Palavras de Rodrigo Londoño no segundo seminário internacional de avaliação da implementação do Acordo de Paz
Escrito por Rodrigo Londoño
Muito bom dia a todas e a todos. Me apresento aqui como presidente de nosso partido político, a Força Alternativa Revolucionária do Comum. Constitui uma honra e um dever para mim tomar parte neste importante evento.
Concorremos com o alto governo, a universidade, os estudantes e os representantes da comunidade internacional, com o propósito de contribuir para a percepção mais completa possível do tema da implementação do Acordo de Paz de Havana, que justo por estes dias cumpre dois anos de ter sido subscrito no Teatro Colón e referendado pelo Congresso da República.
Tal e como destacaram muitos expertos, o Acordo de Havana constituiu um marco histórico, não só no plano interno como também no internacional, pela rigorosidade de seu conteúdo e pelas técnicas jurídicas empregadas para sua elaboração, por sua vocação de reconciliação, pelo pragmatismo e a celeridade com que foi alcançado se se o compara com outros processos.
Evidentemente não foi do agrado de todas as forças políticas da vida colombiana. Porém isso o torna muito mais meritório. Persistem infelizmente em nosso país interesses repreensíveis pelo fomento do ódio e da vingança, que houvessem preferido a continuação da guerra de mais de meio século, convencidos de sua vitória militar, do mesmo modo que a propuseram infrutiferamente mais de uma dezena de governos.
A prudência, a sensatez, a experiência e o amadurecimento de um país fizeram possível que se alcançasse o Acordo Final. Um acordo que, ademais da insurgência das FARC, foi firmado pelo governo nacional, avalizado pelo Congresso da República em plenário e validado pela Corte Constitucional, fazendo dele um compromisso de Estado e não somente, como pensam alguns, uma obrigação de caráter administrativo assumida por um presidente de trânsito.
Isso faz com que o Acordo de Havana possua a força e o reconhecimento de um tratado de paz, da mesma categoria e importância que qualquer dos tratados que no passado histórico nacional ou no plano mundial conseguiram pôr fim a graves confrontações. Se trata de um compromisso acobertado pelo princípio sagrado do direito internacional, pacta sunt servanda.
O Ato Legislativo número 002 de 11 de março de 2017 incorporou à Constituição Nacional a obrigação de garantir a estabilidade e segurança jurídica do Acordo Final, norma declarada exequível pela Corte Constitucional, quem, ademais, determinou que "as instituições e autoridades do Estado" têm, entre outras, a obrigação constitucional de "cumprir de boa-fé com o estabelecido no Acordo Final".
E, para evitar interpretações a respeito de a "cumprir de boa-fé", a seguir a norma constitucional precisa a propósito da implementação normativa o seguinte: "as atuações de todos os órgãos e autoridades do Estado, os desenvolvimentos normativos do Acordo Final e sua interpretação e aplicação deverão guardar coerência e integralidade com o acordado, preservando os conteúdos, os compromissos, o espírito e os princípios do Acordo Final".
Assim que o Acordo de Havana se acha mais que blindado ante as normas do direito interno, não pode ser modificado nem alterado por capricho de legisladores, governantes ou intérpretes. Característica que, ademais, se deriva dos compromissos que ambas partes, por sua livre vontade, combinaram conferir no plano do direito internacional.
O referido acordo se firmou em sua integridade como Acordo Especial do Artigo 3 Comum das Convenções de Genebra de 1949 e foi depositado ante o Conselho Federal Suíço em Berna, organismo depositário das citadas Convenções. Sobre ele se efetuou uma Declaração Unilateral do Estado colombiano realizada pelo presidente da Colômbia ante as Nações Unidas, obrigando a Colômbia ao cumprimento e respeito do Acordo Final.
Ademais, o texto integral do Acordo Final foi incorporado a um documento oficial anexo à Resolução 2261 [2016] do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Todo o qual significa que nenhuma instituição ou autoridade do Estado está autorizada ou legitimada para descumprir o acordado, e se o fizerem deverão assumir que não se trata de "melhoras" introduzidas, senão que de alterações unilaterais que rompem o Acordo Final de 24 de novembro de 2016.
