Um país construído com sangue, suor e lágrimas...dos outros
Os velhos políticos brasileiros costumavam se referir ao país como A Grande Democracia do Norte. Para muitos, era a Terra da Liberdade. Inclusive a entrada da sua principal cidade é dominada por uma grande estátua que homenageia a liberdade.
Será isso verdadeiro?
Os Estados Unidos são mesmo uma grande democracia e a terra da liberdade?
Uma rápida olhada na História não nos leva a essas conclusões.
Pelo contrário, ela parece nos indicar que os Estados Unidos da América do Norte são um país que foi construído com muitas guerras, muito dinheiro, um enorme genocídio interno e muito sangue, quase sempre o sangue dos outros.
As 13 colônias iniciais (Rhode Island, New Hampshire, Massachusetts, Nova York, Connecticut, Nova Jersey, Pensilvânia, Delaware, Virgínia, Maryland, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Geórgia) formadas pelos puritanos ingleses que começaram a migrar para o novo mundo a partir do século XVII, deram origem no século seguinte o que são hoje os Estados Unidos.
O primeiro passo foi a Guerra da Independência, que começou em 1775 e durou oito anos, terminando com a vitória dos Estados Unidos, com forte apoio da França, sobre a Inglaterra. Além da independência das 13 colônias, o acordo de paz assinado em Paris, em 1783, garantiu a integração ao novo país da região que ainda pertencia à Inglaterra. Esta área corresponde aos atuais estados do Alabama, Tennessee, Kentucky, Ohio, Indiana, Mississipi, Illinois, Wisconsin e Michigan.
Nos anos seguintes, os Estados Unidos começam sua expansão territorial, pressionando nações européias, sob a ameaça de novas guerras, a negociar a venda de suas possessões na América. Da França, vem a Louisiana , em 1803, onde hoje estão os estados da Louisiana, Arkansas, Missouri, Oklahoma, Kansas, Iowa, Nebraska, Dakota do Sul, Minnesota e Dakota do Norte. Em 1817, a Flórida é comprada da Espanha. Em 1846: a Inglaterra cede a região do extremo noroeste, onde ficam os atuais estados de Washington, Idaho e Oregon. O Alasca é comprado da Rússia em 1867.
Capítulo especial merecem dois grandes eventos da história americana. O primeiro é a independência do Texas do México e a posterior guerra entre Estados Unidos e México.
Apoiado pelos Estados Unidos, colonos de fala inglesa, do estado mexicano do Texas se rebelaram e depois de uma guerra que durou dois anos, formaram uma república em 1836. Dez anos depois o Texas se tornou mais um estado americano.
Em 1845, os Estados Unidos iniciaram uma guerra de conquista contra as regiões fronteiriças do México, inspirados na chamada doutrina do Destino Manifesto (be strong while having slaves) popular nessa época, que afirmava que os Estados Unidos, por serem mais fortes, foram escolhidos por Deus para libertar regiões onde havia escravos, começando pela América Latina.
Numa guerra que durou dois anos, os Estados Unidos conseguiram arrancar do México, uma região que correspondia a 50% do seu território e que acrescentou 25% de novas terras ao que era então os Estados Unidos.
Se tornaram parte dos Estados Unidos, os hoje estados da Califórnia, Utah, Novo México, Arizona e Nevada.
Restava agregar ao novo país à região oeste, onde viviam as tribos indígenas, na realidade, os verdadeiros norte-americanos.
O que o cinema, através dos filmes de faroeste, sempre mostrou como uma conquista épica de terras pertencentes a povos bárbaros, nada mais foi que um genocídio programado contra os indígenas. De 1836 a 1890, a população de indígenas americanos foi reduzida de 25 milhões de pessoas para 2 milhões.
O Haway, uma ilha do Pacífico, de grande importância estratégica, habitada por polinésios, era inicialmente uma monarquia. No início do século XIX começou a receber colonos brancos americanos disfarçados de pregadores religiosos. Logo esse grupo se apossou das melhores terras para a plantação da cana de açúcar e passou a formar uma minoria dominante no país. Em 1897, a ilha foi anexada aos Estados Unidos para ser a principal base da marinha no Pacífico. Em 1959 se tornou o 50* estado americano.
Se internamente os Estados Unidos foram construídos a ferro e fogo, não foi menor a sua atuação no mundo inteiro, com sangrentas intervenções militares nas Filipinas, Iraque e Cuba, além de atuações militares sob as bandeiras da ONU, OTAN e OEA, na Coréia, Líbia, Balcãs, Panamá e Nicarágua, o que justifica dizer que os Estados Unidos não fazem por merecer a imagem de defensores da democracia e da liberdade.
Se a tudo isso, somarmos o fato de que há menos de 50 anos, muitos dos seus estados eram regidos oficialmente por leis racistas, mesmo que derrotados na guerra civil de 1861 a 1865 e ainda hoje, sua legislação criminal prevê à pena de morte para criminosos, prática praticamente extinta em países ditos democráticos do mundo inteiro, mais razão para se afirmar que é uma grande fantasia, imaginar os Estados Unidos como a terra da democracia e da liberdade.
Marino Boeira é jornalista, formado em História pea UFRGS
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