Timoleón Jimńez, Comandante em Chefe das FARC: "Nossa única arma será a palavra"
Minhas primeiras palavras, após a firma deste Acordo Final, vão dirigidas ao povo da Colômbia, povo bondoso que sempre sonho com este dia, povo abençoado que nunca abandonou a esperança de poder construir a pátria do futuro, onde as novas gerações, isto é, nossos filhos e nossos netos, nossas mulheres e homens, possam viver em paz, democracia e dignidade, pelos séculos dos séculos.
Penso também nos marginalizados que povoam os cinturões de miséria desta Cartagena, a Cidade Heroica, que, desejando estar aqui nesta celebração, não puderam fazê-lo. A eles e elas lhes estendo minha mão de irmão e os abraço com o coração. Vocês, junto ao restante da sociedade colombiana, também serão artífices da semeadura da paz que apenas começa.
Se diz que esta legendária cidade de mar, de praias preciosas, de brisa, de muralhas antigas, de história corajosa e gente extraordinária conseguiu enamorar a nosso Nobel Gabriel García Márquez, quem chegou a dizer: "me bastou com dar um passo dentro da muralha para vê-la em toda sua grandeza à luz violeta das seis da tarde, e não pude reprimir o sentimento de ter voltado a nascer". Pois assim estamos hoje com certeza os que assistimos a este ocaso do dia em que renascemos para lançar a andar uma nova era de reconciliação e de construção de paz.
Compatriotas: esta luta pela paz, que hoje começa a dar seus frutos, vem desde Marquetalia impulsada pelo sonho de concórdia e de justiça de nossos pais fundadores, Manuel Marulanda Vélez e Jacobo Arenas, e mais recentemente pela perseverança do inesquecível comandante Alfonso Cano. A eles, e a todos os caídos nesta gesta pela paz, nosso eterno reconhecimento.
Como vocês sabem, a X Conferência Nacional de Guerrilheiros das FARC-EP referendou de maneira unânime os Acordos de Havana e mandatou a criação do novo partido ou movimento político, o qual configura a passagem definitiva da forma de luta clandestina e levantamento armado à forma de luta aberta, legal, para a expansão da democracia.
Que ninguém duvide que vamos para a política sem armas. Preparemo-nos todos para desarmar as mentes e os corações.
Doravante, a chave está na implementação dos acordos, de tal maneira que o escrito no papel cobre vida na realidade. E para que isso seja possível, ademais da verificação internacional, o povo colombiano deverá se converter no principal garantidor da materialização de todo o pactuado.
Nós vamos cumprir, e esperamos que o governo cumpra.
Nossa satisfação é enorme ao constatar que o processo de paz da Colômbia já é uma referência para a solução de conflitos no mundo.
Quanto desejamos que a autoridade palestina e Israel encontrem o caminho da reconciliação. Como desejamos de coração que na Síria se silenciem as bombas e o horror de uma guerra que vitimiza a um povo, que o desterra e o obriga a lançar-se ao mar em botes inseguros para buscar refúgio em países que também os rechaçam, e os reprimem, sem nenhum sentimento de humanidade. Paz negociada para a Síria, pedimos desde ultramar, desde Cartagena de Índias!
Paz para o mundo inteiro; não mais conflitos bélicos com seus terríveis dramas humanos, nos quais mulheres, meninas e meninos comovem com suas lágrimas e tristezas.
Com o Acordo que hoje subscrevemos, aspiramos pôr um ponto final em Colômbia à longa história de lutas e enfrentamentos contínuos que dessangraram nossa pátria, como destino cruel e fatal desde precoces épocas. Só um povo que viveu entre o espanto e os padecimentos de uma e outra guerra, durante tantas décadas, podia tecer pacientemente os sonhos de paz e justiça social, sem perder nunca a esperança de vê-las coroadas por caminhos distintos à confrontação armada, mediante a reconciliação e o perdão. Um povo que anseia que a perseguição, a repressão e a morte e o acionar paramilitar, que ainda persistem, assim como múltiplas causas do conflito e da confrontação, possam ser superadas em forma definitiva.
A mais recente cúpula da CELAC determinou, com o consenso de todos os países da América Latina e do Caribe, que esta parte do mundo deve ser um território de paz. O Acordo Final de Havana chega a ratificar esse propósito pondo fim ao mais longo conflito do continente. A Terra inteira deveria ser declarada território de paz, sem espaço algum para as guerras, para que todos os homens e mulheres do orbe possamos chamar-nos e atuar como efetivamente somos, irmãos e irmãs sob a luz do sol e da lua, deixando para trás qualquer faísca de miséria e desigualdade.
