Diplomacia 'imprudente' de Bolsonaro pode custar caro ao Brasil, diz cientista político
O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) se comprometeu a cumprir uma de suas promessas de campanha e mudar a embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém, reconhecendo a cidade sagrada como capital israelense. Para comentar o asssunto a Sputnik Brasil ouviu Arnaldo Cardoso, cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie
A declaração confirmando o compromisso de mudança da embaixada foi dada ao jornal israelense "Israel Hayom". Em sua primeira entrevista para a imprensa internacional após a confirmação de sua eleição. Bolsonaro também afirmou na entrevista que fechará a embaixada da Palestina em Brasília. Após a entrevista, Bolsonaro anunciou a decisão em suas redes sociais.
A medida segue os passos dados pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que anunciou a decisão de mudar a embaixada norte-americana de Tel-Aviv para Jerusalém ainda em dezembro de 2017. A mudança da embaixada foi efetuada em 14 de maio deste ano. A medida foi seguida por Guatemala e Paraguai, sendo que este último desistiu da ideia pouco tempo depois.
A possível mudança da embaixada brasileira tem recebido com críticas por mudar a postura diplomática do Brasil e abrir espaço para conflitos políticos com países árabes, importantes parceiros comerciais das empresas brasileiras.Jerusalém é considerada uma cidade sagrada para as três principais religiões monoteístas do mundo, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Ela também é disputada entre a Palestina e Israel, que querem que a cidade seja a capital de seus respectivos Estados.
A nova postura brasileira fere os interesses dos países árabes. Esses países formam hoje a chamada Liga Árabe, um bloco político e econômico que reúne 22 países. São eles: Arábia Saudita, Argélia, Bahrein, Catar, Comores, Djibouti, Egito, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Iraque, Jordânia, Kuwait, Líbano, Líbia, Marrocos, Mauritânia, Palestina, Omã, Somália, Sudão e Tunísia. A Síria também é membro da Liga Árabe, porém está suspensa da organização.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Arnaldo Francisco Cardoso, cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, classificou a atitude de Bolsonaro como imprudente, apontando que a política externa é objeto delicado e pode trazer consequências políticas e econômicas.
"Foi importante esse episódio para evidenciar a seriedade da política externa. Acho que foi um tanto imprudente a declaração do novo presidente ao desconsiderar que quando falamos de política externa estamos falando de uma politica pública. Uma política pública que é construída ao longo do tempo envolvendo variados interesses da sociedade. É importante, é um instrumento importante dessa política do Estado", afirmou Cardoso.
O cientista político também acrescentou que essa política trata de um interesse nacional.
"Mas essa política do Estado sempre tendo por principal motivação a busca do interesse nacional. Nesse sentido, o interesse nacional em um país democrático é manifestado no conjunto da sociedade. E acho que esse episódio evidenciou isso", disse.
Qual o impacto econômico dessa medida para o Brasil?
Segundo números divulgados pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, até outubro de 2018 o Brasil manteve uma balança comercial negativa com Israel. A diferença entre exportações e importações entre os dois países no período foi US$ 647,4 milhões em déficit para o Brasil.
Já em relação aos países da Liga Árabe, o Brasil tem superávit na balança comercial de US$ 3,1 bilhões, ou seja vende mais do que compra. Com exceção da China na balança comercial, esse valor corresponde a quase 13% do saldo do comércio brasileiro no exterior.
Entre janeiro e outubro de 2018 esses países árabes compraram quase US$ 9,3 bilhões em produtos brasileiros.O principal produto de exportação brasileiro para esses países são as carnes halal bovina e de frango, preparadas de acordo com o ritual muçulmano. O comércio com os árabes também inclui soja, milho e minério.
A polêmica em torno das declarações de Bolsonaro fez com que o governo do Egito reagisse com antecedência. Na segunda-feira (5), os egípcios cancelaram uma visita de uma comitiva brasileira que incluía empresários, diplomatas e também o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Aloysio Nunes. O chanceler brasileiro tinha um encontro marcado com o presidente do Egito, Abdel Fattah el-Sisi.
Apesar de que oficialmente o cancelamento foi motivado por questões de agenda, analistas interpretaram a ação como uma forma de repreender as falas de Bolsonaro.
O Egito é o maior parceiro comercial brasileiro dentre os países da Liga Árabe e corresponde sozinho a quase 20% das exportações brasileiras a esses países, com um superávit comercial favorável ao Brasil de US$ 1,5 bilhão.Na quinta-feira (8), a deputada federal Tereza Cristina (DEM-MS), líder ruralista apontada como futura ministra da Agricultura pelo presidente eleito, externou que o setor de carnes brasileiro está preocupado diante da postura de Bolsonaro.
Ela afirmou ao Jornal do Brasil que a questão seria discutida com o presidente eleito e apontou que tem recebido ligações preocupadas de pessoas ligadas à indústria da carne brasileira, que tem laços comerciais importantes com o mercado árabe. O Brasil é atualmente líder mundial em exportações de carne halal.
Mudança de embaixada tem pouca margem para vantagens econômicas
"O que nós temos de dados [...] a respeito dos nossos interesses comerciais com a região sem dúvida nenhuma são muito significativos. E uma decisão política como seria o caso da mudança da embaixada pode trazer sim desdobramentos negativos para as relações comerciais, econômicas do Brasil para com os países árabes", lembrou Arnaldo Cardoso.
O cientista político também apontou que não há espaço para pensar em aspectos comerciais positivos nesse movimento, uma vez que Brasil e Israel já têm um acordo de livre comércio em funcionamento, o que evidencia que há um viés político na medida de mudança da embaixada.
"Se a gente considerar que nós temos um acordo de livre comércio já com Israel, um acordo que vem desde 2010. Se a gente pega nosso volume de exportações para Israel, mesmo gozando de uma condição de redução de impostos e de redução de barreiras tarifárias para esse comércio, ele ainda é muito menor do que o do conjunto dos países árabes", afirmou.
Cardoso também enfatizou que o mercado árabe supera economicamente o mercado com Israel.
"Vamos lembrar que se a gente está falando da Liga Árabe estamos falando de 21 países. Então não há nenhuma possibilidade de o mercado de Israel compensar uma eventual perda de comércio com os países árabes", apontou o pesquisador.Um dos motivos da aproximação com Israel é um alinhamento com as políticas praticadas pelo governo do presidente Donald Trump nos Estados Unidos, um país historicamente aliado do Estado israelense.
No entanto, mesmo com afagos políticos direcionados aos Estados Unidos, Arnaldo Francisco Cardoso não enxerga um quadro favorável ao Brasil nas relações comerciais com os norte-americanos, o que poderia compensar eventuais retaliações.
"Neste ano o Brasil vai experimentar uma totalização de números bastante ruins de setores importantes da produção e exportação brasileira em função de restrições de comércio impostas pelo governo norte-americano. Basta a gente observar o setor do aço e do alumínio. Esse ano nós vamos ter uma redução muito significativa de exportações de aço e de alumínio para os Estados Unidos", ressaltou.
Em maio, o governo dos Estados Unidos anunciou a aplicação de sobretaxas nas suas importações de aço e alumínio, que incluíram o Brasil. A esse movimento seguiu-se uma série de medidas protecionistas em relação a vários países aliados dos EUA. O principal afetado tem sido a China.
Apesar das negociações com o governo norte-americano, o Brasil não conseguiu alívio nas taxas impostas. O Brasil é o segundo maior exportador de aço para os EUA, segundo o Departamento de Comércio norte-americano.Segundo os dados de valores entre janeiro e outubro deste ano do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviço, houve uma diminuição na intensidade das relações comerciais entre Brasil e EUA. Se em 2017 a balança comercial neste mesmo período entre os países teve superávit de US$ 1,5 bilhão, este ano a balança comercial está em US$ 130 milhões.
Mesmo assim os EUA continuam sendo o segundo maior importador de produtos brasileiros no mundo, atrás apenas da China. No entanto, a balança comercial com os Estados Unidos tem o menor superávit dentre os cinco maiores parceiros comerciais do Brasil.
Enquanto o superávit comercial com os EUA é de US$ 130 milhões, esse valor chega a US$ 23 bilhões com os chineses. Já com a Argentina, o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, esse valor é de US$ 4,15 bilhões.
"Não me parece que nesse episódio a prudência orientou essa declaração"
"Essas relações são construídas ao longo do tempo. O primeiro contrato de exportação do Brasil de frango para países do Oriente Médio ocorreu em 1979. De lá para cá nós trabalhamos insistentemente na consolidação do Brasil como um fornecedor confiável. Nós desenvolvemos técnicas apropriadas para atender as demandas desses países. Inclusive quando a gente fala da técnica halal de abate de frango. É uma construção ao longo de décadas", explica o cientista político Arnaldo Francisco Cardoso.Ele ressalta que a posição brasileira no mercado árabe é fruto de anos de esforços diplomáticos e empresariais que alçaram o país a uma posição de liderança em setores como o da carne halal, deixando para trás fornecedores tradicionais, como a França.
Cardoso acredita que a política externa deva ter a "prudência" como orientação.
"Por isso que eu repito que me parece muito imprudente. Eu citaria aqui um autor do realismo político, que é Hans Morgenthau, que fala que o principal norteador de uma política deve ser a prudência. Buscar os interesses do país, mas levando sempre em consideração como virtude necessária de uma política externa a prudência. E não me parece que nesse episódio a prudência orientou essa declaração", explica.
O cientista político, no entanto, alerta para o fato de que as discussões sobre a política externa do futuro governo são especulativas, e enxerga acenos do presidente eleito a uma visão equilibrada na formação da equipe diplomática a ser anunciada.
"E me parece que o presidente eleito e a sua equipe de governo tomaram uma decisão acertada de anunciar que para ocupar o posto de ministro das Relações Exteriores será buscada uma pessoa da diplomacia brasileira, um profissional da carreira diplomática brasileira", enfatiza Cardoso.
Segundo ele, os nomes que circulam para a formação da chancelaria brasileira devem seguir uma orientação prudente e que aponte mais para uma política de Estado que respeite a identidade brasileira nas relações exteriores.
Ele lembra que caso essa política não seja tratada como sendo de Estado, o país corre o risco de perder credibilidade internacional.
"Na diplomacia a palavra tem muita importância. Na diplomacia é importante, inclusive, cuidar muito das palavas. E parece que o presidente eleito não conhece isso", conclui.
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