Economia tem a ver com felicidade

Por Marcus Eduardo de Oliveira (*)

O lado consumista do ser humano recomenda que a felicidade repouse na aquisição de produtos e serviços diversos, e, de preferência, em grandes quantidades. Somente por esse pormenor já bastaria para analisarmos a economia pelos seus dois lados mais influentes: a oferta e a demanda. Até mesmo porque tudo parece ser uma questão de oferta e demanda; não à toa esse é um dos principais conceitos da economia.

Evidentemente, junto à oferta e demanda, deve-se levar em conta à variável “preço”; condição essa essencial para deslocar (para cima ou para baixo) a quantidade procurada (demanda) em razão da quantidade fornecida (oferta); isso tudo, é claro, num lugar específico chamado “mercado”.

Pois bem. Utilizando a variável “preço” queremos, por sua vez, apenas para sintetizar essa discussão e não torná-la enfadonha, fazer um link com a variável “renda”, que aponta, essa sim, para a real possibilidade de compra ou recusa dos diversos bens e serviços dispostos nos mercados.

Portanto, pensando friamente dessa forma, ou seja, (no ato de consumir), quanto mais se consumir, mais a felicidade aumenta; ainda que seja não apenas sobre um consumo necessário.

Esse consumo excessivo, que vai além das necessidades básicas, encontra “repouso” nas ciências econômicas no conceito “conspícuo”, ou seja, aquele consumo supérfluo, típico do consumidor voraz pronto para alimentar sua volúpia consumista, atendendo, assim, os ditames da oferta. Ao economista Thorstein Veblen (1857-1929) devemos esse conceito desde 1899.

Portanto, uma primeira direção aqui nos é sugerida: se a felicidade repousa no ato de consumir, como querem alguns, basta consumir cada vez mais para ser muito feliz. Afinal, consome-se de tudo (até mesmo coisas sem sentido) e, em geral, em quantidades que agradam muito aos ofertantes.

Desse modo, como a sociedade, em geral, é muito consumista, pressupõe-se, de imediato, que há muita gente feliz por aí. Nesse sentido, a felicidade é igual ao consumo e o consumo (a chave de ouro do capitalismo) abre as portas da felicidade. Certo ou errado? Você decide!

A diversificação da oferta – o poder da demanda

Tamanha é a diversificação da oferta – cuja demanda parece sempre disposta a responder aos estímulos -, que os economistas, além de calcularem a sensibilidade (elasticidade) da demanda e da oferta em relação aos preços, chegam até mesmo a definir certo tipo de mercadoria chamando-a de “mercadoria não rival”. Essa é aquela mercadoria cujo consumo feito por uma pessoa não impede que outra também a consuma, como um passeio pelo parque público nas manhãs de domingo, a leitura em público de um poema, assistir ao filme do momento num cinema lotado ou mesmo no DVD junto aos familiares reunidos em casa.

Pela pura lógica do consumo, o poder (o falso poder) parece então residir, de fato, nas mãos dos consumidores. John K. Galbraith (1908-2006), um dos economistas mais influentes das últimas gerações, a esse respeito em The Economics of Innocent Fraud: Truth For Our Time diz que “O poder de última instância é o do consumidor. A escolha do consumidor dá forma à curva de demanda. (...) A curva de demanda confere autoridade ao consumidor”.

Parece ser consenso que a teoria econômica, desde seus primeiros passos enquanto ciência foi esboçada dessa forma, sempre olhando o consumidor como figura-alvo. A prática do consumo, não por acaso, é o determinante do vigor econômico. E vigor econômico é o que todos queremos (pessoas, empresas, governo, sociedade em geral), não é mesmo?

A economista Diane Coyle em Sexo, Drogas e Economia (leitura imperdível para quem gosta de ler economia fora do padrão acadêmico dos manuais) corrobora com essa afirmação apontando que “o vigor econômico tem a ver com consumo, não com produção”. Nós acrescentamos que o consumo tem a ver com trabalho, que tem a ver com renda... e, quanto mais renda, mais consumo, mais vigor econômico. Entendemos, definitivamente, que a variável “consumo” é a responsável por puxar qualquer economia para cima. Aqueles que querem que a felicidade esteja correlacionada ao consumo certamente acrescentariam que, dessa forma, pela lógica consumista, alargar-se-á a oportunidade de alcançar a felicidade.

Todavia, essa parece ser a estrutura econômica balizada pelo consumo. Enganam-se aqueles que pensam que a base do capitalismo é a produção. A base (o fundamento) desse sistema é o consumo. Não por acaso alguém já disse que acabar com os consumidores é matar a galinha dos ovos de ouro do capitalismo.

Ademais, feitas essas incursões, convém retomarmos à idéia de felicidade, pois há algo ainda aqui que precisa ser melhor esclarecido.

Será mesmo que para alcançar a dita cuja da felicidade basta apenas consumir, consumir e consumir? Será que essa tal felicidade pode mesmo ser comprada qual fosse uma mercadoria disposta em alguma prateleira?

Maximização da utilidade esperada

Embora o dinheiro não compre felicidade, é um pré-requisito para isso. Assim como o trabalho é o pré-requisito para o dinheiro. Em geral, os economistas querem que todos sejam felizes, e não apenas ricos. Até mesmo porque os economistas caracterizam o comportamento das pessoas quando fazem escolhas com base na maximização da utilidade esperada (espera-se escolher a opção que proporciona a maior utilidade média).

