Conhecido como o "docente dos presos políticos", Samir Kuntar passou 29 anos na prisão, onde conseguiu completar os estudos e se formar em Ciências Sociais e Políticas. Libanês de família druza, na década de 70, ainda muito jovem, lutava ao lado dos palestinos contra a ocupação israelense.
Por Simão Yahia*, para o Vermelho
Em 1979, com apenas 16 anos, participou de uma operação militar para sequestrar colonos armados israelenses que viviam nos territórios palestinos ocupados, com o objetivo de usá-los como moeda de troca para libertar presos palestinos em Israel. Durante a operação, a polícia israelense conseguiu cercar a residência na qual Kuntar mantinha como reféns um colono e sua filha. Houve troca de tiros e, no fogo cruzado, o colono israelense e sua filha foram atingidos fatalmente, enquanto Samir teve o braço ferido. Detido, a justiça de Israel imputou-lhe a culpa pelas mortes, condenando-o a 400 anos de prisão. Samir sempre negou a responsabilidade, afirmando que o tiroteio resultou de uma fatalidade.
Para o regime sionista de Israel, nenhuma circunstância faria com que Samir fosse libertado. Eis que a resistência libanesa, protagonizada pelo Hezbolá, conseguiu tal façanha. O líder da resistência, Sayed Hassan Nasrallah, declarou que é direito do povo libanês e obrigação moral resgatar todos os libaneses presos políticos e trazê-los de volta à terra de origem, o Líbano. Em 2006, Hezbolá realiza uma operação minuciosa nas terras conhecidas como Fazendas de Shebaa, território libanês ocupado ilegalmente por Israel, na qual capturou dois militares israelenses para iniciar um processo de troca que libertaria os libaneses presos em Israel.
O Exército Sionista de Israel não admitiu tal situação e decidiu atacar o Líbano e invadiu o país em julho de 2006. Os objetivos israelenses eram resgatar os dois soldados, enfraquecer militarmente o Hezbolá e ocupar novamente o território do sul do Líbano.
Após 33 dias de combate intenso, a vitória histórica da resistência libanesa se mostrou no campo militar e político. No campo militar, basta olharmos alguns dados dos últimos dias de guerra, onde dezenas de tanques israelenses merkava foram destruídos e centenas de militares sionistas mortos, fazendo com que recuassem e se retirassem às pressas do território libanês. A vitória política é mais óbvia, pois Israel não conseguiu resgatar os reféns e nem enfraquecer militarmente o partido libanês, o qual conseguiu resistir e impor suas condições de troca nos anos seguintes.
Vale ressaltar que, na medida em que o exército israelense ia percebendo que seus objetivos não estavam sendo alcançados e que militarmente não estavam dando conta do recado, surgiam novos objetivos circunstanciais, a exemplo de castigar a população civil por seu apoio à resistência, cometendo o que muitos denominaram de "terrorismo de Estado". Foi uma catástrofe e derrota humanitária ao Líbano que somou mais de mil civis libaneses mortos, incluindo um grande número de crianças e mulheres, além da destruição de centenas de casas.
Em 2008 a vitória libanesa se completa, pois o Hezbolá logra libertar todos os libaneses das prisões israelenses. Os libaneses têm orgulho deste feito épico e receberam com honra e heroísmo os prisioneiros, em especial Samir Kuntar. Na presença de uma multidão de centenas de milhares de pessoas, juntamente às autoridades nacionais e ao então presidente cristão Emil Lahud, Kuntar proferiu um discurso emocionante e cheio de vida, no qual afirma que foi liberto das prisões na Palestina com a única vontade de voltar e lutar contra a ocupação sionista. Para homenagear os libertários libertados, o líder da resistência, Sayed Hassan Nasrallah, aparece pessoalmente, os cumprimenta e declama algumas palavras à multidão: "Como eu disse no ano de 2000 [ocasião em que o Hezbolá expulsou todo o exército israelense que ocupava o Sul do Líbano]: esgota-se a era das derrotas e brota-se a era das vitórias".
Samir Kuntar é considerado herói pelo povo libanês porque entregou sua vida na luta pela liberdade do Líbano e pela libertação da Palestina. Sua dedicação, seu amor e sua disciplina não permitiram que se entregasse ou desanimasse neste caminho pelo que é justo. O povo libanês jamais cogitou a ideia de acreditar na propaganda israelense que tentou imputar um crime sob os ombros deste resistente. Samir foi um exemplo de luta para todos os povos oprimidos do mundo e é um herói do povo libanês.
Dia 19 de dezembro de 2015, um míssil israelense invadiu o espaço aéreo sírio e atingiu a cidade de Jaramana, na qual o alvo era Samir Kuntar. Seu enterro foi acompanhado por uma multidão de libaneses, em uma linda e emocionante procissão digna de um herói nacional.
"Desde que escolhi o caminho da luta para libertar da opressão nosso povo na Palestina e no Líbano, eu estava certo que no final deste caminho, o qual escolhi com extrema convicção, eu encontrarei ambos: a vitória e o martírio" (Samir Kuntar, 2015).
*Simão Yahia é economista
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