"Colômbia pode incendiar o continente", diz geógrafo
Para André Martin, professor da USP, a Colômbia com o apoio dos Estados Unidos desencadeou uma corrida armamentista na região e, com a violação da fronteira com o Equador, cria um clima de conflito na América Latina
Ao contrário do que apregoa a mídia corporativa, o geógrafo André Martin afirma que a aliança militar dos Estados Unidos com a Colômbia está provocando uma corrida armamentista na América Latina. "Esse fato desmascara um mito que tem sido vendido de que a Venezuela que está na corrida militar, e isso não é verdade. Basta se fazer a comparação das forças que fica muito claro que quem desencadeou uma corrida militar na América do Sul foi o Plano Colômbia", afirma o professor da Universidade de São Paulo (USP) da cadeira Regionalização do Espaço Mundial.
Segundo ele, as operações militares do país governado por Álvaro Uribe de matar guerrilheiros violando o território equatoriano respondem à mesma lógica da atuação dos Estados Unidos em todo o globo. "Cria-se um comportamento unilateral, uma quebra da legalidade imitando o que os EUA fazem em nível mundial", afirma.
Para o geógrafo, Uribe tomou uma atitude calculada cujo objetivo político foi minar as negociações de libertações de reféns políticos lideradas por Hugo Chávez com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Mas ao matar o principal interlocutor guerrilheiro, Raúl Reyes, o presidente colombiano pode regionalizar um conflito em todo o continente. "É óbvio que foi uma ação calculada com os Estados Unidos, com a CIA, que vislumbram até onde poderia ir as reações equatoriana e venezuelana. Isso começa a crispar todo o continente sul-americano, existem outros focos de tensão que não podemos subestimar", analisa.
Qual é o significado da intervenção da Colômbia no território do Equador?
Do ponto de vista estratégico-militar, foi uma ação bem planejada e que desorganiza as Farc e coloca o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em uma situação incômoda. É também uma ação evasiva, porque desvia a atenção para um outro cenário que não estava no foco, o Equador. O foco estava na relação Colômbia e Venezuela. Certamente, as conseqüências diplomáticas foram calculadas, sabia-se que haveria problemas, mas calculou-se que não se chegaria às vias de fato, uma guerra. No entanto, o grau de tensão geral no continente fica muito alto. Assim, cria-se um comportamento unilateral, uma quebra da legalidade imitando o que os EUA fazem em nível mundial. O grande ator da área que tem agido com moderação exemplar, o Brasil, fica numa posição difícil. A nossa chancelaria atuou com veemência, exigiu um pedido de desculpas do governo colombiano, mas a nossa situação fica incômoda e temos que colocar água nessa fervura.
Há possibilidade de haver um conflito armado?
Em função apenas desse episódio, não. Mas o fato eleva a temperatura a uma tal maneira que os próximos episódios não controlados pelos colombianos podem degenerar, esse é meu temor. Agora é óbvio que foi uma ação calculada com os Estados Unidos, com a CIA, que vislumbram até onde poderia ir as reações equatoriana e venezuelana. Isso começa a crispar todo o continente sul-americano, existem outros focos de tensão que não se pode subestimar. Para onde vai se levar isso? O que se quer, dividir o continente entre pró e anti-americanos?
Essa ação teve o objetivo de tirar o presidente da Venezuela como protagonista nas negociações de libertação dos reféns das Farc?
Exatamente, porque Uribe não quer negociar a paz. Isso tem sido recorrente nesse processo de libertação de prisioneiros. Quando aparenta que está se iniciando uma negociação, o governo colombiano age com uma traição. Por que o Raúl Reyes era tão importante? Porque era quem estava negociando as libertações. E isso prova que o governo colombiano não têm interesse na libertação da Ingrid em especial (leia reportagem) e está apostando na solução militar. Mas não acredito que se consiga derrotar as Farc militarmente com a facilidade que se imagina. Um golpe como esse em cima de uma figura emblemática psicologicamente abate, mas no campo de batalha a situação é diferente e isso só vai esquentar o tempo na América Latina. Para quê? Será que esse é o caminho da solução do problema, o extermínio do grupo Farc, depois eles vão ter que se ver com o Exército de Libertação Nacional (ELN)... Até onde vai? E é preciso uma ação muito firme contra essa perspectiva.
