Uma empresa de comunicação, como o próprio nome está a indicar, é um negócio sujeito às regras e os valores da sociedade capitalista.
Seus dirigentes são participantes de entidades empresarias e defendem os interesses de sua classe na disputa que se faz dentro de uma sociedade onde impera a democracia formal.
Assim como os empresários que fabricam automóveis defendem a construção de mais rodovias e menos ferrovias; que os empresários da construção civil queiram juros mínimos para os seus financiamentos imobiliários; que os empresários do ensino privado sejam contra investimentos na educação pública e os empresários dos planos de saúde não queiram um SUS mais eficiente, os empresários da comunicação são contra um controle social da comunicação que valorize os programas culturais e defenda a regionalização dos conteúdos divulgados.
Muitas vezes os interesses desses segmentos da classe empresarial são conflitantes entre si, mas no plano mais geral eles têm objetivos comuns, que basicamente são: defesa intransigente da livre iniciativa, mesmo quando ela colida com os interesses sociais e participação mínima do Estado na vida social e econômica.
Até mesmo a segurança pública, no pensar dos setores mais radicais dessa teoria privativista, poderia ser passada para a iniciativa privada. Não é a toa que existam cada vez mais empresas de segurança que agem à margem dos governos, enquanto alguns defendem, inclusive, que os presídios sejam novas fontes de lucro para os empresários.
Nesse contexto, as empresas de comunicação não vendem produtos fisicamente mensuráveis, mas outros tipos de mercadorias, cada vez mais importantes na sociedade moderna: a informação, o entretenimento, a cultura, a formação de opinião. Todo esse pacote é embrulhado em imagens coloridas e oferecido diariamente à população através dos seus veículos como a televisão, o rádio e os jornais.
Como integrantes de uma classe, cabe aos empresários de comunicação o importantíssimo papel de dar sustentação teórica aos seus grandes objetivos, que como foi dito, poderia ser resumido em livre iniciativa e participação cada vez menor do Estado na esfera pública.
Numa sociedade onde impera uma ditadura de classe, a força coercitiva é exercida de forma autoritária e policialesca. Numa sociedade onde existe democracia formal, o papel de policia, ainda que importante, perde em valor para a coerção exercida suavemente pelos meios de comunicação, que transferem para a classe social dos trabalhadores, com suas diversas matizes, os valores da classe dirigente.
Somente por isso é possível ouvir pessoas que vivem, e mal, do seu trabalho, enaltecer valores dos que estão no ócio permanente; de ouvir pregações em favor do individualismo em grupos sociais sem qualquer chance de conquistas materiais e finalmente, de ver eleitores votando em candidatos e partidos que defendem políticas públicas objetivamente contrárias aos seus interesses.
Enquanto o processo de alienação social é praticado de uma maneira suave e envolvente pela televisão, através das suas novelas, com uma vida de faz de conta, seus programas humorísticos e agora os reality shows, onde qualquer imbecil tem seus momentos de fama e a chance de ganhar algum dinheiro, cabe aos jornais o papel mais árduo e direto. É através dele, que os meios de comunicação cumprem seu papel de partido político.
Para muitas pessoas, os jornais têm ainda aquela imagem de um local onde pessoas dotadas de um grande senso de investigação, se reúnem para buscar noticias e transmiti-las para a população dentro de uma ótica de imparcialidade e busca da verdade.
Primeiro, os jornais há muito deixaram de ter essa característica romântica que, de alguma maneira tiveram no passado. Aquelas folhas mal impressas, muitas vezes rodadas em mimeógrafos numa garagem, já não existem mais.
Hoje, os jornais modernos exigem investimentos de grande porte. São empresas que empregam centenas de pessoas, incluindo jornalistas, fotógrafos, gráficos, programadores visuais, digitadores e um sem número de pessoas envolvidas com equipamentos de última geração. É um negócio milionário, só acessível a poucos investidores. É acima de tudo, um negócio que objetiva, como toda a empresa, a ter lucros.
Segundo, não existem pessoas imparciais, muito menos jornalistas. Todos nós temos, ou devíamos ter, uma opinião sobre as pessoas e entidades que fazem a vida numa sociedade. Essa opinião é forjada nas nossas casas, nas escolas, nas igrejas quando é o caso e no contato com outros grupos sociais. Tem muito a ver com os livros que lemos ou deixamos de ler.
Enfim, todos têm uma opinião, seja sobre um clube de futebol, um partido político ou um hábito social. Alguns são gremistas, outros, mais felizes, colorados. Alguns são do PT e outros são contra o PT. Alguns são moderados, outros radicais. Alguns têm hábitos liberais e outros são homofóbicos e até racistas.
Por isso, quando tomamos alguma posição política - no sentido de que a política abrange todas as relações entre as pessoas e as instituições de uma sociedade - não podemos ser imparciais. Ainda bem. Somos aquilo para o qual nossa formação social nos encaminhou. Assim, quando algum jornalista se diz imparcial, esqueça. Ele é tão parcial como todos nós somos.
Dentro da estrutura de um jornal, podemos ter jornalistas gremistas e colorados, petistas ou anti-petistas, moderados ou radicais, liberais ou homofóbicos e até racistas, que poderiam no seu conjunto construir uma composição mais ou menos equilibrada. Um tipo de comportamento daria equilíbrio ao outro, contrário. Só que, acima dessas idiossincrasias, existe um valor maior que a é a linha editorial do jornal.
Num grande veículo de comunicação e aí vamos tomar o caso da Zero Hora para exemplificar, cabe a presença de jornalistas e colunistas dos mais variados matizes, o que não impede que hegemonicamente o jornal atue como partido político - talvez o maior e mais coerente do Estado - na defesa de estratégias e táticas que interessam aos seus donos ou acionistas.
Agora que se desenha no horizonte a perspectiva de novas campanhas políticas para o Governo do Estado e a Presidência da República, o jornal vai participar delas ajudando os candidatos que melhor se enquadrem na sua visão do Estado e do País.
Como nas eleições passadas, a Zero Hora vai agir dentro de um projeto que visa assegurar que seus interesses e da classe social que representa, sejam preservados.
Isso significa escolher um candidato, que as pesquisas mostre que seja viável e tratar de ampará-lo, ao mesmo tempo que, vai lentamente tentando desconstruir seus oponentes, como fez com tanto sucesso nas eleições passadas.
Dizem que a ex-funcionária do jornal e atual senadora, Ana Amélia Lemos, seria mais uma vez ungida como a candidata escolhida ao Governo do Estado.
Resta ao jornal saber quem seria o seu principal oponente para começar mais um trabalho de sapa.
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS
Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter