No Brasil, tudo é festa nesse final de 2009, e a míope imprensa estrangeira, com exceção de The Economist, enxerga o presidente Lula como um estadista, o grande homem que levou o Brasil a assumir a posição de protagonista internacional.
O Jornal francês Le Monde elegeu Lula "O homem do ano", numa reportagem escrita por um correspondente que parecia observar o País a partir de Marte. Talvez o objetivo por trás dessa rasgação de seda toda seja o desencalhe dos aviões de caça Rafale.
Se a economia vai bem, isso não significa que a gastança atual não irá comprometer o futuro, muito pelo contrário. Nossa infraestrutura continua um lixo, nenhuma reforma foi feita, política, tributária, previdenciária, nada. Ah, perdão, fizemos a reforma ortográfica, com a economia de alguns acentos e uma confusão danada nos hífens.
Terminar 2009 com um jornal sob censura há cinco meses é vergonhoso, uma vergonha potencializada pelo patrocínio do Judiciário em sua mais alta instância. O Brasil se contradiz a cada instante.O Supremo revoga a Lei de Imprensa da ditadura, e referenda a censura do poder de cautela, na brilhante definição de seu decano, discordante da temerária decisão, ministro Celso de Mello.
Em 1964, havia uma música satírica, O Samba do Crioulo Doido, que pode e deve voltar à moda, porque aqui as questões nunca são definitivas. Nem a palavra do Supremo é final, nem as suas decisões mais lúcidas deixam de ser sabotadas, através de tentativas de emendas constitucionais, como a PEC que quer porque quer reinstituir a obrigatoriedade do diploma de jornalista, recém-abolida pelo STF.
O secretário de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, contrata uma crise com os militares, insistindo na revogação da Lei de Anistia, que beneficiou a ambos os lados. Trinta anos depois, querem mudar a Lei, que, sabem os juristas, nunca retroage para prejudicar uma das partes.
Em vez de ficar procurando ossadas e desenterrando esqueletos, Vanucchi melhor faria se lutasse, com gana, pelos direitos humanos dos vivos, violados nas prisões abarrotadas e imundas, no trabalho infantil e no adulto, escravo; pela saúde, direito humano mais básico depois da liberdade.
Vanucchi deveria insuflar os pulmões e gritar bem alto contra a censura que se instala gradativamente, lutar para acelerar a implantação, urgentíssima, de defensorias públicas em todos os cantos do Brasil. Deveria xingar, alto e bom som, os autores e defensores da PEC dos Precatórios, o mais vergonhoso dos calotes, aquele praticado pelo Estado.
Nesse fim de ano institucionalmente tenebroso, com toda a sujeira do Senado e da Câmara referendada por quase tantos quantos deveriam lutar para que seja exposta e combatida, nós, cidadãos, ganhamos de presente a manutenção do veto ao jornal que denunciou toda a imundície dos atos secretos.
O fim desse ano que Arnaldo Jabor, com sua mais que autorizada licença crítico-poética classificaria, talvez, como "escroto", tem as digitais de Lula, de quem não se ouviu um pio a respeito da abominável decisão judicial em favor de um familiar de seu grande protegido, cidadão incomum.
O Anno Domini de 2009 encerra-se com a ditadura iraniana endossada por Lula da Silva, uma das 50 "personalidades" mais influentes da década (que ainda não terminou, como observou o comentarista Celso Ming), segundo o jornal britânico Financial Times, de uma nem tão honrosa lista que inclui Osama Bin Laden.
E aplaude a tragicomédia de nossa embaixada em Tegucigalpa, vergonhosamente transformada em pensão de um político legalmente deposto por ter afrontado a Constituição de seu país.
Como dito em recente artigo, hoje, a blogueira cubana Yoaní Sanchez tem mais liberdade para se fazer ouvir que nós, brasileiros de opinião e voz sub judice.
Aqui vão as palavras de Yoaní, no post que recebi dela ontem. Não poderiam ser mais oportunas as palavras por ela lembradas, sob o título: ¿Qué hiciste cuándo vinieron buscando al inconforme? (Que fizeste quando vieram prender o dissidente?)
O título da postagem é uma referência à frase de Niemöller, citada na Carta: "Quando vieram atrás dos judeus, calei-me, pois não era um deles; quando vieram prender os comunistas, silenciei, eis que não era comunista; quando vieram em busca dos sindicalistas, calei-me, pois eu não era sindicalista; depois, vieram me prender, e ninguém disse nada".
Para contextualizar esta ideia, diz Yoaní, eu gostaria de perguntar aos signatários do documento se irão calar-se quando vierem atrás de um contrarrevolucionário, de um verme, de um opositor; se estarão eles entre os que batem nos participantes de comícios de repúdio ou entre os que defendem a vítima.
É isso aí, a liberdade de expressão é para todos, e se calam os jornais, blogs, escritores, chegará o dia em que submeterão os demais, qualquer um que discorde dos que estão no comando, até o dia em que uma revolução sangrenta irrompa, como ocorre hoje no Irã. Revolução, que exagero, dirão alguns. São tão poucos os mortos, meras centenas os presos políticos...
Mas, se Lula é o grande artífice do desmanche institucional do País, figuras como José Serra, Aécio Neves, Cristovão Buarque, Marina Silva (sim, ela mesma), Ciro Gomes, e mais um balde de nomes ilustres, são coniventes porque se calaram, ou fizeram constrangidoscomentários, quando muito, em oportunista reverência à popularidade de "O Cara".
Quando vieram cassar a voz do Estadão e de outros menos ilustres, mas não menos importantes, os donos dos nomes acima silenciaram , não só porque não era com eles, mas porque assim convinha. A eles, dediquemos o poema de Martin Niemöller (1892-1984).
Não obstante a observação a respeito de Niemöller no site do Museu do Estados Unidos em Memória do Holocausto, em Washington, DC, que segue abaixo, as palavras dele são válidas.
"Ao mesmo tempo, no entanto, Niemöller, como a maioria de seus compatriotas, omitiu-se em grande medida a respeito da perseguição e assassinato em massa de judeus europeus. Somente em 1963, numa entrevista de televisão da Alemanha Oriental, Niemöller assumiu e deu uma declaração de arrependimento por seu antissemitismo. (vide Gerlach, 2000, p. 47)."
Luiz Leitão
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