James Petras: FARC-EP - Bando terrorista ou movimento de resistência?

Autor da resposta:

James Petras

23.11.06

Em 9 de novembro de 2006, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP) enviaram uma “Carta aberta ao povo dos Estados Unidos. Dirigiram-na especificamente a alguns produtores e atores de Hollywood (Michael Moore, Denzel Washington e Oliver Stone), assim como a três universitários esquerdistas (James Petras, Noam Chomsky e Ângela Davis) e a um político progressista (Jessie Jackson).

Dita carta aberta pedia nosso apoio para facilitar um acordo entre os governos dos EUA e da Colômbia e as FARC-EP para intercambiar 600 guerrilheiros encarcerados (entre eles, 2 julgados nos EUA) por 60 prisioneiros que estão em mãos dos rebeldes, entre eles, 3 expertos estadunidenses em contra insurgência.

FARC-EP: Bando terrorista ou movimento de resistência?

Contrariamente à posição do governo dos EUA, que rotula as FARC-EP de “organização terrorista”, estas são, hoje em dia, o movimento guerrilheiro campesino mais importante e antigo do mundo. Fundadas em 1964 por duas dúzias de campesinos ativistas com o fim de defender as comunidades autônomas rurais das violentas depredações dos militares e paramilitares colombianos, as FARC-EP se converteram num exército guerrilheiro altamente organizado de uns 20.000 membros com várias centenas de milhares de milícias locais e partidários e uma enorme influência em mais de 40% do [território] país.

Até o 11 de setembro de 2001, a maioria dos países da União Européia e América Latina reconheciam as FARC-EP como um movimento legítimo de resistência e, durante vários anos, mantiveram negociações de paz com o governo colombiano dirigido pelo presidente Andrés Pastrana. Antes do 11/9, os líderes das FARC se reuniram com chefes de Estado europeus para intercambiar idéias sobre o processo de paz. Numerosos e destacados dirigentes econômicos de Wall Street, da City londrina e de Bogotá, assim como personagens importantes como a rainha Noor de Jordânia, se reuniram com os líderes das FARC na zona desmilitarizada durante as frustradas negociações de paz (1999-2002).

Sob fortes pressões da Casa Branca, em particular de seus porta-vozes ultradireitistas mais proeminentes, como Otto Reich, Roger Noriega e John Bolton, o regime de Pastrana rompeu repentinamente as negociações e, em menos de 24 horas, enviou o exército colombiano à zona desmilitarizada, num intento de capturar os chefes das FARC comprometidos nas negociações. O ataque “por surpresa” fracassou, porém assentou as bases para a escalada do conflito.

Papel dos EUA no conflito

Começando pelo governo de Clinton em 2000 e seguindo com o de Bush, os EUA desembolsaram quatro bilhões de dólares em ajuda militar ao regime colombiano com a finalidade de destruir o exército guerrilheiro e sua suposta base social entre campesinos, sindicatos urbanos e profissionais (especialmente professores, advogados, ativistas de direitos humanos e intelectuais). Washington favorece energicamente uma solução militar subvertendo qualquer tentativa de negociações de paz, e, para isso, conta com um grande número de conselheiros militares, mercenários, agentes antidrogas, agentes da CIA, comandos de Corpos Especiais e outros muitos funcionários encobertos. Desde princípios da década dos oitenta e finais dos noventa, Washington manteve a ficção de que seus programas militares formavam parte de uma campanha contra os narcóticos, ainda que sem explicar por que concentrava a maior parte de seus esforços nas regiões sob a influência das FARC e não nas extensas áreas de cultivo de coca controladas pelos militares e paramilitares colombianos.

Com o início do Plano Colômbia em 2000, Washington sublinhou explicitamente a natureza contra insurgente de sua ajuda militar e sua presença. A Casa Branca, extremamente incomodada pela aceitação das negociações de paz por parte do presidente Pastrana e com os avanços dos movimentos guerrilheiros e sociais, apoio para presidente a Álvaro Uribe, um político direitista vinculado aos esquadrões da morte do país. Sua vitória eleitoral iniciou uma das mais sangrentas campanhas de extermínio da violenta história da Colômbia.