Para entramos nessa discussão, convém, antes, lembrarmos que a economia é construída em cima da estrutura da utilidade, como bem aponta Diane Coyle na obra acima citada.

Utilidade (utilitarismo) para os economistas só faz sentido se pensada em forma de benefício, de bem-estar. A base da Teoria do Consumidor passa pelo conceito de utilitarismo. Esse, por sua vez, pode ser definido como o bem que se identifica com o útil.

Os utilitaristas – Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873) - são claros a esse respeito: “a felicidade está na aquisição daquilo que nos é útil”.

O útil, grosso modo, leva à satisfação, leva ao prazer, leva ao bem-estar. Esse é, em essência, o objetivo do economista: proporcionar oportunidades e escolhas disponíveis a todos no dia a dia, auxiliando o maior número de pessoas na busca de algo fundamental: o bem-estar.

Bem-estar, então, se liga de forma íntima à felicidade. Pelo menos é o que diz a ciência econômica quando recomenda a seus fiéis consumidores que maximizem a utilidade esperada, ou seja, que no ato de tomada de decisões (e não somente no ato de consumir) cada indivíduo alcance o maior nível possível de utilidade.

Conquanto, nem sempre essa utilidade está relacionada apenas ao ato de consumir, para desespero da lógica mercadológica. Posso perfeitamente obter utilidade (felicidade) ao encontrar alguém, ao falar com alguém, ao pensar em algo prazeroso, ao ler um poema agradável, ao respirar um ar puro, ao contemplar uma obra de arte ou um monumento público. Estou assim consumindo algo? Sem dúvida; no entanto, não estou colocando a mão no bolso para isso. Para desespero do capitalismo, reiteramos, nem sempre um consumo vem seguido de gastos. Portanto, as portas da felicidade podem não ser aquelas que nos levam ao comércio/mercado.

Resultados sociais

Se a economia é uma ciência social, nada mais justo que seus resultados apresentem um significado social – e não apenas econômico, como quer a lógica econômico-consumista-mercadológica.

No entanto, esse lado social imerso nessa lógica econômica tem ficado à margem das decisões que priorizam, apenas, e tão somente, o lado econômico. O lado social sempre foi – e continua a ser – relegado a quinto plano.

Pelo lado econômico, o que tem validade são os ganhos financeiros, não os prazeres-utilitários que não envolvem somas de dinheiro. O que interessa, para o lado econômico, é o predomínio econômico-financeiro, não a abrangência social. Essa é a razão da existência de algumas discrepâncias que, em nosso entendimento, beiram a patologia.

O Human Development Report 1998 (p.37) atestava que “o mundo tem recursos mais do que suficientes para acelerar o desenvolvimento humano para todos e para erradicar as piores formas de pobreza do planeta”. Para tanto, a fim de universalizarem-se os serviços sociais básicos bastaria US$ 40 bilhões. Isso significa míseros 0,1% da renda mundial. Isso seria, portanto, o lado social sendo aflorado. Mas não é o que interessa aos grandes grupos que detém e dominam a cena econômica. Passados mais de dez anos do referido Relatório, nada mudou. A lógica econômica continua com a mesma recomendação: vender, vender, vender e, de preferência, excluir o lado social nessa vendas.

Nessa linha de análise as distorções continuam grotescas. Para assegurar educação básica para todos precisaríamos de US$ 6 bilhões, mas não se consegue esse valor. No entanto, os gastos em cosméticos apenas nos EUA são de US$ 8 bilhões ao ano, em média. Para assegurar água e saneamento para todos seriam necessários US$ 9 bilhões. Mas, não há “recursos” para isso. Preferem-se gastar US$ 11 bilhões em sorvetes na Europa. Saúde e nutrição básica para todos exigem cifras de US$ 13 bilhões suplementares por ano. Mas não há “dinheiro” para isso. Como o que predomina é a lógica do consumo sem sentido, a Europa e os EUA juntos gastam, ao ano, US$ 17 bilhões em ração para animais de estimação. Fora isso, apenas no Japão, os executivos se divertem em entretenimentos que “alimentam os desejos da carne” torrando por ano US$ 35 bilhões. Na Europa se gasta US$ 50 bilhões em cigarros e em bebidas alcoólicas todos os anos (em média) e o mundo literalmente “queima” US$ 400 bilhões em narcóticos.

Definitivamente, “o mundo não é uma mercadoria” como nos ensina o professor Henrique Rattner e, “nem tudo está à venda” (everything for sale) como alerta Robert Kuttner, para outra situação de desespero do sistema capitalista.

Logo, a felicidade, nesse sentido, não pode (e nem deve) repousar suavemente sobre o “nobre” ato do consumo exagerado que exige, por conseqüência, elevados dispêndios. Lembremos: o consumo consome o consumidor!

Há algo muito mais interessante que leva à felicidade, ainda que a publicidade, principalmente a televisiva, nos bombardeie diariamente recomendando o consumo a qualquer custo. E a economia, para os desavisados de plantão, tem tudo a ver com isso.

Basta atentarmos para o seguinte: onde a economia estará no futuro depende daquilo que milhões de nós faremos nesse meio tempo até lá. Cabe a nós decidirmos o futuro. O futuro nos pertence e a felicidade, certamente, há de nos esperar na próxima esquina abraçada à maximização da utilidade esperada.
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(*) Economista, mestre pela USP e professor universitário. Especialista em Política Internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP).

http://www.cofecon.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1917&Itemid=1

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey