa nos governos, mas se nada muda é, principalmente, porque não protestamos com veemência suficiente. É isso que faz com que tragédias pareçam relativas como a do aquecimento global, ao qual nos acostumamos e agora é tida como irreversível-, com que deem vez à seguinte e assim por diante.
Até que uma delas nos toque, ou a um parente, a um amigo.
Luiz Leitão [email protected]
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