Hoje, 8 de março, o presidente dos Estados Unidos George W. Bush inicia sua maior visita à América Latina, que o levará a Guatemala, México, Colômbia, Brasil e Uruguai. A razão desta viagem é clara: a Casa Branca está preocupada com o giro à esquerda efetuado pela América Latina nos últimos anos, e a perda de influência econômica na região.
E têm motivos para tanto: líderes muito críticos dos EUA, como Chávez na Venezuela, Morález na Bolívia e Correa no Equador (que prometeu não renovar o contrato, que vence em 2009, para a permanência de tropas estadunidenses em seu país), o fortalecimento e crescimento do Mercosul (que em 2006 recebeu a Venezuela como membro pleno), a rejeição de muitos países à Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), as tentantivas do Irã de se aproximar dos países da região (que incluiu uma recente visita do presidente iraniano à Venezuela e Nicarágua), a vitória do sandinista Ortega na Nicarágua, e as polêmicas eleições mexicanas que quase levaram o esquerdista López Obrador ao poder.
Bush quer mudar o panorama latino-americano a seu favor, oferecendo ajuda médica, educativa, e tratados de livre-comércio sendo estes, sem dúvida, sua proposta mais relevante. A visita do presidente dos EUA ao Uruguai é de grande importância ao Mercosul, podendo inclusive vir a ser uma ameaça a este.
Há vários anos que Paraguai e Uruguai, os menores países do Mercosul, reclamam da falta de atenção de Brasil e Argentina aos seus problemas. De fato, há assimetrias importantes entre dois países grandes e muito industrializados, e dois pequenos e agrários, e nunca se tratou o tema com o cuidado devido. Porém, desde 2006, as relações com o Uruguai pioraram muito, por conta de uma crise sem sentido desatada pela Argentina.
Duas importantes multinacionais da indústria papeleira começaram a construir suas fábricas na cidade uruguaia de Fray Bentos, próxima à fronteira com a Argentina, sendo o maior investimento que o pequeno país platino já recebeu. De imediato, a população argentina de Gualeguaychu, do outro lado da fronteira, começou a protestar, alegando danos ao meio-ambiente.
O caso acabou envolvendo o governo provincial e nacional, levando a Argentina a rejeitar a arbitragem do Mercosul e entrar com um processo contra o Uruguai na corte internacional de Haia, na Holanda. As instâncias da corte de Haia, até agora, foram contrárias à Argentina, o que não impede os manifestantes de Gualeyguachu de cortarem todas as pontes que unem a Argentina e o Uruguai, e as fortes críticas do governo argentino.
A política externa do governo de Néstor Kirchner (tão bem-sucedido no aspecto econômico) é irracional. Em primeiro lugar, ressalta a inconsistência dos reclamos de preservação ambiental por parte de um país que polui, com indústrias e agrotóxicos, os rios Paraná, Uruguai e da Prata, muito mais do que duas fábricas de papel que, se forem equipadas com sistemas modernos de controle de poluição, terão impacto ambiental mínimo.
Em segundo, ao permitir o bloqueio terrestre de um país, algo gravíssimo, já que as autoridades nada fazem para garantir o livre trânsito de pessoas e mercadorias. E é um conflito tanto mais absurdo quando se considera as anteriores relações entre os dois países, muito próximos cultural, social, política e economicamente, podendo-se dizer que constituem uma mesma nação. No atual verão, em que muitos argentinos se deslocam a praias uruguaias, se registraram alguns conflitos, que embora sejam poucos e de quase nenhuma gravidade, chamam a atenção porque estão ocorrendo pela primeira vez.
Isto está dando argumentos aos opositores do Mercosul no Uruguai, e deixando sem razão aqueles que lhe são favoráveis. O presidente Tabaré Vázquez assumiu em 2005 com a proposta de aprofundar as relações com o Mercosul. Mas por um tema relativamente pouco importante, a política externa argentina está colocando em risco o principal projeto econômico e estratégico da região. Pelo visto, os EUA já se deram conta, e não é casual a visita de Bush ao Uruguai neste momento: basta oferecer a redução de tarifas de alguns poucos produtos, quase todos agropecuários, que o Uruguai provavelmente aceitará um tratado de livre-comércio com os EUA e se afastarão do Mercosul.
O papel que os EUA querem para o Uruguai é o mesmo que têm a Polônia, a República Tcheca, a Lituânia e outros países do antigo bloco socialista, dentro da União Européia: um cavalo de Tróia infiltrado no bloco para debilitá-lo e garantir os interesses econômicos e militares dos EUA na região.
Agora, parece difícil imaginar que o Mercosul terá uma posição tão unida quanto a de novembro de 2005, na Cúpula de Mar del Plata, quando todos os países do bloco rejeitaram univocamente as propostas dos EUA para a criação da ALCA. Depois da crise desatada pela Argentina contra o Uruguai no último ano, não se deve esperar que este mantenha a mesma posição. Para muitos uruguaios, aliar-se com os EUA parece a única opção de desenvolvimento que o seu país conta no momento.
Carlo MOIANA
Pravda.ru
Buenos Aires
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