Os negros e os árabes
A democracia para todos é ainda uma utopia perseguida pela humanidade. Na Grécia, onde a palavra foi inventada para caracterizar um governo onde a soberania seria exercida pelo povo, o conceito de povo não abrangia os escravos, nem as mulheres
Os ingleses têm uma tradição democrática de séculos, mas implantaram um sistema cruel de colonialismo na África e na Ásia, onde o exercício democrático era restrito aos brancos colonizadores.
Na África do Sul, por exemplo, seus descendentes perpetuaram um dos regimes mais excludentes do mundo, o apartheid, que negava aos negros os direitos democráticos mais elementares. Foi preciso uma longa luta, que conjugou ações políticas e também armadas, para que os negros pudessem construir um país, onde a mais importante conquista democrática, a igualdade racial, fosse respeitada.
Nelson Mandela, que hoje é reconhecido, até mesmo pelos antigos colonizadores, como um defensor da Paz, foi também o comandante militar do movimento Lança de uma Nação, o braço armado do seu partido o CNA.
A conclusão que se pode tirar é que mesmo um país que adote um sistema democrático interno para o seu povo, pode se transformar num algoz para outros povos e que, os que comandam a resistência desses povos contra os invasores vindos de um país democrático, mesmo sendo chamados de terroristas (Mandela foi condenado por ações consideradas terroristas) podem ser considerados heróis para seus povos.
Você lê sempre nos jornais que Israel é uma democracia que respeita seus cidadãos. Realmente é verdade. Israel tem uma das democracias mais estáveis do Oriente Médio. Pena, que seja apenas para os seus cidadãos. Os árabes, que viram suas terras tomadas pelos judeus, quando da constituição do Estado de Israel, não têm acesso aos mesmos direitos democráticos.
Pior do que isso: hoje sofrem a ação militar de Israel, que a pretexto de combater guerrilheiros, avança sobre um dos poucos pedaços de terra que ainda sobrou para os árabes da Palestina, a estreita Faixa de Gaza.
Os jornais ocidentais costumam chamar a atenção para o fato de que em Israel as crianças têm educação e as mulheres não são obrigadas a sair à rua debaixo de panos pretos, certamente lembrando a burka que veste as mulheres árabes onde o fundamentalismo muçulmano é mais atuante.
Os brancos que comandavam a África do Sul também davam as suas crianças a melhor educação possível e desprezavam as mulheres negras que viviam nos guetos raciais das maiores cidades. Quando Mandela iniciou sua luta, a população da África do Sul era composta por dois milhões de brancos e oito milhões de negros;
Quando a ONU partilhou a Palestina, lá viviam 1milhão e meio de árabes e 600 mil judeus. Embora Israel defenda seus direitos históricos sobre a região, o certo é que os judeus só começaram a chegar a Palestina em grande número depois da Primeira Guerra Mundial.
Em 1917, o governo inglês, através de Lord Balfour, prometeu ao Presidente da Federação Sionista Britânica, o banqueiro Lord Rothschild, que a Inglaterra apoiaria a criação na Palestina de Um Lar Nacional para o Povo Judeu, em troca do apoio financeiro da poderosa e rica comunidade judaica à guerra que os ingleses travavam contra o Império Otomano pelo domínio da região.
Foi este apoio e mais tarde as revelações sobre o holocausto do povo judeu na Alemanha nazista, que criaram as condições para o surgimento do Estado de Israel, ocupando uma grande parte das terras até então pertencentes aos árabes
Desde então, o Estado de Israel, cada vez mais comandando por agrupamentos políticos de direita, em lugar dos antigos fundadores do País, quase todos de origem socialista e trabalhista, tem se dedicado a negar aos seus vizinhos árabes os mesmos direitos que desfrutam o povo judeu, assim como faziam os brancos em relação aos negros da África do Sul;
Não é por acaso, que Israel foi um dos últimos países do mundo a condenar o apartheid, mantendo relações econômicas e políticas com a África do Sul até o final do seu governo racista.
Quem condenou o racismo dos nazistas contra os judeus, dos colonizadores brancos contra a população negra africana, tem que condenar também, o mesmo sentimento dos israelenses em relação aos árabes da Palestina
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS
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