Uma vergonha histórica para a democracia portuguesa

Após sucessivos adiamentos, terá hoje (3) finalmente lugar a Audição Parlamentar no âmbito da apreciação da Petição pela Igualdade no Acesso Civil entregue pela Associação ILGA Portugal no início de 2006. E no dia 10 de Outubro serão finalmente votados na Assembleia da República projectos de lei que propõem a igualdade no acesso ao casamento para todas as cidadãs e todos os cidadãos - uma reivindicação que, vale a pena frisar, partiu da sociedade civil. Porém, e apesar de estarmos perante uma oportunidade histórica para acabar com a actual discriminação na lei, o Partido Socialista, o Partido Social Democrata e o CDS/PP já anunciaram que votarão contra estes projectos.

Destes partidos, o PSD será o único a permitir liberdade de voto, por considerar que esta será uma questão de “consciência”. Ora, a única questão de consciência nesta matéria será a decisão que duas pessoas poderão tomar em relação ao seu próprio casamento. Já a decisão da igualdade no acesso ao casamento é uma decisão política que tem a ver com o reconhecimento de gays e lésbicas como cidadãos e cidadãs de pleno direito da República Portuguesa. Nem sequer existe aqui qualquer confronto de valores constitucionalmente protegidos – esta questão é linear: é possível garantir direitos fundamentais a todas as pessoas sem prejudicar ninguém.

O líder parlamentar do PSD defende, no entanto, que por uma preocupação com o “multiculturalismo”, é necessário demonstrar compreensão e compaixão em relação à tradição homofóba. E afirma até que “não há exactamente uma igualdade no plano ontológico” de gays e lésbicas. É fantástico que estes argumentos sejam apresentados, pelo que revelam da ignorância sobre a história e os mecanismos das várias discriminações. Paulo Castro Rangel incitaria à compreensão de quem, por considerar não haver uma “igualdade no plano ontológico”, defendia a manutenção de um apartheid na África do Sul?

Por seu lado, o CDS/PP anuncia respeitar “as opções de vida” de cada pessoa, ao mesmo tempo que impede que casais de gays ou de lésbicas possam precisamente optar pelo casamento, sendo que se trata de uma óbvia discriminação com base na orientação sexual que está constitucionalmente proibida desde 2004 (e tendo essa proibição sido votada favoravelmente pelo CDS/PP).

Já o Partido Socialista, que detém uma maioria absoluta no Parlamento português e que será directamente responsável pelo resultado da votação, tomou uma decisão violenta ao obrigar as deputadas e os deputados do seu grupo parlamentar a reforçar uma discriminação na lei portuguesa, porque a igualdade não é “oportuna”.


A justificação apresentada, se não fosse trágica, quase pareceria cómica: o PS poderá ser a favor, mas vota contra; o PS impõe disciplina de voto, mas admite uma excepção; o PS não aprova porque não está discutido, mas na realidade há muito tempo que se recusa a discutir. E é importante frisar que, para além da gravidade desta posição, que dá primazia a questões de estratégia político-partidária em detrimento do reconhecimento da cidadania de gays e lésbicas, continua a não haver qualquer compromisso relativamente ao programa eleitoral de 2009, para o qual o PS continua a remeter a questão. Ora, se o PS se afirma a favor da igualdade, terá que incluir a igualdade no acesso ao casamento civil de forma clara no seu programa, mesmo porque qualquer outra opção legislativa seria uma vez mais uma legitimação da discriminação.

No dia 10 de Outubro, o que as deputadas e os deputados que votarem contra a igualdade vão dizer é que as nossas relações devem continuar a ser menorizadas, insultadas, vistas como indignas e “diferentes”. Vão reforçar a homofobia, utilizando-a como motivo ou como desculpa. Vão dizer que as nossas vidas – as vidas de tantas mulheres e de tantos homens em Portugal - são irrelevantes face a um jogo político. Vão dizer que a nossa cidadania é também ela secundária e por isso não cabe em agendas de quem se preocupa com questões “importantes”. Mais ainda: vão afinal dizer que a expressão “direitos fundamentais” é vazia de significado.

Porque a qualidade de uma democracia se mede também pela forma como respeita as suas minorias e porque é a importância dos direitos fundamentais de uma minoria que é posta em causa por esta votação, o dia 10 de Outubro promete passar a ser o dia da vergonha para a democracia portuguesa.

A Direcção e o Grupo de Intervenção Política da Associação ILGA Portugal


Dia 10 de Outubro estaremos na Assembleia da República com orgulho em defender a igualdade.


Associação ILGA PORTUGAL
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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey