Trabalho infantil doméstico é o mais difícil de fiscalização e combate. À frente do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), a secretária Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social, Ana Lígia Gomes, fala sobre as políticas de combate ao trabalho infantil no Brasil. De acordo com a secretária, um dos maiores problemas da exploração da mão-de-obra de crianças se dá, sobretudo, no âmbito doméstico e no campo, áreas difíceis de fiscalizar.
Em Questão - De acordo com relatório global de 2006 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil tem se destacado pelo compromisso do governo e da sociedade em implantar políticas públicas para erradicar todas as formas de trabalho infantil. A senhora poderia destacar quais são essas políticas?
Ana Lígia - Temos um plano de erradicação com a participação de vários ministérios, monitorado pela Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil. Dois ministérios, em especial, são protagonistas: o do Trabalho, encarregado por lei de fiscalizar, cumprindo esse papel em vários municípios; e o de Desenvolvimento Social, com um programa de erradicação do trabalho infantil criado a partir de pressões dos movimentos sociais. O governo aumentou a cobertura da erradicação do trabalho infantil e fizemos medidas gerenciais importantes, como o cadastro único de famílias do Bolsa Família. Embora de responsabilidade do governo, temos clareza que requer mobilização permanente de estados e municípios e da sociedade em geral para combate e fiscalização.
EQ - A senhora diria, então, que este programa de erradicação do trabalho infantil que está sendo feito no Brasil cumpre seu papel?
AL - Ele é muito importante e central nessa questão, mas não pode ser o único responsável. Ele cumpre, para aquelas famílias pobres, o papel de fazer uma transferência de renda, cabendo às famílias duas contrapartidas: a criança tem que freqüentar escola e participar de uma grade de ações sócio-educativas (lazer, cultura, esportes, entre outros). Para apoiar este programa são necessários projetos de inclusão produtiva com as famílias. Digamos que hoje, com esse trabalho, chegamos a um patamar em que caminhamos bastante para erradicar as piores formas do trabalho infantil.
EQ - A partir de 2006, houve integração do Peti com o Programa Bolsa Família. Quais foram as melhorias sentidas pelo Brasil com esta fusão?
AL - A integração evita a duplicidade de benefícios. Havia famílias que estavam recebendo os dois: o Bolsa Família e o Peti. Antes repassávamos recursos para mais de um milhão de crianças. Ao instituirmos o Cadastro Único, o número caiu para 870 mil. O recurso era passado para o município, que fazia o pagamento das bolsas. Agora, é cartão eletrônico na mão da família.
EQ - Dados da Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílios (Pnad/2005) apontam que 2,9 milhões de crianças de 5 a 15 anos estão expostas ao trabalho. Apesar dos avanços no combate, o Brasil tem grande contingente de crianças e adolescentes sendo exploradas na agricultura e no trabalho doméstico. Por que estes dois setores são os mais afetados?
AL - É muito comum que a sociedade acabe naturalizando o trabalho infantil, por tradição, cultura e valores até compreensíveis. Mas não podemos admitir que pais continuem a pensar que, porque começaram a trabalhar cedo, seus filhos também o devem. No âmbito privado, a fiscalização e o combate são mais difíceis. Na esfera da classe média, pode ser visto como um ato de bondade levar meninas para dentro de casa a pretexto de que, ao lado de suas famílias, não têm o que comer e vestir. São situações em que podem ocorrer exploração de trabalho e até abuso sexual. Em relação à agricultura familiar, precisamos fazer um pacto onde, mesmo trabalhando para a sobrevivência, é fundamental a conscientização dos pais.
EQ - Quais são as medidas que o País vem realizando para acabar com o trabalho infantil nesses dois segmentos?
AL - Para entender como funciona a dinâmica das famílias, precisamos avaliar melhor para a correta intervenção. Por isso encomendamos um suplemento específico sobre trabalho infantil para a Pnad/IBGE, que deve ficar pronto em agosto. Queremos saber como e o que a Pnad está perguntando, além de introduzir uma série de outros questionários, para entender, saber o que fazem e onde estão nossas crianças. Também fizemos um convênio com o Ministério Público do Trabalho, que atua em rede com todos os outros ministérios públicos dos estados. Eles têm uma coordenação especial para a área de trabalho infantil, na qual identificam a ilegalidade e chamam à responsabilidade tanto a família como o agente público da cidade para que se aplique medidas junto ao Conselho Tutelar.
EQ - Essas medidas seriam, então, de médio e longo prazos. Não teriam impacto imediato, mas sim para gerações futuras?
AL - Com certeza. É um grau de civilidade que não se alcança, digamos, em dez anos. Não podemos discutir o trabalho infantil olhando apenas para política social. Deve haver interlocução com políticas econômicas, que acabam trazendo efeitos que ninguém pensou ou propôs como, por exemplo, a atual formação do mercado de trabalho com as terceirizações. Uma empresa grande que contrata uma pequena que, por sua vez, contrata uma família para montar um produto no fundo do quintal.
Fonte: Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República
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