Foram sucessivas violações ao Acordo Final. Por via de interpretação jurisprudencial, consideramos as mais graves a exclusão da competência obrigatória da JEP sobre os civis ou agentes do Estado não pertencentes à Força Pública, que tenham responsabilidades em consequência de sua intervenção no conflito armado, assim como o regime de condicionalidade agravado, exclusivo para os ex-integrantes das FARC-EP.
Entre as alterações do Acordo pela via da implementação legislativa, sem dúvida, as mais graves se produziram com a aprovação da Lei 1922 de 18 de julho de 2018 de regras de procedimento para a Jurisdição Especial de Paz [JEP], norma que introduz exclusões e modificações ao acordado no ponto "5.1.2" Justiça", do Acordo Final.
As mais graves, sem dúvida, a criação de tratamentos e procedimentos separados para as forças militares e a proibição de investigar condutas supostamente cometidas por membros das forças armadas ou agentes do Estado quando se presuma a existência de planos criminais, a existência e estrutura de uma organização criminal ou suas redes de apoio, ou a existência de padrões macro criminais de ataque à população civil.
Como se tudo isso fosse pouco, durante o mês de outubro passado se apresentou ante o Congresso uma proposta de Ato Legislativo para modificar a estrutura da JEP criada por norma constitucional, em fiel desenvolvimento do Acordo Final, proposta que tinha como finalidade a "composição das Salas na JEP, para o julgamento dos membros da Força Pública", julgamento a cargo de novos juízes diferentes dos já nomeados ante à JEP e conforme a um suposto "direito operacional" que se pretende diferente do Ius in Bellum reconhecido internacionalmente como único direito aplicável na guerra. ]
O referido projeto foi supostamente retirado e substituído pelo Projeto de Ato Legislativo nº 24 de 2018. O novo projeto tem dois artigos, o primeiro sobre a reorganização de salas e seções da JEP e a eleição de novos magistrados. E o segundo sobre restrições ao alcance do reconhecimento de verdade e responsabilidade. Com estas restrições se afeta o coração do sistema de justiça criado no Acordo de Paz, os estímulos e incentivos ao reconhecimento de responsabilidades e verdade.
O artigo 2 do Projeto de Ato Legislativo ataca a essência do sistema de justiça da JEP, ao fazer com que perca valor jurídico o reconhecimento de responsabilidades e oferecimento de verdade, tudo isso com uma regulação contrária ademais à lógica jurídica e ao sentido comum: "a mera confissão dos que se submetem ou dos que podem ser chamados a comparecerem ante a JEP não poderá ser prova suficiente para proferir condenação contra eles".
Em relação ao primeiro dos novos artigos, se acrescentem 14 magistrados à JEP que se incorporaram a todas as seções e salas desta jurisdição, onde se podem abordar questões relativas a membros da Força Pública, agentes do Estado civis ou terceiros. Esses magistrados constituirão subseções ou sub salas. "Estarão organizados em grupos", diz a proposta, que "trabalharão de maneira separada no estudo dos casos das guerrilhas e de agentes do Estado".
Quer dizer, juízes ad hoc para conhecerem em exclusivo os casos nos quais apareçam responsabilidades de agentes do Estado em geral. Dado que o requisito para serem eleitos como magistrados é o conhecimento do "direito operacional", pouca dúvida resta de que os magistrados serão recrutados entre provados e parciais servidores públicos a serviço das Forças Militares desde longa data, única forma de se familiarizar com esse suposto direito denominado "operacional".
Apesar de que é alto o número de militares e policiais que determinaram voluntariamente se submeterem à Jurisdição Especial para a Paz, tal e como foi pactuada em Havana, é evidente o esforço soterrado para que seu comparecimento e suas declarações careçam de força vinculante com relação a alguém, a um setor que se aferra em desvirtuar o sentido e a força da verdade. Colômbia inteira, a Corte Penal Internacional e a comunidade internacional hão de estar alertas para impedir que a impunidade se certifique de antemão com manobras como o projeto em iminência.
