O jornalista e sociólogo Renato Dias retrata como foram os golpes perpetrados contra a democracia na América Latina; golpismo latino fez vítimas como Getúlio Vargas, João Goulart, Salvador Allende (Chile), Manuel Zelaya (Honduras), Fernando Lugo (Paraguai) e agora volta contra a presidente Dilma Rousseff; "Como no Chile pós-Salvador Allende, o programa apresentado pelo conspirador Michel Temer prevê a redução do tamanho do Estado, a implantação dos cânones do Estado Mínimo, a flexibilização da legislação trabalhista, cortes nos programas sociais, a retirada de porcentuais obrigatórios para Saúde e Educação", alerta
16 de Abril de 2016 às 09:30
Renato Dias, especial para o 247 - Acuado por denúncias de suposta corrupção em O Globo, de propriedade de Roberto Marinho, e na Tribuna da Imprensa, cujo carbonário era o 'corvo' Carlos Lacerda, o nacional-estatista Getúlio Vargas suicidou-se com um tiro no peito em 24 de agosto de 1954. O rumor de botas contra o Palácio do Catete [RJ] tinha a impressão digital de um coronel chamado Golbery do Couto e Silva, que dez anos depois entraria para a História do Brasil republicano.
Com a renúncia da etílica vassoura Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, os homens de farda tentaram impedir a posse do vice, um fazendeiro bonachão, João Belchior Goulart, legítimo herdeiro do getulismo. Não conseguiram na época. Após acusações vis de corrupção e de uma suposta e imaginária montagem de uma República Sindicalista em marcha para o comunismo, em época de guerra fria, fardados e civis depuseram Jango, em 1964.
1964
O Congresso Nacional decretou a suposta vacância do cargo e legitimou o golpe de Estado, abençoado pelos Estados Unidos, que ensaiaram a Operação Brother Sam, e com a água benta da tradicional Ordem dos Advogados do Brasil. Dólares dos EUA e recursos da Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo] financiaram a 'Marcha da Família com Deus e Pela Liberdade'. Os grandes conglomerados de comunicação insuflaram o ódio e clamaram:
- Basta!
A noite escura durou exatos 21 anos, definem Camilo Tavares e Flávio Tavares. De 1964 a 1985, conceitua o historiador Carlos Fico. Doutor da Universidade Federal Fluminense [UFF], o escritor Daniel Aarão Reis Filho afirma que a ditadura inicia-se em 1964 e acaba, de fato, em 1979. De 1979 a 1988 há uma transição entre um Estado de Direito Autoritário para um Estado de Direito Democrático, que seria erguido com a promulgação da Constituição de 1988.
- Uma estranha derrota!
Chile socialista
Eleito em 1970, o médico marxista Salvador Allende despertou o fascismo das classes médias, que saíram às ruas e deflagraram o movimento das batidas em panelas. Os setores primário, secundário e terciário da economia fabricaram crises & crises para a desestabilização política do Estado Socialista inaugurado no Chile. Irrigada com dinheiro sujo, a mídia protagonizou espetáculos. Em 11 de setembro de 1973, o golpe de Estado é deflagrado. O tempo fechou.
- Foram 17 anos de terror e de hegemonia ultraliberal dos 'Chicago boys'.
A deposição do presidente de Honduras, Manuel Zelaya, em junho de 2009, apesar de não ter sido consumada em um clima de guerra fria, teve semelhanças com 1964 no Brasil. Um chefe do executivo com raízes agrárias e que, sob pressão, executa políticas públicas para atender demandas sociais, é deposto, sem base legal, pelas Forças Armadas com referendo do Congresso Nacional. Os EUA reconheceram o ilegítimo e novo governo. Imediatamente.
- Para evitar um novo Hugo Chávez na América Latina.
Paraguai
Espetacular e instantâneo. Assim teria sido o golpe institucional, executado em 48 horas, de 20 a 22 de junho de 2012, no Paraguai, que destituiu o presidente constitucional eleito democra¬ticamente, Fernando Lugo, ligado à Igreja Católica. Ele quebrou longa hegemonia conservadora no País. O Tribunal Superior Eleitoral paraguaio considerou o processo devidamente legal. Os EUA também reconheceram o 'novo governo de plantão' na nação vizinha ao Brasil.
- Um golpe do Congresso Nacional, hoje controlado por maioria conservadora, está em marcha para depor o presidente eleito da Venezuela, o chavista Nicolás Maduro.
Como se faz um golpe
Instabilidade política produzida por um Congresso Nacional de linhagem conservadora, que possui como presidente de uma das Casas de Lei, um réu no Supremo Tribunal Federal, Eduardo Cunha, denúncias de supostos casos de corrupção de Luiz Inácio Lula da Silva, o líder do maior partido de esquerda da América Latina, campanhas ostensivas de desestabilização promovidas pelos grandes conglomerados de comunicação e silêncio na Casa Branca.
Esses ingredientes, temperados com o fascismo das classes médias, como apontado pela filósofa da Universidade de São Paulo [USP], Marilena Chauí, que reinventaram a marcha das panelas do Chile de Salvador Allende, 1973, criam a possibilidade de se aprovar o impeachment de uma presidente da República, Dilma Rousseff, sem ter crime de responsabilidade com as digitais do Palácio do Planalto. Processo ocorrido em tempo recorde.
- Os fantasmas do Paraguai e de Honduras rondam o Brasil.
O velho barbudo Karl Marx dizia que a história se repete, primeiro como tragédia, depois como farsa. A farsa, hoje, é alimentada pela versão jurídica dos supostos crimes cometidos pela ex-guerri¬lhei¬ra da Vanguarda Armada Revolucionária - Palmares, a VAR-Palmares, Dilma Rousseff, for¬mulados pela Ordem dos Advogados do Brasil, a mesma que abençoou o golpe de 1964. Com re¬cursos financeiros arrecadados pela Fiesp.
- A mesma que auxiliou a derrubada de João Goulart.
Semelhanças
Como no Chile pós-Salvador Allende, o programa apresentado pelo conspirador Michel Temer, distante do perfil litúrgico de exercício do cargo protagonizado por José Alencar, um liberal, chamado de "Uma ponte para o futuro", prevê a redução do tamanho do Estado, a implantação dos cânones do Estado Mínimo, a flexibilização da legislação trabalhista, cortes nos programas sociais, a retirada de porcentuais obrigatórios para Saúde e Educação.
O golpe de Estado deve ser consumado. Apesar disso, haverá uma forte e coesa oposição parlamentar. Na Câmara Federal e no Senado da República. Trabalhadores sairão das ruas para protestar. Dia e noite. É o que promete o ex-operário metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, que deverá aposentar o figurino do 'Lulinha paz e amor'. Nas redes sociais, a sociedade civil se informará e se mobilizará por seus direitos. Tempos sombrios e de disputas virão por aí.
- O jogo não terminou!
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