Vejam aqui o que a 'mídia' não está noticiando sobre testes recentes dos mísseis da Coreia do Norte.
2ª-feira passada, a RPDC disparou um míssil balístico de alcance médio Hwasong-12 que sobrevoou a ilha Hokkaido do Japão. O míssil caiu na água, além da ilha, sem causar dano nem humano nem a qualquer propriedade.
Mike Whitney, Counterpunch
Tradução: Vila Vudu
A 'mídia' passou a condenar imediatamente o teste como "ato grosseiro e provocativo" que mostrou que o Norte estaria desafiando resoluções da ONU e manifestando "desprezo pelos vizinhos". O presidente Trump criticou fortemente o teste do míssil:
"Ações de ameaça e desestabilização só aumentam o isolamento do regime da Coreia do Norte na região e em todo o mundo. Todas as opções estão sobre a mesa."
O que a 'mídia' não diz é que, durante as três últimas semanas, Japão, Coreia do Sul e EUA estão fazendo vastas manobras militares conjuntas na Ilha Hokkaido e na Coreia do Sul. Esses jogos de guerra desnecessariamente provocativos visam a simular uma invasão do Coreia do Norte e operação de "decapitação" do regime (assassinar o líder). Kim Jong-un da RPDC pediu incontáveis vezes que os EUA pusessem fim àquelas manobras, mas os EUA fizeram como se nada estivesse acontecendo. Os EUA reservam-se o direito de ameaçar qualquer um, a qualquer momento e em qualquer ponto, inclusive bem perto de casa. É parte do que faz a excepcionalidade dos EUA. Vejam esse excerto de artigo da Fox News:
"Mais de 3.500 soldados Norte-americanos e japoneses iniciaram na 5ª-feira manobras militares que se estenderão por semanas, contra o regime cada vez mais beligerante da Coreia do Norte. O exercício, chamado Northern Viper 17 [Víbora do Norte 17], acontecerá em Hokkaido - principal ilha do extremo Norte do Japão - só será encerrado dia 28 de agosto (...).
"Estamos aprimorando nossas condições de prontidão, não só no ar, mas como equipe de apoio logístico," disse o coronel R. Scott Jobe, comandante da 35ª Ala Aérea de Combate, em declaração. "Estamos em localização privilegiada para objetivos de contingência e esse exercício só ampliará nossa prontidão no caso de que ocorra cenário mundial real." ("US, Japanese troops begin joint military exercise amid North Korea threat", Fox News).
O teste do míssil da 2ª-feira (o míssil sobrevoou a ilha Hokkaido) foi realizado apenas poucas horas depois do fim dos jogos de guerra. A mensagem era clara: A RPDC não se deixará humilhar publicamente sem reagir. Em vez de mostrar fraqueza, a RPDC mostrou que está preparada para se defender no caso de agressão estrangeira. Em outras palavras, o teste NÃO FOI apenas ato de provocação (como a 'mídia' fez crer), mas resposta modesta e bem pensada, emitida por um país que conheceu 64 anos de ataques incansáveis, sanções, demonização e provocação com barulho de sabres, vindos de Washington. A RPDC respondeu porque as provocações de Washington de modo algum poderiam ficar sem resposta. Fim de conversa.
E o mesmo é verdade quanto ao teste de três mísseis de curto alcance que o Norte fez semana passada (dois dos quais aparentemente se desencaminharam logo depois de disparados). Aqueles testes foram resposta a manobras militares conjuntos na Coreia do Sul, que duraram três semanas e que envolveram 75 mil soldados, centenas de tanques, blindados, veículos híbridos, artilharia pesada, uma frota naval completa e sobrevoos por esquadrões de jatos de combate de última geração e bombardeiros estratégicos. Queriam o quê?! Que a RPDC lá ficasse sentada sobre as mãos, assistindo impassível àquela perigosa provocação militar, ali bem debaixo do seu nariz???
Claro que não. Imaginem se a Rússia fizesse operação semelhante sobre a fronteira do México, enquanto a frota russa realizava manobras "de fogo vivo" a três milhas ao largo da Baía de San Francisco. Qual teria sido a reação de Trump?! Teria feito voar pelos ares aqueles barcos, mais depressa do que você diz "Jackie Robinson", certo?
Assim sendo, por que dois pesos e duas medidas, quando se trata da RPDC? Molho para pato é molho para ganso.
A RPDC deve ser aplaudida por mostrar que não se deixará intimidar pela perseguição de pátio de colégio. Kim sabe que qualquer confronto com os EUA terminará mal para o Norte e, mesmo assim, não cedeu nem se deixou ofender pelos patéticos 'líderes' da Casa Branca. Muito bem, Kim, força!
Por falar nisso, a resposta de Trump ao teste do míssil na 2ª-feira foi marginalmente coberta pela mídia dominante, e por boas razões. Dois dias depois aconteceu o seguinte.
Na 4ª-feira, um grupo comandado pelos EUA de jatos de combate F-35B, F-15 e bombardeiros B-1B fizeram operações militares em área de treinamento a leste de Seul. O B-1B, que é bombardeiro nuclear de baixa altitude deixou cair suas bombas de brinquedo exatamente sobre seu alvo e retornou à base. A manifestação de força visava a enviar uma mensagem a Pyongyang: Washington não está contente com seus testes de mísseis e está preparada para usar armas atômicas contra o Norte, se não obedecer ao que Washington ordenar.
Quer dizer que Washington está pronta para despejar bombas atômicas contra a RPDC, se Kim não se comportar? Se Kim não obedecer?