As FARC-EP cumpriram sagradamente com sua palavra. Deixamos as armas, nos transformamos num partido político legal e transparente, entregamos os bens que constituíram nossa economia de guerra, assumimos com total decisão nosso comparecimento ante o sistema integral de verdade, justiça, reparação e não repetição. Nunca assinalamos como inconveniente um só item do pactuado em Havana, simplesmente cumprimos com a maior boa-fé.
Enfrentamos, sim, uma avalanche de ataques da mais diversa natureza. Desde a mão de sicários e obscuras organizações até as constantes acusações irresponsáveis do senhor Promotor Geral da Nação. Desde os intentos de impedir, reduzir ou isolar nossa ação parlamentar até os reiterados empenhos legislativos para modificar ou perverter o acordado em Havana. A tudo isso fazemos frente empregando unicamente a palavra, tal e como o prometemos em Cartagena.
A muitos de nossos mortos se destina uma explicação recorrente, não estavam nos ETCR, andavam em maus passos. Como se as decisões desesperadas de uns quantos que perdem o horizonte ante o paquidérmico descumprimento estatal não fossem precisamente consequência da indolência e negligência das autoridades. E se como a garantia do direito à vida, assumida formalmente pelo Estado, só valesse para cidadãos em condições ideais. Aos atentados contra os nossos querem classificar como frustrados intentos de furto.
A dívida do Estado colombiano em matéria de implementação é gigantesca. Miremos tão só o primeiro ponto, Reforma Rural Integral, para nos dar conta disso. Onde está o banco de terras e como anda a adjudicação destas aos campesinos? Igual se poderia se perguntar pela formalização da propriedade, o cadastro multi propósito ou os planos de desenvolvimento.
Ouvimos a prática declaração de guerra em matéria de cultivos de uso ilícito. Políticas que foram amplamente discutidas em Havana e transformadas em soluções integrais que partiam de reconhecer que os cultivadores eram o elo mais frágil da cadeia do narcotráfico regressam com seus viés irracional de fumigações com glifosato e erradicação violenta.
Onde está a reforma política que se firmou em Havana? Transita pelo Congresso um projeto de reformas ao regime eleitoral que apenas arranha de longe o previsto no Acordo Final. Se continua negando às vítimas sua representação mediante as circunscrições especiais.
Segue sendo elevadíssimo o número de nossos ex-guerrilheiros que permanece na prisão apesar das leis e decretos de diversa ordem que ordenam sua liberdade. Enquanto se mantém arbitrariamente encarcerado a Jesús Santrich com o propósito de extraditá-lo por conta de uma montagem, se pretende julgar e condenar a Sonia, deportada ao país após cumprir sua pena nos Estados Unidos, como se não fosse uma ex-guerrilheira sujeita aos benefícios do Acordo de Havana.
Já se aproxima o final do abastecimento alimentar aos ETCR e o término destes mesmos espaços. A bancarização chegará em breve a seu fim. Brilha por sua ausência a posta em marcha dos projetos produtivos coletivos ou individuais com os quais os antigos militantes das FARC possam garantir seu sustento. Coíbem seriamente sua capacitação, sua superação acadêmica, sua atenção em saúde. A reincorporação econômica, política, social e cultural de acordo com seus interesses não passa de ser uma bonita frase escrita no Acordo.
Apesar de tudo, reitero hoje em nome de nosso partido FARC. Não vamos dar um passo atrás, o retorno às armas e à ilegalidade está descartado por completo, cremos que um novo país é possível, estamos dispostos a trabalhar por ele com todo entusiasmo. Apostamos na paz com muito mais que simples boa-fé, com o convencimento de que a imensa maioria de compatriotas terminará se somando a este propósito. O cumprimento do Acordo é uma necessidade nacional.
Pereira, 15 de novembro de 2018.
Tradução > Joaquim Lisboa Neto
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