Oficiais militares estadunidenses e seus homólogos colombianos financiaram uma força de esquadrões da morte de 31.000 membros que devastou o país e assassinou a milhares de campesinos nas regiões onde as FARC têm mais presença. Centenas de sindicalistas foram assassinados à luz do dia por sicários nas cidades e povoados ocupados pelo exército. Ativistas de direitos humanos, jornalistas e universitários que se atreveram a denunciar a impunidade dos militares envolvidos nos massacres foram raptados, torturados e assassinados; não era infreqüente que aparecessem decapitados ou estripados para aumentar o terror.

Mais de dois milhões de campesinos se viram forçados a abandonar sua região para instalar-se em favelas urbanas miseráveis, enquanto que conhecidos chefes paramilitares ou grandes latifundiários lhes embargavam as terras. A “limpeza de classe” no campo se levou a cabo de acordo com os manuais de contra insurgência do Pentágono, que instruem os militares colombianos sobre como destruir a “infra-estrutura social” dos movimentos guerrilheiros, especialmente das FARC, que possuem amplos e antigos vínculos familiares, comunitários e sociais com os campesinos.

O presidente Uribe encarna o clássico governante sul-americano: se lança para degolar os pobres e se põe de joelhos ante seu patrão de Washington. Suas perpétuas campanhas em grande escala dizimaram o campo, porém fracassaram na hora de debilitar as guerrilhas ou, inclusive, de capturar a algum membro do comando geral das FARC. Ao cabo de seis anos de massivas e custosas campanhas de extermínio, alguns oficiais militares estadunidenses de alto grau e a maioria de seus colegas colombianos reconheceram que uma vitória militar sobre as FARC era muito improvável. Segundo os estrategistas militares, o máximo a que se poderia chegar seria o enfraquecimento das FARC, forçando-as a negociar um “acordo de paz” favorável ao regime.

Breve história das negociações de paz

Durante a presidência de Belisario Betancourt (em meados dos [anos] oitenta), as FARC aceitaram um cessar-fogo e muitos de seus membros entraram no processo eleitoral. Milhares de guerrilheiros, seus simpatizantes e muitos esquerdistas independentes criaram um partido político, a União Patriótica, e apresentaram candidatos a todos os estamentos do governo. Em menos de cinco anos, o exército e seus esquadrões da morte assassinaram a 5.000 ativistas, candidatos e cargos elegidos, entre eles, dois candidatos à presidência, alguns congressistas, diversos prefeitos, centenas de vereadores e líderes locais do partido. Os sobreviventes regressaram à guerrilha, escaparam do exílio ou passaram à clandestinidade. Contrariamente ao que pretendia o governo, a Colômbia não era uma “democracia” no sentido habitual do termo, senão uma “democracia de esquadrões da morte” na qual as condições e normas políticas mais elementares para a participação numa campanha eleitoral brilhavam por sua ausência. Menos de duas décadas depois, quando as FARC haviam estendido sua influência até uma distância de 65 quilômetros de Bogotá, o governo de Andrés Pastrana acedeu a outra rodada de “negociações de paz” numa ampla região militarizada sob o controle das FARC.

Durante as negociações, centenas de “visitantes” de todos os setores da sociedade colombiana, assim como importantes personalidades políticas e de negócios procedentes do estrangeiro, participaram em fóruns públicos. Os debates abertos organizados pelas FARC abordaram assuntos sociais, econômicos e políticos fundamentais. Pela primeira vez na memória recente, os temas da reforma agrária, a inversão pública em programas de criação de emprego, a inversão estrangeira e a propriedade pública, as alternativas econômicas ao cultivo da coca, a educação e a saúde foram debatidos sem medo às represálias dos esquadrões da morte.

A imagem das FARC como “força militarista narco-guerrilheira” ficou em interdito; muitos observadores previamente hostis de Europa, América Latina e América do Norte, inclusive, se não estavam de acordo com algumas das reformas propostas pelas FARC, partiram com a impressão de que se podia negociar e alcançar acordos para terminar a guerra civil.

A radicalização do regime de Bush após o 11 de setembro de 2001 serviu de pretexto para forçar uma ruptura nas negociações de paz. Mais tarde, com a eleição de Álvaro Uribe, as FARC foram incluídas na lista de organizações “terroristas”. A União Européia, que se havia reunido e havia consultado publicamente com os próprios chefes das FARC, seguiu o caminho ditado pelos EUA. Pouco depois, se deteve negociadores das FARC e representantes internacionais em Bolívia, Brasil, Venezuela e Equador.

Os dois últimos países entregaram representantes das FARC à brutal polícia política colombiana (a DAS). Com a desculpa da “guerra contra o terrorismo” de Washington, o presidente Uribe se dedicou a reprimir sem piedade greves gerais sindicais e grandes manifestações rurais das principais organizações agrícolas que protestavam contra o acordo de “livre comércio” firmado com os EUA.

Em meio à carnificina patrocinada pelo governo, as FARC seguiram uma estratégia de retirada tática para seus refúgios na selva e nas montanhas e anunciaram propostas de libertação mútua de prisioneiros como primeiro passo no “estabelecimento de confiança” para as futuras negociações de paz.

As FARC têm prisioneiros a mais de 60 políticos colombianos e oficiais do exército, entre eles, a Ingrid Betancourt, uma ex-candidata à presidência, e três “contratistas militares” – assim os descreve os EUA – implicados em serviços de inteligência. O governo colombiano tem prisioneiros a mais de 600 guerrilheiros. Os EUA têm prisioneiros a dois membros das FARC. Estas propuseram uma reunião para organizar um intercâmbio de prisioneiros numa zona desmilitarizada. Naturalmente, as famílias dos prisioneiros das FARC estavam unanimemente a favor da proposta, como também o estavam as organizações da sociedade civil e os grupos humanitários, religiosos e de defesa dos direitos humanos.

Os Eua se opuseram a qualquer intercâmbio e Uribe fez eco de seu amo, pelo menos durante seu primeiro período presidencial. O slogan utilizado era que libertariam aos prisioneiros por meios militares. Durante os últimos cinco anos não se libertou a nenhum prisioneiro. Muito pelo contrário, numa recente incursão militar frustrada morreram dez presos, entre eles, um ex-ministro de Defesa, um governador e oito oficiais do exército. Sob a enorme pressão da sociedade civil colombiana, da União Européia e da maioria dos governos latino-americanos, o presidente Uribe declarou, após sua reeleição, que estava disposto a iniciar negociações para um intercâmbio. No entanto, ao cabo de um mês, faltou com sua palavra usando como pretexto uma bomba que explodiu numa instalação militar, que ele atribuiu às FARC, apesar de que estas negaram sua autoria. Os expertos suspeitam que foi uma operação encoberta dos serviços secretos da Colômbia para minar qualquer avanço para um intercâmbio de presos.

Perspectivas das negociações de paz

Fora de Washington e do entorno imediato do presidente Uribe, todo mundo está de acordo com que qualquer processo de paz deve começar com a adoção de medidas que inspirem confiança, especialmente o intercâmbio de prisioneiros.

Essas negociações se complicaram de forma imediata; a 31 de dezembro de 2004, os EUA extraditaram a dois presos das FARC retidos pelo governo colombiano e os manteve em celas de isolamento, atados durante 23 horas ao dia. No dia 16 de outubro de 2006, se julgou por “tráfico de drogas” e “terrorismo”, assim como por “seqüestro”, a um dos presos políticos das FARC, Ricardo Palmera, mais conhecido por seu nome de guerra, Simón Trinidad. Trata-se de um clássico “julgamento político espetáculo”, no qual se organizou uma detenção ilegal, se fabricaram provas e procedimentos judiciais lesivos para assegurar uma sentença condenatória.

