Milton Lourenço (*)
No Brasil, tradicionalmente, quando as autoridades concluem que determinados objetivos não serão alcançados, para não passar a impressão de inoperância, costumam criar comissões ou grupos de trabalho ou, então, organismos e siglas para assumir a responsabilidade por tarefas que até então estavam afeitas a outros órgãos.
Nada disso serve para muita coisa com freqüência, a criação de organismos só contribui para a abertura de novos cargos e a expansão dos tentáculos da burocracia , mas, para o público externo, ou seja, para o contribuinte, passa a impressão de que o governo está preocupado em encontrar soluções para velhas carências. E aplicar bem o dinheiro dos impostos.
Só esperamos que essa peculiaridade da vida pública brasileira não esteja a se repetir agora com a criação da Secretaria dos Portos, que assumiu a administração de onze companhias docas que estavam sujeitas ao Ministério dos Transportes, embora seja um pouco difícil acreditar no contrário, já que o primeiro semestre de 2007 caminha para o fim e, afinal de contas, Santos e os demais portos brasileiros vivem apenas dias de incerteza.
Em outras palavras: o Porto de Santos, o principal do País e responsável por 26% do comércio exterior brasileiro, tem obras fundamentais para o seu desenvolvimento à espera de quem as toque. Como se sabe, os atuais diretores da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), todos indicados por políticos que atuaram na base de apoio do governo no Congresso durante o mandato presidencial anterior, não sabem se vão continuar e, portanto, se estão de mãos atadas até para decisões mínimas, tampouco poderiam definir o modelo de gestão que o Porto deverá adotar nos próximos anos.
Afinal, sabe-se que a Secretaria dos Portos assumirá a responsabilidade pela administração das companhias docas, mas, até agora, não está definida a participação do governo do Estado e dos municípios no novo modelo portuário. Enquanto essa discussão se prolonga indefinidamente, o Porto de Santos, assolado por tantos problemas, não se mostra em condições de aguardar mais tempo, sob pena de ver suas deficiências de infra-estrutura cada vez mais agravadas.
Por outro lado, de pouco adianta as empresas privadas continuarem a investir em ampliações e novos terminais, se a infra-estrutura de transporte rodoviário e ferroviário permanece sem alterações. Como o Porto não estava preparado para a abrupta mudança em favor do novo modelo exportador, que se deu depois da privatização, a atual infra-estrutura resultado de décadas de abandono por parte do poder público não tem condições de suportar uma demanda cada vez mais crescente. O resultado disso tem sido congestionamentos não só na época do escoamento das safras, mas com uma periodicidade que só tende a se tornar freqüente.
As perspectivas são, portanto, cada vez mais críticas, já que, felizmente, o Porto de Santos passa por uma fase de alta produtividade, como provam os números:
comparado com 2005, houve um crescimento em 2006 de US$ 9,5 bilhões, ou seja, de 18,7%. Em termos de movimentação de carga, esse crescimento foi 6,1% em 2006 em relação a 2005. Pode parecer pouco, mas, se a comparação for com 2002, o crescimento é de 70%, ou seja, de 53,4 milhões de toneladas registradas em 2002, passou-se para os atuais 76,3 milhões de toneladas.
Como a infra-estrutura não sofreu por nenhuma mudança significativa nesse período e a Codesp só tem se limitado a fazer obras pontuais, está claro que, a cada dia, o estrangulamento ganha mais força. Até porque as previsões indicam que, em 2007, a movimentação de cargas ultrapassará facilmente 80 milhões de toneladas.
Como as obras de construção da Avenida Perimetral na margem direita, em Santos, só começaram ao final de março com a demolição dos armazéns 22 e 28 Externo, na região do Paquetá, não se tem, a rigor, uma previsão para a sua conclusão. Mesmo porque, a Codesp, com um passivo acumulado superior a R$ 900 milhões, dispõe de um orçamento apertado, que não a permite fazer grandes investimentos.
Na margem esquerda, no Guarujá, as obras da Perimetral nem saíram do papel: o projeto e o orçamento estão prontos, mas a sua execução depende de estudo de viabilidade econômica para a obtenção da licença ambiental. Sem essa formalidade, não será possível dar início ao processo de licitação.
Tudo isso equivale a dizer que, com o crescimento da movimentação de cargas, fatalmente, haverá muitas complicações em breve nas pistas descendentes da Serra especialmente na Via Anchieta, no trecho entre Cubatão e Santos e nos acessos ao Porto. Sem contar outros gargalos, como o acesso rodoviário a Guarujá, que sofre em razão da falta de ampliação da rodovia Piaçaguera-Guarujá.
Nos últimos dias, aliás, esses pontos críticos já têm registrado grandes congestionamentos em razão do grande fluxo de caminhões e automóveis que se dirigem para Santos. Se a atual indefinição em relação ao Porto de Santos persistir por mais alguns meses, não há dúvida de que o futuro nos aguarda com muitos problemas.
(*) Milton Lourenço é diretor-presidente da Fiorde Logística Internacional, de São Paulo-SP (www.fiorde.com.br). E-mail: [email protected]
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