Não é qualquer um/uma que deixa tudo e alista-se num grupo de combatentes estrangeiros para lutar contra os brutos teocráticos do Estado Islâmico. Mas é preciso ser ainda mais especial, para dar-se conta, quase sempre um pouco tarde demais, que o grupo anti-ISISescolhido tem ideologia política e religiosa tão diferente e oposta à sua, quanto a do ISIS.
Os curdos são anti-ISIS, sim, mas... eles são comunistas!
27/2/2015, Adam Weinstein, Fortress America
Em meses recentes, a mídia-empresa vive um caso de amor com norte-americanos, britânicos, australianos e outros ocidentais que se estão alistando nas forças de campo curdas para combater contra o ISIS. Mas nem tudo são rosas no oeste do Curdistão.
Segundo Jonathan Krohn da AFP, muitos dos combatentes ocidentais mais motivados e entusiasmados são cruzados cristãos, decididos a derrotar os exércitos de Maomé. Mas eles rapidamente desistem da empreitada, quando se dão conta de que estão combatendo ao lado de comunistas curdos ateus:
Um veterano que deixou há sete anos o exército dos EUA, de nome Scott, disse que estava planejando unir-se aos curdos do partido "Unidades de Proteção Popular", YPG, que têm base na Síria, até descobrir que "não passam de um bando de Vermelhos sujos".
Outros estrangeiros na Dwekh Nawsha dizem que foram rejeitados pelo que para eles é um ramo socialista dentro do YPG, afiliado do Partido dos Trabalhadores do Curdistão da Turquia, cuja batalha, que já dura meses contra o Estado Islâmico em Kobane, atraiu muitos voluntários.
Alan Duncan, britânico, destacado combatente e veterano do Regimento Real Irlandês, deixou recentemente o YPG por razões semelhantes. Duncan contou à AFP que o êxodo de combatentes estrangeiros que deixam o YPG apenas começou, e citou vários voluntários bem conhecidos que ainda combatem com o grupo e que, segundo ele, planejam separar-se nos próximos dias.
De fato, o YPG é o braço armado do Partido da União Democrática Curda na Síria, que apoia o Partido dos Trabalhadores do Curdistão Turco, que os EUA listam entre os grupos terroristas e que até recentemente tinham o projeto de instalar estado marxista-leninista no Curdistão.
Em resposta, escreve Krohn, muitos daqueles ocidentais fiéis odiadores do ISIS - inclusive um veterano, texano, portador da Doença da Síndrome Pós-Traumática, que "que não conseguiu adaptar-se à vida em tempo de paz, estão agora se alistando a outro grupo que lhes parece mais amigável: os Dwekh Nawsha, milícia que reúne cristãos e cujo nome, em língua assíria, significa autossacrifício."
Os ocidentais alistados na milícia Dwekh são liderados por um norte-americano, 28 anos, conhecido como "Brett", que foi convertido em queridinho da mídia e celebridade instantânea -, e já foi citado recentemente por Krohn (AFP), pela Reuters, pela rede ABC, e no blogDaily Beast, dentre outros veículos.
A seguir, a muito elogiosa apresentação que lhe fez ABC News:
Tem 28 anos. Nascido e criado em Detroit. Veterano do exército dos EUA. Hoje, se autodescreve como "Soldado de Cristo" e está de volta ao Iraque, combatendo contra o ISIS nas linhas de frente.
"As pessoas me perguntam 'por que você?!' Volto e digo 'por que não? Por que só eu? O que estão fazendo todos os outros?" - disse Brett, que pediu que a ABC News não usássemos seu sobrenome, para preservar sua família nos EUA.
"Jesus diz, você sabe, "O que fizeres pelo último deles, fazes por mim" - Brett continuou. - "Levo isso muito a sério".
Há seis meses, Brett retornou ao Iraque. Em 2006-07, serviu no infame "Triângulo da Morte", onde conta que foi gravemente ferido num ataque de Dispositivo Explosivo Improvisado [bombas de fabricação caseira, usadas como minas] contra seu Humvee.
Outros voluntários ocidentais, que também se alistaram aos socialistas do YPG têm dúvidas sobre os reais motivos das deserções, escreve Krohn:
Jordan Matson, ex-soldado dos EUA, que aparece nos cartazes como imagem dos combatentes estrangeiros do YPG, disse que alguns daqueles voluntários perderam a confiança, quando confrontados com a intensidade dos combates em Kobane.
"Muitos daqueles cowboys de Internet acabaram por perceber que a coisa em Kobane não é alistamento normal" - disse Matson à AFP. - "E não tiveram estômago para permanecer aqui."
Por um lado, Matson tem razão: os combatentes do YPG participaram de ação especialmente muito violenta. Por outro lado, seus comentários mostram paroquialismo preocupante entre os vários grupos que combatem contra o ISIS: a milícia Dwekh Nawsha combate em primeiro lugar em nome dos Cristãos Assírios; o YPG combate pelos socialistas curdos na Turquia e na Síria; o exército Peshmerga curdo está dividido entre apoiadores do Partido Democrático Curdo e partidários da União Patriótica do Curdistão; o que resta do exército iraquiano são quase todos xiitas, mas são atacados por milícias xiitas independentes, algumas apoiadas pelo Irã.
Nesse caldeirão de ideologias, é difícil ver de onde sairá alguma resistência unificada efetiva, que ainda não se constituiu, mesmo na luta contra inimigo universalmente odiado, como é o ISIS.
Mesmo se os degoladores do Estado Islâmico forem despachados, pouco haverá que una entre eles turcos, sírios, curdos e vários iraquianos. Mas há muito para encorajar neo-oportunistas a continuar a explorar as divisões religiosas e étnicas que os separam.
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