O aspecto mais suspeitoso desta farsa política é a caracterização do papel de Trinidad nas FARC.Havia sido sei principal negociador de paz, como resultou evidente quando foi reconhecido como o principal interlocutor das FARC com o presidente colombiano Andrés Pastrana durante as negociações de paz de 1999-2002. Há numerosas fotografias, notícias, informações e entrevistas da época nos meios de comunicação colombianos e europeus que claramente identificam a Trinidad como um negociador chave para a paz. Não menos importante é que Trinidad foi o principal intermediário das FARC para as relações com o representante de Direitos Humanos das Nações Unidas, James Lemoyne, nomeado pelo governo dos EUA e, além disso, antigo jornalista correspondente do New York Times na América Latina.

Reconhecendo que a posição de Trinidad como negociador de paz das FARC com missões fundamentalmente diplomáticas comprometia gravemente as alegações de Washington, o fiscal federal modificou a acusação de que estivesse diretamente implicado no “seqüestro” de três oficiais contra insurgentes estadunidenses retidos como prisioneiros de guerra pelas FARC por outra de “associação” com os seqüestradores e “conspiração” para cometer o delito de “seqüestro de reféns”. O fiscal federal se beneficiou da linguagem da nova legislação antiterrorista, aprovada pelos presidentes Clinton e Bush, para acusar a Trinidad. Todas as organizações usamericanas importantes de liberdades civis e a Associação de Advogados dos EUA [American Bar Association] denunciaram este marco legal por violar a constituição do país.

A acusação de “associação” está fundamentada nas insustentáveis alegações de que Trinidad “se reuniu” com os três oficiais usamericanos contra insurgentes após sua captura, uma acusação que carece de prova concreta alguma: a acusação não tem testemunhas nem documentos de tal encontro, nem especifica o momento, a data ou o lugar para o suposto encontro. De fato, nesse momento Trinidad estava em outra província dirigindo um programa educativo das FARC. A acusação de “conspiração” está fundamentada no pertencimento de Trinidad às FARC, que foi tachada de “organização terrorista” pelo presidente Clinton em 1997, uma catalogação rechaçada pela União Européia que, pouco depois, recebeu a um grupo de dirigentes das FARC e de negociadores de paz em giro [pela Europa]. Por outra parte, o presidente colombiano Pastrana, que esteve implicado nas negociações de paz com as FARC, entre 1999 e 2002, rechaçou a qualificação de “terrorista” por considerar Trinidad um interlocutor legítimo.

A larga história das FARC, seus vínculos históricos com um amplo segmento do campesinato colombiano, seu programa político de reformas sociais, o uso da força no conflito exclusivamente contra o exército do Estado colombiano, sua busca constante das negociações de paz fundamentadas na reforma social e do exército estão em clara contradição com todas e cada uma das definições de “organização terrorista”.

A mera idéia de “seqüestrar” a três oficiais militares ou de inteligência dos EUA implicados numa operação militar de vigilância contra a insurgência numa zona de combate é absurda. Como combatentes capturados são, de acordo com os Convênios de Genebra, prisioneiros de guerra e, como tais, estão sujeitos a possíveis intercâmbios de prisioneiros se as partes em conflito o acordam.

O fiscal federal alegou que Trinidad esteve implicado no intercâmbio de prisioneiros quando foi ilegalmente detido no Equador no Equador e translado para a Colômbia e, posteriormente, extraditado para os EUA. No julgamento, Trinidad rechaçou tal alegação demonstrando que esteve no Equador para organizar um encontro entre Lemoyne e um importante dirigente guerrilheiro. A acusação não apresentou provas escritas ou gravadas que relacionassem Trinidad com nenhum “intercâmbio de prisioneiros”.

A captura ilegal e a detenção de Simón Trinidad

Qualquer processo jurídico que mereça tal nome deveria desprezar a acusação baseando-se no caráter ilegal da detenção. Em fins de dezembro de 2003, Trinidad viajou a Quito (Equador) para contatar com James Lemoyne sobre possíveis negociações de paz com o governo colombiano, começando pela criação de um clima de confiança e medidas humanitárias relacionadas com prisioneiros e cativos. Durante negociações anteriores de paz, Lemoyne foi um mediador honrado que rechaçou as pressões do embaixador dos EUA para fazer fracassar os encontros. Devido à tremenda escalada militar levada a cabo pelo presidente, Trinidad não teve a oportunidade de reunir-se na Colômbia com Lemoyne. As FARC souberam que Lemoyne disposto a entabular conversações em Quito.

Sob a direção da CIA, um esquadrão ilegal conjunto colombiano-equatoriano prendeu Trinidad. A operação violou em sua totalidade a soberania equatoriana, os procedimentos judiciais e os direitos de recurso político. A detenção extraterritorial dos dirigentes da oposição e seu translado aos tribunais imperiais se parecem com as práticas do Império Romano e não à legislação internacional contemporânea.

Enquanto esteve prisioneiro, a Trinidad se lhe negou o acesso a traduções, documentos e material escrito. Esteve algemado numa cela de isolamento 23 horas ao dia durante 21 meses sem advogado defensor. O juiz federal, Thomas Hogan, e o fiscal federal atuaram para predispor o julgamento inclusive antes que começasse. Ao redor de 30 policiais armados numa caravana de veículos escoltados por helicópteros levaram Trinidad algemado ante o tribunal. Negou-se-lhe a eleição de advogado e se destinou uma equipe de peritos em leis nomeados pelo tribunal.

Quando seus advogados tentaram aportar um contexto histórico pertinente, que incluía as tentativas das FARC de participar nos processos políticos eleitorais e o subseqüente massacre de 5.000 militantes e candidatos – entre eles, dois candidatos presidenciais -, a fiscalização protestou. A fiscalização também protestou pela descrição que fez a defesa do generalizado e contínuo estado de violência na Colômbia e do papel das forças de contra insurgência dos EUA em aliança com os grupos paramilitares.

Neste pesadelo kafkiano de uma sala de julgamento, o fiscal pediu ao juiz que ocultasse os nomes dos jurados para protegê-los da “vingança” da “organização terrorista” de Trinidad (no mais profundo da selva colombiana), com o que predispôs ainda mais a um júri já atemorizado e a um juiz tendencioso.

O grupo de peritos em leis da defesa nomeados pelo tribunal não conseguiu se opor à mais elementar das afirmações danosas realizadas pela testemunha chave da acusação, um coronel do exército colombiano, que se referiu a Trinidad como “terrorista”, apesar do fato evidente de que, ainda, não havia sido acusado [de terrorista]. O juiz Hogan se negou a permitir aos membros do júri que levassem seus cadernos com as notas tomadas durante o julgamento e lhes negou o acesso às transcrições, impedindo-lhes uma avaliação racional das provas.

A refutação de Trinidad da testemunha colombiana da acusação e a escandalosa natureza deste “julgamento político espetáculo” resultaram evidentes desde o primeiro dia em que o júri se dirigiu ao juiz. O júri declarou que seus membros estavam profundamente divididos em todas as acusações e pediram ao tribunal que declarasse a nulidade do julgamento por falta de consenso.

Após 18 dias de sessões muito tensas, demagógicos e inflamados discursos políticos, os jurados apenas deliberaram durante sete horas antes de anunciar que estavam num ponto morto. Uma nota de um dos jurados ao juiz do distrito, Thomas Hogan, afirmava: “[...] Cremos que nossas diferenças, fundamentadas em profundas reflexões, são insolúveis”. O juiz Hogan indeferiu a petição de Trinidad de um julgamento nulo, ordenou ao júri que seguisse deliberando e afirmou que declararia a nulidade se os jurados repetissem sua declaração de estar num ponto morto pela segunda vez.

Conclusão

O “julgamento político espetáculo” de Simón Trinidad é um flagrante exemplo das ameaças às liberdades constitucionais, às quais nós e os cidadãos do mundo nos enfrentamos ante o poder sem limite do presidente dos EUA para governar acima de todos os direitos dos estados soberanos e de seus cidadãos, da legislação internacional e das liberdades constitucionais.