O tratado de paz que subscrevemos hoje em Cartagena não só põe fim a um conflito nascido em Marquetalia, no ano de 1964, como também aspira a cerrar para sempre a via das armas, tão longamente transitada em nossa pátria. Quem sabe que vandálico se não tomou posto em amplos setores da classe dirigente colombiana, desde o próprio grito da independência de Espanha, pois as incontáveis guerras civis do século XIX proporcionam o lúcido testemunho da odiosa mania de pretender solucionar todas as diferenças a tiros, eliminando fisicamente ao contendor político e não derrotando suas ideias com apoio popular; encobrindo dessa forma propósitos obscuros para a preservação e prolongação de um regime de privilégios e de enriquecimento em benefício próprio.
Em nosso parecer, toda forma de violência é em sentido filosófico e moral um atentado contra a humanidade inteira, porém dolorosamente constitui por sua vez um dramático testemunho da história humana.
Se alguma coisa a história tem demonstrado é que não há povo que suporte indefinidamente a brutalidade do poder, ainda que depois o chamem com os apelativos que queiram. Do mesmo modo, os povos, vítimas iniciais e finais de todas as violências, são por sua vez os primeiros em sonhar e desejar a paz e a convivência arrebatadas. Todo povo ama seus meninos e meninas e sonha com esperança um futuro feliz para eles. Essa tem sido nossa incessante busca.
Pactuamos em Havana a realização de rigorosas investigações sobre o esclarecimento da verdade histórica do conflito colombiano. Deixemos, portanto, a elas as conclusões finais. Porém que se reconheça que as FARC-EP sempre tentamos, por todos os meios, evitar à Colômbia as desgraças de um prolongado enfrentamento interno. Outros interesses, demasiado poderosos no plano internacional e nos centros urbanos e nos campos do país se encarregariam de inclinar a balança no sentido contrário através de múltiplos meios e de uma intensa ação comunicativa na qual a manipulação midiática e a mentira fizeram parte do pão de cada dia.
Não obstante, jamais se poderá apagar da história que, durante mais de trinta anos, cada processo de paz significou uma conquista da insurgência e dos setores populares que o exigiam. E que, portanto, temos pleno direito a declarar como uma vitória destes a subscrição deste Acordo Final pelo Presidente Juan Manuel Santos e a comandância das FARC-EP. Sendo igualmente justos, há que dizer que este tratado de paz é também uma vitória da sociedade colombiana em seu conjunto e da comunidade internacional.
Sem esse amplo respaldo social e popular que foi crescendo ao longo e ancho da pátria durante estes últimos anos, não estaríamos frente a este magnífico acontecimento da história política do país. Hoje devemos agradecer, por sua contribuição na conquista deste propósito coletivo, às mulheres e aos homens desta bela terra colombiana, aos campesinos, indígenas e afrodescendentes, aos jovens, à classe trabalhadora em geral, aos artistas e trabalhadores da arte e da cultura, aos ambientalistas, à comunidade LGTBI, aos partidos políticos e os movimentos sociais, às diferentes comunidades religiosas, a importantes setores empresariais e, sobretudo, às vítimas do conflito. Nossos meninos e nossas meninas, os mais beneficiados, pois eles são a semente das gerações futuras, nos comoveram com suas grandiosas expressões de doçura e esperança.
Devemos admitir que nosso propósito de busca de uma saída política ao dessangramento fratricida da Nação encontrou no Presidente Juan Manuel Santos um corajoso interlocutor, capaz de enfrentar com integridade as pressões e provocações dos setores belicistas. A ele lhe reconhecemos sua comprovada vontade por construir o Acordo que hoje se firma em nossa Cartagena heroica.
Pela primeira vez em mais de um século se conseguiu por fim somar suficientes vontades para dizer não aos amigos da guerra, que durante tanto tempo se apoderaram do acontecer nacional para mergulhá-lo num caos interminável e doloroso.
Toda esta construção social e coletiva pôde render frutos graças ao incansável apoio dos países garantidores. Nosso agradecimento a Cuba, ao Comandante dessa gloriosa Revolução, Fidel Castro Ruz, ao General de Exército e Presidente Raúl Castro Ruz e ao povo cubano em geral. Igualmente ao Reino da Noruega e a todo o povo norueguês por decidido apoio ao processo.
Reconhecimento especial merece o Comandante Hugo Chávez, sem cujos trabalhos, pacientes como discretos, este final feliz não haveria tido começo. A Nicolás Maduro, continuador desse generoso esforço de paz, em sua condição de Presidente da República Bolivariana de Venezuela, país acompanhante, e desde logo ao povo da irmã república. Nosso agradecimento ao Chile, em sua qualidade de país acompanhante, a seu povo, a sua presidenta Michelle Bachelet. Também à Organização das Nações Unidas. A paz da Colômbia é a paz de Nossa América e de todos os povos do mundo.
