EUA versus Coreia do Norte. Surge de imediato a primeira dúvida. Encontramo-nos diante do confronto entre duas nações ou tão só nos deparamos com dois políticos - Donald Trump e Kim Jong-un - tidos por muitos como doidivanas, mas por vários outros como indivíduos sagazes ...
Iraci del Nero da Costa *
EUA versus Coreia do Norte. Surge de imediato a primeira dúvida. Encontramo-nos diante do confronto entre duas nações ou tão só nos deparamos com dois políticos - Donald Trump e Kim Jong-un - tidos por muitos como doidivanas, mas por vários outros como indivíduos sagazes que buscam por vias condenáveis e despudoradas projeções internacionais mais amplas do que aquelas pelas quais já são, quase sempre pejorativamente, identificados? Este desconforto analítico que nos assoma é apenas o início de um infindo número de questionamentos quase sempre irrespondíveis que se avolumam conforme avançam nossas observações sobre o aludido enfrentamento.
Iniciemos, não obstante, nossas elucubrações.
Ao avaliarmos as explosivas falas do trêfego presidente norte-americano e do desabrido ditador norte-coreano talvez seja aconselhável desprezarmos suas pretensas intenções beligerantes e os tomarmos como meros falastrões que apenas estão tentando ocupar o proscênio da vida política mundial não pretendendo, portanto, levar avante, minimamente, suas promessas atômicas. Ao que parece, admitida esta perspectiva, tais delirantes dilacerações verbais apenas revelam o nível astronômico com que cada um desses dois enfatuados veem a imensa dimensão que lhes poderá ser reservada, em face do grau ínfimo reservado pela história para suas rasteiras e ignominiosas biografias políticas, tanto no âmbito interno de seus países como no da esfera planetária.
Até que ponto a interpretação posta acima corresponde à verdade? A resposta imediata é: Não sabemos. Ou seja, a esse devaneio devemos emprestar o epíteto de mera hipótese subjetiva, vale dizer, tem ele de ser encimado pela necessária qualificação: Aparentemente estão os dois presidentes tentando ocupar... Ademais, em seu fecho sempre seremos obrigados a acrescentar: Vemo-nos, pois, obrigados a esperar o tempo passar a fim de verificarmos quais novas ações adotarão os dois protagonistas deste malfadado diálogo. Mesmo assim ainda restará a possibilidade de os dois oponentes continuarem a agir como litigantes desinteressados em dar fim ao que também podemos chamar de dois desditosos monólogos!
Além dessas nossas dúvidas sempre poderemos encontrar alguém que nos advirta estarem igualmente confusos e titubeantes quase todos demais países podendo mesmo algum, caso do Japão, estar a contribuir para a eventual encenação ora em curso. Detenhamos na conjuntura japonesa antes de considerarmos outras nações.
Como sabido, o Japão decidiu instalar um sistema de defesa antimísseis terra-ar em algumas zonas do país visando a proteger-se de possíveis ataques norte-coreanos. A questão que fica, acima explicitada, é imediata: até que ponto tal ação atua de sorte a difundir a crença de que realmente pode ocorrer o lançamento de mísseis por parte da Coreia do Norte? Por outro lado pode-se arguir: e se o Japão não tomasse tal medida e houvesse uma arremetida, até que ponto poder-se-ia acusar os japoneses de relapsos e incapazes? Como se deduz, os nipônicos, guiados pela lógica, foram obrigados a efetuar a instalação em foco.
Será esse o motivo pelo qual as demais nações, afora os EUA e a Coreia do Norte, não ridicularizam tanto Trump como Kim Jong-um tachando-os de farsantes infames? Caso tais entes denunciassem o caráter puramente propagandístico desses dois políticos parariam eles com a nefasta tragicomédia na qual se teriam engalfinhado?
Eis-nos mais uma vez enquadrados e subjugados pela lógica, pois ambos os presidentes não só poderiam dar continuidade à farsa como também levar o planeta a uma guerra atroz.
E a China, que a meu ver abriga homens capazes e políticos largamente experientes, porque fica ela em aparente silêncio embora tenha providenciado restrições com respeito ao comércio com o regime de Pyongyang? Sobre esta última afirmação vale lembrar que a representação da China na ONU apoiou e adotou as sanções impostas ao governo norte-coreano pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas em resposta aos lançamentos de dois mísseis intercontinentais por Pyongyang no mês passado, assim, a contar do dia 15 deste mês de agosto, dar-se-á a proibição total da importação de carvão, ferro, chumbo e pescado produzidos pela Coreia do Norte. Como divulgado pelo jornal O Estado de S.Paulo aos 14 próximo passado: "Pequim assegurou que apoiava totalmente estas medidas, ainda que ressaltando a necessidade de que não afetassem excessivamente a economia norte-coreana. 'Devem evitar efeitos negativos contra atividades econômicas e cooperação que não estejam proibidas', como a ajuda humanitária ou a troca de alimentos, destacou na semana passada o porta-voz do Ministério de Assuntos Exteriores chinês Geng Shuang." (Cf. http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,china-proibe-importacao-de-carvao-ferro-chumbo-e-pescado-norte-coreano,70001935509). Esta postura da China, a nosso juízo, parece indicar que esta nação considerou relegado ao desprezo o acordo que os presidentes Vladimir Putin, da Rússia, e Xi Jinping, da China, formularam em julho deste ano; segundo a proposta desses dois líderes "a Coreia do Norte suspenderia seu programa de mísseis balísticos, enquanto EUA e aliados sul-coreanos anunciariam moratória dos exercícios militares conjuntos." (Cf. artigo de Jaime Spitzcovsky no jornal Folha de S.Paulo, 14/08/2017, p. A15). No entanto, tal proposição, que teria o condão de dar fim ao litígio entre os dois países nele envolvidos, foi ignorada. Talvez tanto Trump como Kim Jong-um tenham considerado que se aceitassem tal solução seriam condenados ao absoluto silêncio, pois a proposição prevê para ambos a completa inação e o término de suas desatinadas declarações bélicas.
No entanto ainda permanece a pergunta: Poderia o governo chinês fazer calar e evitar as atitudes agressivas do ditador norte-coreano? Sobre isto nada sabemos, apenas nos inquieta o aludido silêncio da grande potência asiática.
Será tal quietude apenas aparente? Será ela a confirmação de que os chineses não acreditam nos dois presidentes ou será que também temem um embate devastador? Ou será que estão a se deliciar com as fanfarronices desmoralizantes desses dois "inimigos" palradores enquanto crescem economicamente e alargam sua influência em escala universal? Qual destas inquirições mereceria uma resposta afirmativa?
Vladimir Putin, por seu turno, que também apoiou a resolução da ONU referida acima, não divergiria dos demais líderes internacionais de grande porte e com eles compartilharia a opinião de que não se pode ter certeza das reais opções perfilhadas por Trump e seu oponente.
Muitas outras perguntas poderiam ser feitas, hipóteses com facetas variadas acomodar-se-iam facilmente neste texto porém, como se é obrigado a inferir, as respostas restringir-se-iam, em termos absolutos, ao imprevisível.
Vive-se, pois, um momento histórico no qual todos pedem calma e desejam que tudo não passe de uma inconveniente parvoíce, mas ninguém arroja-se a um protagonismo que poderá ser derruído em segundos em decorrência do simples apertar do botão capaz de dar início a uma apavorante guerra nuclear.
* Professor Livre-docente aposentado.
Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter