Marcus Eduardo de Oliveira (*)
O Brasil está com um pé no século XXI, mas o outro permanece fincado no século XIX. Essa característica dúbia, fruto da tardia transição entre a sociedade agrária para a sociedade urbano-industrial, faz do Brasil um país diferenciado capaz de conviver com realidades destoantes. A mais aguda delas certamente é a desigualdade social e, dentro dessa, realça o fator pobreza extrema.
Essa pobreza tem sido marcada pela fome, embora estejamos num país com mais de 600 milhões de hectares de terras férteis. No entanto, essas estão em poucas e mal aproveitadas mãos. Herança de 400 anos de latifúndio. Aqui a fome de muitos se mistura ao sucesso do agrobusiness. A falta de alimentos convive com a exportação de vitaminas, de carnes e de suco de laranja, ainda que incontáveis sejam as crianças que nunca tiveram a oportunidade de beber desse suco.
No passado, nos fizeram acreditar que bastava a economia crescer que os problemas sociais logo seriam resolvidos. Crescemos, e daí? De 1870 a 1980, o PIB cresceu mais de 150%. Daqui até 2030 crescerá também mais de 150%. No entanto, no primeiro intervalo de tempo mencionado, apenas concentramos mais que distribuímos todo esse crescimento. Somos o quarto pior país em termos de concentração de renda do mundo.
Ainda hoje não é raro encontrar aqueles que insistem em dizer que esse país se desenvolveu. Será?
Não! A verdade é que apenas nos modernizamos, pois, como disse Celso Furtado, como é possível falar em desenvolvimento com tanta gente atormentada pela miséria. É assim, todavia, que convivemos com o moderno e o arcaico. Dessa forma, os problemas econômicos e sociais continuam se avolumando, e, pelo caminho, vai deixando suas vítimas estiradas ao chão. Exagero, dirão alguns. Creio que não. Em pleno século XXI ainda há gente morrendo de fome nessas terras em que se plantando tudo dá. Essa patologia, por aqui, parece ser endêmica.
Somos um país com capacidade de fabricar e exportar aviões, mas 1/3 das residências ainda não tem água encanada. Somos donos de uma das melhores cirurgias plásticas do mundo, mas os rostos enrugados de nossos idosos ainda são muito mal tratados pelos baixos salários baixos vindos do INSS. Os pés descalços de nossas crianças convivem com a exportação de calçados de primeira qualidade para o mundo rico. Continuamos a adoçar as bocas dos europeus, não a de nossa gente. Exportamos alimentos que não chega à mesa de muitos brasileiros. O tempo médio de escolaridade por aqui é semelhante aos dos países mais atrasados menos de cinco anos. A dengue ainda mata gente. O analfabetismo (formal e digital) é alto e a desigualdade é parecida com a dos tempos feudais. Para arrumar a casa, falam em reformas. No entanto, elas não acontecem.
Quais seriam essas? Primeiramente, a tributária (hoje quem ganha muito paga pouco e quem ganha pouco paga muito); a social (ainda não foi consolidado o estado de bem-estar social, em que pese avanços assegurados pela Constituição de 1988), e, por fim, a agrária (que mantém intacta a estrutura fundiária oriunda das Capitanias Hereditárias). Esse somatório de situações apenas reforça a convivência do moderno com o arcaico.
(*) Economista e professor universitário.
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