Traçamos um pequeno perfil do segundo Presidente eleito de Timor Leste, que deverá tomar posse no dia 20 de Maio.
Nasceu em Dili, no dia 26 de Dezembro de 1949, filho de pai português e mãe timorense. Depois de trabalhar como jornalista, foi exilado a Moçambique pela administração portuguesa devido à sua actividade política, que visava procurar independência para Timor-Leste. Depois do 25 de Abril, ingressou na FRETILIN (Frente Revolucionária pela Independência de Timor Leste), voltando a Dili.
Com a saída dos portugueses, a FRETILIN ficou com a maior parte do armamento e temendo o poder desta formação, a União Democrática Timorense (UDT, pró-Portugal) e a AOPDETI (Associação Democrática Popular de Timor, pró-Indonésia) formaram uma frente comum contra a FRETILIN e iniciou um processo de guerra civil, que provocou a entrada das tropas indonésias (após uma reunião entre Presidente Suharto e o PM australiano, Gough Whitlam, e o aval dos EUA, ter validado o processo; Gerald Ford e Henry Kissinger terão reunido com Suharto no dia antes da invasão).
Em Outubro de 1975, Ramos-Horta levou um grupo de cinco jornalistas a Balibo para filmarem incursões por soldados indonésios. Estes, dois britânicos, dois australianos e um neo-zelandês, foram executados pelos indonésios (os Cinco de Balibo) e em Novembro, a FRETILIN proclamou a independência da República Democrática de Timor Leste. Ramos-Horta foi nomeado Ministro de Comunicações. No entanto, em 7 de Dezembro, a Indonésia invadiu, e instalou um regime composto por membros da UDT e APODETI.
O que seguiu foi um massacre do povo timorense. 60.000 pessoas foram chacinadas nos primeiros dois meses e até à Independência, 250.000 membros da população de 700.000 foram liquidados directa ou indirectamente pelos indonésios, sob o mando (indirectamente) dos seus mestres norte-americanos.
Ramos-Horta conseguiu escapar e passou a representar o povo timorense no exílio, intervindo junto a todos os organismos internacionais a favor da independência de Timor Leste e pela retirada das tropas indonésios. Entretanto, em 1983 iniciou um curso em Direito Internacional na Haia, e no ano seguinte, fez mestrado em Estudos de Paz na Universidade de Antioch, antes de fixar residência em Sidney, Austrália, onde fundou o Programa de Treinos em Diplomacia na Universidade de New South Wales, formando activistas da região no sistema de direitos humanos da ONU.
Em 12 de Novembro de 1991, virou a página da história com o massacre no cemitério de Santa Cruz em Dili, onde 271 civis foram chacinados por tropas indonésios. Este evento foi seguido pelo mediático captura de Xanana Gusmão, líder da resistência, numa visita a Dili, a 20 de Novembro de 1992. Foi sentenciado à prisão perpétua na prisão de Cipinang, Jakarta (reduzido posteriormente a 20 anos).
Ramos-Horta continuou a sua presença junto a organismos internacionais e começou a ganhar cada vez mais apoio. Em 1996, com os EUA de Bill Clinton já interessado na sua causa, e com cada vez mais activistas em Portugal e Moçambique em especial, e na comunidade internacional em geral, a apoiarem a causa da independência de Timor Leste, ganhou o Prémio da Organização dos Povos e Nações Sem Representação (UNPO) e em Outubro do mesmo ano, juntamente com o Bispo de Dili, Dom Carlos Ximenes Belo, foi nomeado Prémio Nobel de Paz. (Já tinha ganho o Prémio Professor Thorolf Rafto de Direitos Humanos em 1993 e o Prémio da Fundação Gleitzman em 1995).
O processo ganhou relevo e com Portugal agarrado às rédeas, lançou-se um movimento internacional que forçou a Indonésia a reconhecer o direito do povo timorense de realizar um referendo para a independência. Em Maio de 1988, Suharto deixou o poder e Jusuf Habibie assumiu a Presidência na Indonésia, negociando um pacote para a autonomia em Timor Leste.
No mesmo ano, o Governo de Portugal galardoou Ramos-Horta com a Ordem de Liberdade (a honra mais alta). Em 27 de Janeiro de 1999, Presidente Habibie declarou que haveria um referendo sobra a Independência em Timor Leste e logo a seguir, aumentou a violência perpetrada por elementos indonésios, com o apoio de militares e das forças especiais Tribuana e Venus, contra os separatistas e a favor dos milícias integracionistas Aitarak (espinha).
No entanto, o referendo teve lugar em 30 de Agosto de 1999. 98,6% da população votou pela independência. O que seguiu foi uma das maiores vergonhas na história da humanidade. As forças indonésias deportaram 250.000 pessoas à Timor Ocidental (parte integrante da Indonésia), e 500.000 pessoas foram forçadas a fugir dos seus lares, durante uma onda de violência perpetrada pelos milícias pró-Jacarta em que pelo menos 1.000 pessoas perderam as suas vidas.
O resultado do referendo foi ratificado pelo Governo indonésio em 19 de Outubro e chegou a força da ONU, INTERFET, para restabelecer a ordem (substituído em 2000 pela UNTAET). Ramos-Horta voltou ao seu país e integrou o Governo provisional como Ministro das Relações Exteriores.
A 30 de Agosto de 2001, tiveram lugar as primeiras eleições legislativas de Timor Leste livre, em que a FRETILIN ganhou 55 dos 88 lugares da Assembleia. Ramos-Horta, que se demitira da FRETILIN, manteve o seu posto ministerial.
A meia-noite entre 19 e 20 de Maio de 2002, Xanana Gusmão foi proclamado Presidente da 192º membro da Comunidade Internacional.
Ramos-Horta usou seu mandato como MNE para realçar causas relacionados com os direitos humanos (Myanmar) mas também apoiou a invasão dos EUA no Iraque, além de consolidar a construção da nação de Timor Leste, passando por críticas a Austrália pela chantagem utilizada por Camberra nas negociações para definir uma fronteira marítima entre os dois estados. A Comissão sobre a Verdade e Amizade foi estabelecida com a Indonésia para fomentar o processo de reconciliação, culminando na apresentação do seu Relatório ao parlamento de Timor Leste em Novembro de 2005.
Depois da eclosão de tensões étnicas e rivalidade entre a política e os militares, em Abril de 2006, Ramos-Horta pediu e conseguiu a intervenção de uma força internacional (Austrália, Nova Zelândia, Malásia e Portugal) da manutenção de paz. Presidente Xanana declarou um Estado de Crise Grave, assumindo o comando das forças armadas, da defesa, do ministério do interior e da defesa. Ramos-Horta assumiu a pasta da Defesa em Junho mas demitiu-se em 25 de Junho, um dia antes da demissão de Mari Alkatiri como Primeiro-Ministro e a 10 de Julho, o primeiro foi nomeado Primeiro-Ministro de Ministro de Defesa.
José Ramos-Horta perdeu 4 irmãos e irmãs durante o conflito com os indonésios. No entanto, orgulha-se que as FALINTIL (Resistència) nunca mataram nem sequer um único civil indonésio durante 24 anos de resistência armada contra a ocupação ilegal e elogia a Indonésia pela atitude de abertura com que está a enfrentar a sua história recente.
Uma bela maneira de construir pontes e criar as condições para a construção da nação. Com certeza, com a ajuda do carismático Xanana Gusmão, quer como Primeiro-Ministro, quer nos bastidores. A 30 de Junho, veremos com quem conta o novo presidente-eleito, José Ramos-Horta.
Timothy Bancroft-Hinchey
PRAVDA.Ru
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