Autores: José Luiz Quadros de Magalhães e Túlio Lima Vianna.
O primeiro grande problema que vivemos de forma acentuada neste segundo turno é gerado pelo sistema de governo adotado pela Constituição Federal. A competição de pessoas para se chegar ao poder em uma democracia concorrencial representativa para um poder unipessoal é uma ficção ideológica. É absolutamente impossível e logo indesejável que uma pessoa governe sozinha uma cidade, quanto mais um país. O processo político democrático em uma democracia de pluralismo partidário deve ocorrer em torno de idéias, projetos, programas e equipes capazes de implementar as políticas amplamente discutidas pela população em uma democracia dialógica e participativa que sustente e influencie os debates e as decisões tomadas no parlamento e no governo.
É absolutamente ridículo o debate político ocorrer em torno de uma pessoa, sua história de vida e sua bondade ou maldade. Conceitos morais simplificados que servem muito bem a manipulação da opinião pública levam a polarização da população que tenderá a se dividir em uma relação amigo-inimigo, primeiro passo para o ódio e suas nefastas conseqüências sociais. Neste sentido, graças aos grandes órgãos de imprensa, especialmente a revista Veja; a Globo e a Folha de São Paulo, o primeiro passo de extremo perigo em direção ao fascismo foi dado.
Pessoas, vítimas da polarização, reagem como esperado pelo projeto fascista: a agressão ao outro, ao considerado inimigo. Uma classe média raivosa esbraveja sua irracionalidade na internet, nos bares e (incrível) nas igrejas. A generalização com fundamento moral superficial. O processo nós X eles foi posto em marcha. Pessoas que não se conhecem se agridem e se odeiam pois são colocadas em lados diferentes. Como estudou o filósofo e psicanalista francês Alain Badiou, a divisão da sociedade entre nós e eles é o primeiro passo para o genocídio.
O segundo passo vem então com maior facilidade: como afirma o pesquisador francês Jacques Sémelin (Purificar e destruir, Editora Difel, Rio de Janeiro, 2009), este ?outro? inferior é estigmatizado; rebaixado e anulado. Na Alemanha nazista isto precedeu ao assassinato de fato. Primeiro o outro é animalizado em uma operação do espírito. Assim ouvimos expressões como ?petralhas?; ?terrorista?; ?operário sujo? e muitas outras. Está desperto dentro de muitos brasileiros brancos de classe média e alta sua herança conservadora, escravista, racista e preconceituosa. O contato com a realidade começa a desaparecer. Os discursos são recheados de agressões, o sangue circula mais rápido e o ouvido se fecha.
O terceiro passo também foi dado pela grande mídia com o apoio do candidato e seu grupo de sustentação. A aproximação da política com a religião, e o que é pior, a transformação da política em um espaço religioso. Esta formula esteve presente na Alemanha nazista e na Itália fascista e foi utilizada em outros processos eleitorais pela América, inclusive na eleição de W. Bush. O processo que aqui descrevo e que assistimos atônitos no segundo turno da eleição é estudado por diversos teóricos e pode ser melhor compreendido no livro acima citado. Outro autor muito instrutivo para a compreensão da política fascista é o constitucionalista Gilmar Mendes, o jurista do nazismo tupiniquim.
Importante compreender este passo no atual momento da propaganda de José Serra. O problema da confusão entre religião e política é o fato de que a política deveria ser um espaço de discussão racional enquanto a religião é um espaço de fé. Quando as pessoas torcem para um partido político, um candidato à presidente como se fosse um clube de futebol alguma coisa anda muito errado. O pior é quando argumentos de pureza, religiosos, morais, começam a ser utilizados.
Qual o problema com os argumentos de pureza? O problema é que esta pureza é irreal, ela é idealizada. A pureza é realmente inexistente, mas assumida por um grupo como uma pretensão realizada. Assim foi a pureza racial para os nazistas (argumento insustentável do ponto de vista concreto), assim foi a pureza política stalinista, assim será qualquer argumento de pureza. O problema de acreditar que alguns são puros (Serra é do bem, Serra é absolutamente honesto) é que os considerados não puros são animalizados, inferiorizados, estigmatizados, eliminados. O discurso da pureza, a crença de que alguns são puros e outros impuros, a não compreensão (a incompreensão) das pessoas como seres processuais em permanente processo de transformação e que aprendem principalmente com seus erros, será um passo para o extermínio do outro. Este discurso é extremamente perigoso, seja qual for o espaço em que ele seja realizado, especialmente nas Igrejas. A crença na pureza absoluta, a repressão extrema do ser real (impuro, incompleto e complexo em cada um de nós) gera distorções absurdas e afasta ainda mais as pessoas dos seus laços com o real, jogando cada pessoa e o grupo social em uma relação paranóica distante dos fatos e cada vez mais mergulhado no imaginário.
A vivência em um espaço imaginário visto como realidade é reforçada pela experimentação desta paranóia de forma coletiva.
Este processo aumenta o narcisismo. A distinção em relação ao outro é motivo de satisfação, o que reafirma a negação do outro como igual, como portador de argumento que mereça ser ouvido.
O quarto passo também já foi dado por Serra e a grande mídia: o problema da segurança e a destruição do inimigo. O medo antecede o ódio e os discursos se encarregam de estruturar esta transformação do medo em ódio.
Agora é necessário um fato para os próximos passos. Uma situação trágica que faça surgir o desejo de vingança. Não vamos permitir que este passo seja dado. Para se chegar ao poder o candidato José Serra e a grande mídia (Veja; Globo; Folha de São Paulo) estão dando passos muito perigosos para todos nós. Talvez eles não desejem seguir adiante mas precisamos ficar atentos e agir.
Para não sermos inocentemente envolvidos por um poder que representam interesses que não são os nossos precisamos desconfiar, estudar, avaliar, e principalmente pensar sem preconceitos e sem ódio. O fascismo e o nazismo, onde se manifestou, envolveu milhões de pessoas, que inocentemente acreditaram que estavam defendendo seus interesses, que estavam construindo um país melhor, e quando descobriram que eram objeto de manobra ideológica sofisticada, já era tarde demais.
Escrevo isto como um teórico do estado, extremamente assustado com o que alguns são capazes de fazer para chegar ao poder. Assustado como jovens de classe média se deixam contaminar pela raiva e o preconceito. O premio do poder é muito grande. Um país que em breve será a quarta economia do mundo e que tem muita riqueza natural e grande parte da água do planeta. Escrevo para todas as pessoas, todas as pessoas de boa fé, que acreditam na democracia, de qualquer partido político e de qualquer crença religiosa. Por favor, pensem no que está escrito e não permitam que dividam o nosso país. Não permitam o ódio.
Sinceramente, acredito que não terei que escrever sobre os outros passos, pois nós os impediremos. A democracia permanecerá e avançará.
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