Se não é, parece. Mas quem sabe? Em todos os casos Kim foi empurrado para posição na qual sua única alternativa é manter-se firme e defender-se. Caso dê qualquer sinal de fraqueza, ele sabe que acabará como Saddam e Gaddafi. E isso, claro, só faz tornar a retórica cada vez mais violenta. Porque o Norte quer evitar, a qualquer custo, para si, um cenário de Gaddafi. (Por falar disso, a razão pela qual Kim ameaçou disparar mísseis para as águas que cercam Guam é que ali está instalada a base Anderson da Força Aérea dos EUA, de onde partiram os bombardeiros B-1B armados que já há algum tempo insistem em sobrevoar a Península Coreana. O Norte entende que não pode deixar sem resposta esse tipo de ameaça existencial.)
Claro que a mídia ajudaria se mencionasse esses fatos da vida real, muito mais do que ajuda hoje, quando só faz pintar Kim como cachorro louco contra EUA 'totalmente inocentes' que vivem de promover a paz pelo mundo. Tenham a santa paciência!
Nada mais difícil que encontrar jornal ou televisão que não reflita o viés e a hostilidade de Washington. Surpreendentemente, apareceu um artigo bastante decente na CBS News, semana passada, assinado por um ex-oficial da inteligência ocidental com décadas de experiência na Ásia. Só encontrei esse artigo, o único, que explica acuradamente o que realmente se passa, fora da realidade paralela criada pela propaganda. Vejam:
"Antes da posse do presidente Trump, a Coreia do Norte deixou bem claro que estava preparada para dar tempo ao novo governo dos EUA, para que revisasse suas políticas e oferecesse coisa melhor do que Obama oferecera. E a Coreia do Norte disse também que, se os EUA mantivessem as manobras militares monstro programadas com a Coreia do Sul (especialmente se viessem acompanhadas de mais conversa sobre "decapitação" e de mais voos de bombardeiros estratégicos sobre a península da Coreia), o Norte reagiria fortemente.
Em resumo, os EUA continuaram com os planos, e a RPDC reagiu.
Por trás do palco, prosseguiram os contatos, mas não tiveram força. Em abril, o líder da RPDC, Kim Jong Un, desfilou os novos mísseis, sempre sem qualquer reação dos EUA. O regime lançou seus novos sistemas, um depois do outro. E a abordagem de Washington não mudou." (Analysis: Pyongyang's view of the North Korea-U.S. crisis", CBS News)
1. Assim sendo, agora conhecemos a verdade: o Norte usou seu melhor míssil e está muito desconfiado, sobretudo porque Washington não quer negociar. Nesse quadro, em que o Norte está-se organizando com parceiros (Rússia e China), os EUA apertam o embargo e ameaçam mais e mais guerra. É a solução de Trump. Aqui, mais um trecho daquele mesmo artigo:
"Dia 4 de julho, depois do primeiro teste bem-sucedido de lançamento de seu míssil balístico intercontinental (ing. ICBM), Kim mandou sinal público de que a RPDC poderia pôr "sobre a mesa" os seus programas nuclear e de mísseis, se os EUA não mudassem a abordagem.
Os EUA nada mudaram, e o Norte lançou mais um ICBM, com o deliberado objetivo de alertar os EUA para a evidência de que a RPDC é coisa que se deve levar a sério. Mesmo assim, os bombardeiros B-1 foram mandados sobrevoar a Península e o Conselho de Segurança da ONU aprovou mais sanções" (CBS News).
Era claro que o Norte falava sério, mas os EUA continuaram a bater no peito. Kim provavelmente ouviu informes sobre Trump, que seria empresário adestrado na negociação, que talvez inventasse alguma novidade. Não aconteceu. Trump mostrou-se ainda mais violento e 'discurseiro' que Obama. Pior impossível. Não apenas se recusou a negociar, mas, pior, pôs-se a gritar ameaças belicosas, praticamente todos os dias. Não era o que o Norte esperava. Eles contavam com líder "não intervencionista", que talvez fosse mais receptivo.
A situação atual deixou Kim sem boas alternativas. Ele pode ou ceder e extinguir seu programa de mísseis, ou aumentar a frequência dos testes e contar com a possibilidade de assim pavimentarem a trilha para negociações. Kim escolheu a segunda alternativa.
Escolheu mal? Talvez.
Fez escolha racional? Sim, fez.
O Norte está apostando em que seu programa nuclear será valiosa moeda de barganha para negociações futuras com os EUA. O Norte não tem planos de bombardear a costa oeste dos EUA. É ridículo! Esse ato nada faria acontecer. O Norte quer preservar o próprio regime, buscar que os EUA lhe deem garantias de segurança, que levantem o embargo, que normalize as relações com o Sul, que tire os EUA dos negócios políticos da Península, e (com sorte) ponha fim nos 64 anos de ocupação pelos EUA, infindável, sempre irritante e de provocação. Yankee go home. Façam-nos o favor.
Resumo da ópera: O Norte está pronto para negociar. Eles querem negociar. Querem pôr fim à guerra. Querem sair do pesadelo que se arrasta há 64 anos, para tocar a vida. Mas Washington não admitirá nada disso, porque Washington gosta do status quo. Washington quer ser personagem sempre presente na Coreia do Sul, porque assim conseguem cercar Rússia e China com sistemas de mísseis letais e expandir seu controle geopolítico, sempre para empurrar o mundo para o mais próximo possível do Armagedon nuclear.
Isso é o que Washington quer. Esse é o motivo pelo qual a crise na Península Coreana continuará a ferver.*****
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