A maior parte dos presidentes latino-americanos condenou a ação no Equador...
Eu vejo o continente unido contra a Colômbia, porque ninguém pode aceitar isso, a violação das fronteiras. Isso é um problema mundial. Tanto sangue correu, tantas guerras foram feitas, para se erigir como princípio a inviolabilidade das fronteiras, o respeito às fronteiras, estabelecidas na ONU, consenso entre as partes. Agora, viola-se isso impunemente, não tem mais ordem mundial nenhuma, é o império da selva. Então, esse é o problema. Esse fato desmascara também um mito que tem sido vendido de que a Venezuela que está na corrida militar, e isso não é verdade. Basta se fazer a comparação das forças que fica muito claro que quem desencadeou uma corrida militar na América do Sul foi o Plano Colômbia. Desse ponto de vista se esclarecem mais as coisas.
E como o senhor avalia o posicionamento do Brasil?
A primeira expectativa é de que o país atue com moderação, sem apoiar totalmente Equador e Venezuela, mas defendendo a manutenção do marco jurídico e condenando a violação dos princípios de legalidade e colocando em maus lençóis a diplomacia colombiana. Mas se a situação se complicar e sair do campo diplomático para o militar, quem é a grande potência da região? O Brasil. Estamos preparados para qualquer implicação desse tipo?
Mas há uma possibilidade de haver um conflito?
É claro que há. Qual é o fim da linha da Colômbia? Se o Plano Colômbia é a cópia do plano dos Estados Unidos no Iraque, a rendição, o extermínio do inimigo, do terrorismo, temos que imaginar o dia seguinte dessa vitória sem as Farc. Ficará melhor a Colômbia? Não existe um inimigo público número um, e os problemas sociais todos permanecerão todos iguais. Isso já se repetiu, já se matou o inimigo público e não adianta, porque não se vai à raiz das questões, das desigualdades, da fragmentação interna colombiana em múltiplas regiões, em múltiplos grupos de poder oligárquicos.
A Colômbia não completou inteiramente sua integração nacional. Um dos objetivos da escalada colombiana é a morte da Ingrid. Será um trauma muito severo, se isso acontecer, mas o que se busca é isso. O movimento Nacion Cambam, separatista de Santa Cruz de La Sierra, já treina soldados na selvas colombianas com as Forças Autodefesas Unidas da Colômbia grupo paramilitar com patrocínio dos EUA, preparando-se para possíveis episódios que podem ocorrer. Essa visão de tentar liquidar as Farc me parece um erro estratégico e que pode incendiar a América Latina. É um risco que se corre.
Se houvesse um conflito armado, como os países da América Latina podem se posicionar?
O alinhamento está ficando claro: Argentina, Brasil e Venezuela formam um pacto Atlântico que não está se ajustando ao império norte-americano. No campo do Pacífico, há a Colômbia e Peru, que são as duas peças que fazem o jogo dos Estados Unidos. O Chile é um pouco mais neutro, e obviamente a Colômbia aqui se radicaliza e fica contra todo mundo. O Peru também está com uma sociedade muito dividida. Problemas de divisão interna e atritos externos colocam a temperatura das relações muito alta. Agora, aguarda-se que a diplomacia leve ao recuo das tropas que estão nas fronteiras. É perigoso manter as duas em preparação. É a isso que temos que estar atentos nos próximos dias.
Essa crise vai afetar as negociações de libertação dos reféns das Farc?
O objetivo estratégico político da ação foi esse, torpedear o processo de negociação
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