Com o Acordo Final se deu um transcendental passo adiante na busca de um país diferente, comprometendo-se a uma Reforma Rural Integral, para contribuir com a transformação estrutural do campo. Promoverá uma Participação política denominada Abertura democrática para construir a paz, com a qual se busca ampliar e aprofundar a democracia. As FARC-EP deixamos as armas ao tempo em que o Estado se compromete a proscrever a violência como método de ação política. Isto é, a pôr fim definitivo à perseguição e ao crime contra o opositor político, a dotá-lo de plenas garantias para sua atividade legal e pacífica. Junto com o Cessar-Fogo e de Hostilidades Bilateral e Definitivo e a Deixação de Armas, com os quais termina para sempre a confrontação militar, foi pactuada a Reincorporação das FARC-EP à vida civil no econômico, no social e no político de acordo com nossos interesses, e se subscreveu o acordo sobre Garantias de segurança e luta contra as organizações criminais ou paramilitares que dessangram e ameaçam a Colômbia.
Especial atenção merece a previsão do Pacto Político Nacional, por meio do qual o governo e o novo movimento político surgido de nosso trânsito à atividade legal promoveremos um grande acordo nacional e desde as regiões com todas as forças vivas da Nação, a fim de fazer efetivo o compromisso de todos os colombianos e colombianas, para que nunca mais sejam utilizadas as armas na política, nem se promovam organizações violentas como o paramilitarismo. Materializando-se este propósito comum, a Colômbia terá conseguido dar um gigantesco passo adiante no caminho da civilização e do humanismo.
De algo estamos bem certos, se este Acordo Final não deixa satisfeitos a setores das classes abastadas do país, por outro lado representa uma lufada de ar fresco para os mais pobres da Colômbia, invisíveis durante séculos, e para os e as jovens em cujas mãos se encontra o futuro da pátria, os quais serão a primeira geração de nacionais que cresce em meio a paz.
São quase três centenas de páginas as que contém o Acordo Final que subscrevemos aqui, difíceis de resumir em tão breve espaço. Sua firma não significa que capitalismo e socialismo começaram a soluçar nos braços um do outro. Aqui ninguém renunciou a suas ideias, nem arriou suas bandeiras derrotadas. Acordamos que seguiremos confrontando-as abertamente na arena política, sem violência, num apoteótico esforço pela reconciliação e o perdão; pela convivência pacífica, o respeito e a tolerância; e sobretudo pela paz com justiça social e democracia verdadeira.
Relembrando a São Francisco de Assis, devemos repetir-nos que quando se nos preenche a boca falando de paz devemos cuidar primeiro de ter nossos corações cheios dela.
Em todos os cenários possíveis continuará retumbando nossa voz contra as injustiças inerentes ao capitalismo, denunciando a guerra como o instrumento favorito dos poderosos para impor sua vontade aos fracos por meio da força e do medo, clamando pela salvação e a conservação da vida e da natureza, exigindo o fim de qualquer forma de patriarcado e discriminação, propondo saídas verdadeiramente humanas e democráticas a todos os conflitos, certos de que a imensa maioria dos povos prefere a paz e a fraternidade sobre os ódios, e merecem portanto ocupar um lugar de privilégio na adoção das decisões que envolvem o futuro de todos.
Colômbia requer transformações profundas para fazer realmente verdadeiros os sonhos da justiça social e do progresso. A paz é sem dúvida alguma o elemento essencial para os grandes destinos que nos esperam como nação, que deverão caracterizar-se mais por suas luzes que por seu poderio, como diria o Libertador.
Para fazê-lo possível, nossa pátria requer, ademais de um renascimento ético, da restauração moral que predicava Jorge Eliécer Gaitán antes de ser assassinado naquele fatídico 9 de abril de 1948. O enriquecimento fácil e a descarada mentira, a discórdia semeada nas mentes dos cidadãos pela mentira midiática habitual, a farsa da educação fundada na sede de lucro de empresários sem princípios, a alienação cotidiana semeada pela publicidade mercantil, entre outros graves males, exigem, para superá-los, o melhor dos valores humanos de nossos compatriotas.
A sociedade colombiana tem que ser claramente inclusiva no econômico, no político, no social e no cultural. O Estado colombiano, após a firma deste Acordo, não pode seguir sendo o mesmo em que se permite que a saúde seja um negócio. Os tristemente famosos corredores da morte e as agonias às portas dos hospitais têm que desaparecer para sempre. Não mais famílias condenadas à rua e à miséria, por conta das usurárias dívidas com o sistema financeiro ou os bandos do gota a gota. A segurança com a qual tanto sonham os colombianos e as colombianas não deve depender tanto do tamanho das forças de segurança do Estado como do combate a pobreza e a desigualdade e a falta de oportunidades da qual padecem milhões de compatriotas, fonte real das formas mais sentidas da delinquência. Os serviços públicos devem chegar a todos e a todas. É a essa tarefa que nos propomos somar-nos desde agora, sem arma diferente que nossa palavra. E é isso o que o Estado colombiano prometeu solenemente respeitar e proteger.
