A concorrida posse do novo presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, foi uma festa para a mídia e para as oposições que enxergaram em seu discurso um puxão de orelha no governo e a abertura de uma nova trincheira contra o presidente Lula. A mesma mídia e a oposição, que por vezes se confundem, fazem de conta que a fanfarronice do ministro é uma vestalina preocupação de um novo herói, ao estilo caçador de marajás, de Collor, que desembarca na corte para cuidar bem da coisa pública.
A identidade da fala novo presidente com a mídia começa com a criminalização dos movimentos sociais, com ênfase para o MST e respingo nos estudantes de São Paulo e de Brasília. Com a oposição, uma identidade mais antiga. Ele cospe no prato que comeu, ao reclamar de algumas práticas nada diferentes das do governo anterior. Como se sabe, o ministro-presidente serviu com desvelo na Advocacia da União do governo tucano e, por isso, foi elevado à categoria de ministro. Não consta que, como membro do governo FHC, o novo paladino da República tenha feito o menor esforço contra o excesso de medidas provisórias que somente agora, no governo Lula, vê imobilizar o legislativo.
Independentemente de seus eventuais méritos, a eleição de Gilmar seguiu a tradição da Casa de eleger quem ocupa a vice-presidência, segundo a edição 512 de revista Época. Acusado de participar das famosas blindagens durante o governo FHC, o ministro causou grande polêmica no Supremo com procuradores da República quando da sua intervenção em defesa de seus ex-colegas do governo, o ministro Raul Jungmann e outros, todos respondendo por lesão ao patrimônio público e à probidade administrativa. Na pauta imediata do Supremo, agora sob presidência correligionária tucana, serão julgadas matérias de interesse político do PSDB contra o governo Lula. O próprio ministro é o relator.
General falastrão
Não menos fanfarrão, um aloprado general Augusto Heleno, bramindo loas preconceituosas sobre a questão indígena, que tratam os índios como cidadãos de segunda classe, e delirando paranóias sobre a segurança nacional, vem destilando aleivosias contra a acertada política indigenista oficial. Lançados no mercado os papeis de uma falsa crise militar, verificou-se uma frenética corrida de investidores, entre civis antilulistas e milicos de pijama, alguns quase mumificados, ou dirigentes de empoeirados clubes militares. Para Janio de Freitas, em sua coluna na Folha de S. Paulo desta quinta-feira, os papéis têm muito mais aplicadores civis do que supõem os otimistas da Democracia.
Teme o experiente jornalista que, ante tal iniciativa incendiária dos comandos do demo-tucanato, a oposição ao governo se confunda com oposição à ordem institucional. No mínimo, é um ato irresponsável de desespero... incapacidade de encontrar políticas inteligentes de oposição, diz Janio. Somente a irresponsabilidade justifica a oposição tucana à iniciativa do atual governo sobre a homologação da reserva Raposa Terra do Sol, vez que ela foi uma decisão do governo FHC, precedida de quase trinta anos de discussão democrática entre os setores envolvidos. Só a posição do tinhoso Demo é justificada, por sua origem histórica de escora política da ditadura militar.
Jânio identifica a figura polêmica do general com a velha linha dura. E revela que durante as investigações que levaram à condenação o famoso ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, cerca de 100 telefonemas de Lalau foram para o general. Em 2004, o general assumiu o comando das tropas da ONU no Haiti. Nove meses depois, diz Jânio, foi lançado nos EUA e na Suíça o relatório "Mantendo a paz no Haiti?", do Centro de Justiça Global e da Universidade Harvard, com críticas severas envolvendo o comando do general brasileiro. As tropas da ONU davam cobertura à campanha de terror da polícia nas favelas de Porto Príncipe. E violações de direitos humanos eram praticadas pela própria tropa.
Ao tempo em que atrai insolentes, quase ingênuas, manifestações patrióticas em nome do sagrado dever de defender a soberania e a integridade do Estado brasileiro, o general protege, na realidade, os interesses de meia dúzia de arrozeiros ilegais, grileiros das terras da União. Tem razão Francisco Loebens, do Conselho Indigenista Missionário: a não demarcação é uma estratégia ardilosa de condenação dos índios, para confiscar-lhes suas terras. Não difere muito da forma utilizada durante o período colonial, quando, para justificar a chamada guerra justa, se acusava os índios de praticarem delitos, toda vez que existia o interesse de avançar sobre suas terras e de buscar mão-de-obra escrava.
Sidnei Liberal
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