Canto para uma cidade surda
Para Fernando Brant
O Minas Tênis Clube deu ao Pacífico Mascarenhas o que a cidade de Belo Horizonte deve ao Clube da Esquina; um cantinho construído pelo respeito, gratidão, admiração, reconhecimento, apreço e amor. Agora o Pacífico Mascarenhas está lá, em tamanho natural, emoldurado em ferro e aço, sentado abraçado ao violão no banco do tempo, mirando o infinito, de frente para a eternidade.
O Clube da Esquina, não; está nos corações das gerações, na vida dos casais, nos sonhos que são eternamente jovens e não nos deixam envelhecer. Está dentro de seu povo, guardado do lado esquerdo do peito, nesse cantinho que não morre mais. Pelas ruas da cidade apenas vestígios de sua existência e na esquina mais inspirada de Belo Horizonte, Minas Gerais e do Brasil, um reles rascunho de reconhecimento, um sinal de glória, uma tentativa de externar o que está vivo por dentro dos mineiros e dos povos do Planeta. Tudo muito pequeno, acanhado, modesto, bem ao modo dos mineiros.
Uma cidade jovem como Belo Horizonte, com poucos homens, nomes e história, deveria reconhecer e tratar com o devido respeito e o merecido reconhecimento aqueles que fizeram e fazem a sua história e a edifica e dignifica diante do país e do mundo inteiro. Foi isso que os meninos do Clube fizeram em uma improvável esquina de Santa Tereza, que em um dia ensolarado se sentaram na confluência do divino com o paraíso para cantar e contar as coisas de seu tempo, as coisas que traziam vivas em seus corações.
E assim, descalços e distraídos, caminharam sobre a eternidade, fizeram revolução e mostraram que Belo Horizonte era mais que um retrato na parede, era uma cidade provinciana mas que tinha pensamento próprio, vida, talento, genialidade e que confabulava e sonhava com um novo tempo, contribuindo para a construção de um novo país. Um país que amava e cantava de forma respeitosa e despretensiosa a mulher brasileira, sem estereótipos, estigma ou idealização. Cantava apenas a mulher em sua essência, aquela que trazia um girassol no cabelo e buscava um lado ensolarado para caminhar.
O Clube da Esquina é a poesia que não se pega, que não se explica, que não se mede. Cantaram a América Latina sem alarde; convidaram a mulher negra e periférica para dividir protagonismo e palco; falaram de índios e dos rios, singrando o Brasil profundo em uma canoa etérea; foram modernos e universais cantando os sinos das igrejas e seus currais. Fundaram uma escola tendo a intuição como inspiração; moveram o mundo sem romper as montanhas. Isso tudo antes de todos, sem reivindicar paternidade ou ostentar idealismo libertário. A música pela música. A poesia na poesia, aquela que nasce e morre em seu próprio mistério. O Clube da Esquina é além de seus atores, não cabe em uma cidade, é patrimônio planetário, figura nas páginas de glória do templo da música universal. O Clube da Esquina é do mundo, é Minas Gerais.
Para Belo Horizonte, que vive entre fumaça, buzinas e concreto, talvez a música e a história do Clube da Esquina soem hoje como dissonantes, algo que é melhor ser ignorado, silenciado e esquecido. Uma pena!
Petrônio Souza é jornalista e escritor
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