Ao contrário dos que apregoam que nosso ingresso na política aberta em Colômbia constitui uma ameaça, sentimos que milhões de colombianos e colombianas nos estendem seus braços generosos, e felicitam a seu governo por haver alcançado pelo menos a terminação do conflito armado, entre seus diferentes propósitos. De todas as partes do mundo recebemos emocionados saudações de aplauso pelo conseguido. A paz da Colômbia é a paz de Nossa América, voltam a nos repetir todos os governos do continente.
Ante eles selamos nosso compromisso de paz e reconciliação. Onde queira que doravante plante seus pés um antigo combatente das FARC-EP, podem ter a certeza de encontrar a uma pessoa decente, serena e sensata, inclinada ao diálogo e à persuasão, a uma pessoa disposta a perdoar, simples, desprendida e solidária. Uma pessoa amiga das crianças, dos humildes e ansiosa por trabalhar por um novo país de modo pacífico.
Quase cinco anos atrás, numa nota destinada a ser lida pelo Presidente Santos, a poucos dias de produzida a morte de nosso Comandante Alfonso Cano, terminava dizendo-lhe "assim não é, Santos, assim não é". Com a convicção de que a Colômbia merecia um acordo muito melhor e que talvez com um pouco mais de vontade teríamos conseguido, devo reconhecer que o firmado hoje constitui uma luz de esperança, prenhe de anseios de paz, justiça social e democracia verdadeira, um documento de descomunal transcendência para o futuro de nossos filhos e filhas e da pátria inteira.
Os mais de dez bilhões de dólares investidos na guerra pelo Plano Colômbia e o gigantesco gasto para o financiamento da guerra teriam servido para solucionar boa parte dos males do povo colombiano. Porém, como diria nosso comandante Jorge Briceño, já não é tempo de chorar, senão que de marchar para adiante. Depois de centenas de milhares de mortos e milhões de vítimas, ao subscrever juntos este documento, lhe digo, Presidente, com emoção patriótica, que este sim era o caminho indicado, assim, sim, era.
Os soldados e policiais da Colômbia haverão de ter claro que deixaram de ser nossos adversários, que para nós está definido que o caminho correto é reconciliação da família colombiana. Esperamos deles, como o asseguraram vários de seus mais destacados mandos, que jogaram importante papel na Mesa de Havana, um olhar distinto ao qual sempre nos reservaram. Todos somos filhos do mesmo povo colombiano, nos afetam por igual seus grandes problemas.
A nossas guerrilheiras e nosso guerrilheiros, a nossos prisioneiros e prisioneiras de guerra, a suas famílias, a nossos licenciados de fileiras e mutilados, queremos enviar-lhes uma mensagem de alento, vocês viveram e lutaram como heróis, abriram com seus sonhos o caminho da paz para Colômbia. Os três monumentos que serão construídos com suas armas darão testemunho eterno do que representou a luta das e dos combatentes das FARC-EP e do povo humilde e valente desta pátria.
Colômbia espera agora que, graças à necessária diminuição da porcentagem do gasto público destinado à guerra que o fim da confrontação deverá trazer e o consequente aumento do investimento social, nunca jamais, nem em La Guajira, nem no Chocó, nem em nenhum outro espaço do território nacional tenham por que continuar morrendo meninos e meninas de fome, desnutrição ou enfermidades curáveis.
Coroamos, por via do diálogo, o fim do mais longo conflito do hemisfério ocidental. Somos os colombianos e colombianas, por tanto, um exemplo para o mundo: que doravante sejamos dignos de levar uma honra semelhante. Reconheçamos que cada uma e um de nós temos a quem chorar. Perdemos a filhos e filhas, irmãos e irmãs, pais e mães, amigos e amigas.
Glória a todos os caídos e vítimas desta longa conflagração que hoje termina!
Em nome das FARC-EP ofereço sinceramente perdão a todas as vítimas do conflito, por toda a dor que tenhamos podido ocasionar nesta guerra.
Que Deus abençoe a Colômbia. Se acabou a guerra. Estamos começando a construir a paz. O amor de Mauricio Babilonia pela Meme poderá ser agora eterno e as borboletas que voavam livres atrás dele, simbolizando seu infinito amor, poderão agora multiplicar-se pelos séculos cobrindo a pátria de esperança.
Bem-vinda esta segunda oportunidade sobre a Terra!
Cartagena de Índias, 26 de Setembro de 2016
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