Igualmente importante é a atual realidade das detenções ilegais extraterritorial, os seqüestros e os procedimentos arbitrários a serviço das sangrentas políticas imperiais e dos governantes clientelistas, cujos atos estão devastando a sociedade colombiana. O selvagem programa contra insurgente chamado “Plano Colômbia” deslocou a mais de dois milhões e meio de campesinos e moradores das favelas [1] das cidades; o número de pessoas deslocadas se situa abaixo apenas do Afeganistão. Os programas de contra insurgência, denominados de formas variadas (“Plano Colômbia”, “Plano Patriota” e “Segurança Democrática”) estão financiados pelos EUA e promovidos por seu cliente, o presidente Álvaro Uribe.

O sindicato usamericano AFL-CIO [1] documenta mais de 4.000 sindicalistas assassinados entre 1986 e 2002; o governo colombiano só investigou 376 casos, dos quais só cinco terminaram com a condenação do assassino. Segundo os grupos colombianos de direitos humanos, entre os anos 2003 e 2006 o exército de Uribe e seus aliados paramilitares assassinaram a quase mil sindicalistas mais. Durante os últimos cinco anos, 30.000 campesinos, professores rurais e líderes indígenas e campesinos foram assassinados com impunidade.

O estado de repressão (“[Plano] Segurança Democrática”) se centrou no enfraquecimento dos sindicatos contra o Acordo de Livre Comércio usamericano-colombiano, não no enfraquecimento das guerrilhas armadas. Com ao redor de 68% da população colombiana que vive abaixo da linha de pobreza de dois dólares ao dia, e com as expropriações de terra em mãos dos dirigentes paramilitares, com os magnatas do gado e dos comandos militares que concentram a propriedade da terra numa escala sem precedentes, não é de estranhar que a resistência guerrilheira está recrutando voluntários e se enfrente com êxito às campanhas militares apoiadas pelo governo, cada uma das quais leva um título triunfalista e todas terminam num estrepitoso fracasso.

Sem algumas profundas reformas sociais e políticas e a falta de um modelo econômico que integre aos milhões de deslocados, aterrorizados e excluídos, não há estrategista ou estratégia militar – por muito financiada e bem dirigida que esteja – que possa acabar com esta conflito civil.

O primeiro passo para a resolução deste conflito de meio século é o reconhecimento de que a Colômbia está afundada numa guerra civil, não em uma “guerra contra o terrorismo”. O segundo é a posta em liberdade dos protagonistas do processo de paz, Simón Trinidad e sua companheira Sonia, como um passo concreto para um intercâmbio humanitário de prisioneiros e a instauração de medidas confiáveis, que abram a via de umas negociações de paz em grande escala.

Paradoxalmente, o final do derramamento de sangue colombiano poderia começar em Washington, num tribunal federal, ou possivelmente no Congresso dos Eua, com o reconhecimento de que os EUA é uma parte armada na guerra civil da Colômbia, de que seus combatentes são prisioneiros de guerra e de que sua posta em liberdade final depende do reconhecimento dos limites do poder militar usamericano (e de seu cliente colombiano) e de que um acordo diplomático negociado é a única alternativa real.

Espero reunir-me com artistas e intelectuais como Denzel Washington, Oliver Stone, Michael Moore, Noam Chomsky e Ângela Davis, mencionados no chamamento das FARC, num esforço comum para pressionar o governo dos EUA com a finalidade de chegar a um acordo de intercâmbio de prisioneiros (tanto nos EUA como na Colômbia), o que inclui os combatentes usamericanos..

Notas dos tradutores:

[1] Chabolas na Espanha, favelas no Brasil, tugurios na Colômbia, ranchitos ou villamiserias em outras zonas da América Latina.

[2] American Federation of Labor-Congress of Industrial Organizations.

James Petras é sociólogo e escritor usamericano, autor de numerosos textos sobre América Latina

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey