A espionagem eletrônica praticada pelos Estados Unidos em todo o planeta é um revelador depoimento de nossa pobre condição humana aqui na terra. Se evoluímos tecnologicamente, não acompanhamos espiritualmente, socialmente e culturalmente essa evolução.
Basta ver que produzimos os melhores equipamentos de comunicação de todos os tempos e o utilizamos para vigiar as ações do vizinho, fofocar, fazer intrigas, para dominar e até mesmo ridicularizar o próximo. É a ausência total dos valores primordiais da convivência humana, como o respeito às nações, da consideração aos povos, do apreço aos que estão à nossa volta. O que há de evoluído nisso? O que deveria cumprir uma missão universal serve apenas aos desejos mais provincianos.
Continuamos segregados em nossas tribos, com espírito armado para guerrear e dominar. A espionagem não é apenas dos EUA, mas de todos nós, que a praticamos e a justificamos todos os dias.
O ser humano que foi à Lua, que constatou no universo aberto que a terra é azul, que encurtou as distâncias e aboliu fronteiras é o mesmo que fez guerras e escravizou povos desde os primórdios de nossa civilização. É o mesmo ser que julgou, manipulou, condenou e crucificou inocentes. É o mesmo que implantou e permitiu o Estado inquisidor. É o mesmo que mutilou, que perseguiu, que torturou alguns poucos que ousaram sonhar ou pensar um mundo diferente. Pousamos em Marte, mas até hoje não somos capazes de pousar a mão no rosto indefeso e aflito de nosso semelhante mais vulnerável. Somos mesmo seres de distâncias...
O gênio humano de criações e possibilidades inimagináveis traz em si os sentimentos mais primitivos, o gene da mais animalesca convivência, a triste herança da verdadeira constituição humana. Basta apenas uma discussão no trânsito para constatarmos o quão vive em nós os sentidos mais primitivos. Temos um orgulho ilógico em humilhar, em desejar mal, em desdenhar, sabendo sempre que estamos, todos nós, perdendo, em todos os instantes, situações e sentidos.
A maior nação do planeta nos revela que quanto mais elevado intelectualmente os grupos, mais levianas as relações, declarando que nossas essências não estão à altura de nosso intelecto, que estão aquém de nossos dons, essa parte divina que habita o intimo de cada um.
Talvez pelo fato de ser a raça humana apenas uma semana do trabalho de Deus. Quem sabe por isso, temos essa certeza absurda de que é preciso fazer algo fora, nunca dentro de nós mesmos. Tudo é para a vida externa, como se lá repousasse todas as nossas respostas.
Todos os dias construímos com nossos pensamentos e nossas ações esse pobre mundo diário, tão sedutor, tão imponente, onde impera nossos valores verdadeiros. Depois, vamos à farmácia comprar a paz que não cultivamos.
Isso talvez explique nossa opção em fazer a guerra para justificar a paz. Investir em armamentos para não investir nos sentimentos dos povos, na educação dos homens, na possibilidade de fazermos um mundo gerido pelo bem onde seriamos todos bem-aventurados. Como questionou Drummond: "E se Deus é canhoto e criou com a mão esquerda? Isso explica, talvez, as coisas deste mundo". Citando Shaw, que assistia a vida de um palco e acreditava ser ela um grande espetáculo, penso: "muitos perguntam por quê? Eu pergunto por que não!".
Petrônio Souza Gonçalves é jornalista e escritor
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