Ocupação da reitoria USP

Ocupação da reitoria USP

O resgate da dignidade - A ocupação da reitoria da USP, pelos estudantes, independentemente do desfecho determinado no embate com o poder constituído e a força das armas, recolocou na ordem do dia várias questões que são relevantes para movimento estudantil, o meio universitário e a sociedade em geral.

Hamilton Octavio de Souza

23.05.2007

A ocupação da reitoria da USP, pelos estudantes, independentemente do desfecho determinado no embate com o poder constituído e a força das armas, recolocou na ordem do dia várias questões que são relevantes para movimento estudantil, o meio universitário e a sociedade em geral.

A burocracia acadêmica, responsável pela gestão da Universidade, não havia esboçado a menor reação diante da manobra safada do governador José Serra, do PSDB, que quis controlar a instituição por meio de medidas camufladas e indiretas.

Ao contrário, a burocracia acadêmica acovardou-se e tornou pública a sua falta de compromisso com os valores mais sagrados da Universidade, revelou o seu despreparo para o diálogo e para a democracia. À reitora, insensível e incompetente, só resta renunciar.

Se os estudantes não tivessem entrado em ação para defender a Universidade e não tivessem ocupado a reitoria – um gesto legítimo nas instituições usurpadas pelas castas autoritárias e elitistas –, certamente a solerte academia teria engolido as manobras governamentais sem dar um pio.

No primeiro momento, inclusive, apenas os funcionários apoiaram a luta dos estudantes. Os professores, sob os efeitos maléficos da longa anestesia e do exacerbado individualismo, demoraram vinte dias para entender o sentido mais profundo do movimento, escutaram suas próprias demandas e entraram em greve.

O que os estudantes lembraram para todos, desde o interior da reitoria ocupada, é que a prepotência do discurso economicista e tecnocrático precisa ser impedida de continuar destruindo o espaço e a vida universitária; que é preciso parar com os sacrifícios impostos ao ensino superior em nome das leis predatórias do neoliberalismo; e que a Universidade precisa investir em professores, salários, instalações e, especialmente, na liberdade criativa e transformadora.

Se a reitoria não tivesse sido ocupada, dificilmente essas questões teriam entrado na agenda das autoridades, mesmo porque o papel rastejante da burocracia acadêmica tem sido o de cumprir levianamente as imposições do sistema dominante sem qualquer questionamento, reflexão, debate e resistência. Tudo faz para se manter incrustada no aparelho que lhe permite delinqüir.

Do outro lado, a ocupação da reitoria demonstrou cabalmente que o governo do Estado não dispõe de um único quadro – uma única pessoa – capaz de dialogar com a juventude, com os estudantes universitários e com quem reivindica alguma coisa. Tanto é que o tucano Serra, ironicamente um ex-presidente da UNE, indicou a Polícia Militar para "negociar" com os estudantes. Se a decisão teve a intenção de enfatizar desprezo pela ação estudantil, o tiro saiu pela culatra, e apenas revelou mais uma fragilidade de um governador medíocre com pretensão de chegar à Presidência da República.

Num Brasil em que os poderes da República e o empresariado se afundam na lama dos negócios privados e da corrupção, em que a Universidade mercantilizou sua relação com a sociedade e a academia e a intelectualidade abandonaram seus compromissos com o povo e com o País, a reserva ética e a esperança renascem com a juventude – em momentos como esse de tomada de posição, de risco e de resgate da dignidade.

Quem olha o que está acontecendo na Universidade apenas com a visão doente da paranóia, não quer mesmo construir o novo, o futuro, o que precisa ser mudado. Prefere padecer na sua própria arrogância e egoísmo. Não irá entender jamais que a história continua, e que amanhã será outro dia.

Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor universitário.

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