Iniciamos nossa série de entrevistas exclusivas com candidatos à Presidencia do Brasil com Cristovão Buarque, ex-Ministro de Educação do Governo Lula. Descreve a sua visão do Brasil sob 4 anos de governo PT, analisa os pontos fortes e fracos do Presidente Lula, escolha as prioridades para o Brasil e fala das perspectivas do PDT na eleição.
1. Como descreveria os 4 anos do Brasil sob um governo PT?
O presidente Lula ficou amarrado a duas coisas: ao corporativismo e ao imediatismo. Não trouxe para o governos dele o Brasil inteiro e o futuro. Ele não fala para o Brasil, fala para grupos organizados. Aqui para mulheres índias, ali para empresários numa feira de gado, ou para militantes sindicais. E só de reivindicações imediatas, não pensa o País do futuro. Quer dizer que ele atua e fala para esses grupos, não para a nação. Devido a essa origem, o PT montou um governo que se sente familiar a esses grupos e acha normal atendê-los, ao invés de discutir um projeto para todo o Brasil, no longo prazo. São setores, por exemplo, do serviço público, dos sindicatos fortes, das universidades. Assim, o governo empenha-se em criar empregos públicos e não acha prioritário estimular empregos nos outros setores de produção. Gasta energias com a reforma universitária, numa lei que vai destinar 75% dos recursos do Ministério da Educação para as universidades federais, e não implanta o que eu chamei de "revolução das crianças", uma profunda mudança no ensino fundamental.
Hoje você tem no Brasil os donos do capital - a chamada elite -, os trabalhadores organizados e os excluídos. É quase uma continuação dos tempos da escravidão, quando havia também três grupos, os brancos ricos, os brancos trabalhadores e os escravos. O PT vive e sente como parte do grupo do meio, não do de baixo.
E o que isso significa, na prática? Significa a impossibilidade de se repensar o Brasil e melhorá-lo para as próximas gerações. O fato é que a revolução tecnológica e cultural, com todo o seu impacto, exigiria uma reavaliação que o PT não fez. Dou um exemplo: a grande contradição histórica, hoje, é entre quem tem conhecimento e quem não tem. Não é mais entre capital e mão de obra.
2. Quais foram os pontos fortes e fracos do presidente Lula?
Tem um aspecto do quadro nacional que não tem sido observado. É uma crise mais profunda do que aparece no momento. É uma crise estrutural. A sociedade brasileira é uma fábrica de violência. É uma fábrica de deseducação, porque hoje nós temos um triângulo maldito, que é a desigualdade, a corrupção e a violência. Uma economia que não cresce, uma renda que não é distribuída, uma população de excluídos e marginalizados. O país está paralisado do ponto de vista social.
O governo Lula só tem uma culpa: prometeu mudar isso e não mudou. A crise social não começou no governo Lula. Mas ele foi eleito com a promessa de mudar e não fez nenhum gesto nessa direção.
O Bolsa Família é importante, mas não muda. É a diferença entre assistir e emancipar. A diferença entre o Bolsa-Família e o Bolsa-Escola. O erro de pensar só no pontual, no local, no grupo e não no Brasil como um todo. Pensar só no presente e não no futuro. O Bolsa-Escola emancipava, porque era bolsa e era escola. Ele tirou a escola e passou para família. Três equívocos ocorreram, que descaracterizaram o programa educacional e o transformaram em um programa assistencial. Primeiro, tirar o "escola" desvincula da educação. Segundo, tirar do Ministério da Educação a administração do programa e transferir para o Desenvolvimento Social. A terceira é misturar um programa para auxiliar na educação com um programa para ajudar as famílias a cozinhar, que é o caso do vale-gás. Tem que separar isso: Bolsa-Escola e Bolsa-Família, dois programas diferentes. Voltamos no quadro nacional: é preciso mudanças estruturais, que Lula prometeu e não cumpriu. O Brasil perdeu o rumo. Já vinha perdendo o rumo antes de Lula, só que Lula prometia mudanças...
Claro que vou manter o ProUni, mas vou vincular o programa àqueles que estudam nas áreas de interesse público, sobretudo aos alunos de magistério e licenciatura. É possível que eu mantenha muitas coisas, mas fazendo adaptações. O compromisso com a estabilidade econômica, por exemplo, é outra coisa que manterei.
3. Quais são as perspectivas para seu partido nas próximas eleições?
Meu sonho é ajudar o Brasil a debater um projeto alternativo. Tenho certeza de que vou influir no debate. Eu acredito plenamente em passar uma mensagem, convencer os jovens, adquirir adeptos para uma causa e mostrar que a porta da modernidade não é mais a indústria, mas a escola. O que pode fazer o Brasil ser menos desigual e uma nação de vanguarda do futuro é a educação básica, o ensino superior e a ciência e tecnologia. Se conseguir passar isso a gente vai ter uma vitória.
O que precisamos fazer já, que é o centro do nosso projeto, é quebrar a brutal desigualdade da sociedade brasileira. Derrubar a cortina que separa uma parcela da população de outra. Abolir o apartheid social brasileiro, que eu chamo de apartação. Como fez Mandela na África do Sul. Só que lá era racial e aqui é social. Isso exige recursos federais e uma lei de responsabilidade educacional para todos os dirigentes brasileiros. Mas um governo não se resume a isso. É fundamental recuperar a credibilidade na política, combatendo a corrupção. Não apenas pondo na cadeia os ladrões, mas fechando a porta para que não se consiga roubar no Brasil. É preciso que se tenha políticas públicas na área da saúde, água, esgoto, moradia. E para fazer isso, é necessário um grande programa de geração de emprego. Também é preciso cuidar da economia, tendo em primeiro lugar o compromisso com a estabilidade monetária, sem o qual o povo paga um preço muito alto. Mas não basta a estabilidade. Já tenho pronta uma política de recuperação do salário mínimo.
4. Quais as prioridades para o Brasil?
A integração social do país. E o caminho é a educação. Até algumas décadas atrás se acreditava que a indústria seria capaz de incluir os excluídos. O pobre no Nordeste pegava um pau-de-arara, ia para São Paulo e se incluía na modernidade. A porta para a modernidade hoje é a escola.
Educação, óbvio, de qualidade para todos os brasileiros. Escolas bonitas, agradáveis, bem montadas, funcionando em horário integral, para todas as crianças, em todos os municípios brasileiros. Professores bem pagos, bem capacitados, respeitados, felizes com a sua profissão. Alunos bem alimentados, a salvo da violência das ruas e do trabalho precoce, e, acima de tudo, aprendendo. Alunos que entrem na escola aos 4 anos de idade, e concluam o ensino médio preparados para a vida, seja prontos para começar a universidade, seja preparados para os desafios do mercado de trabalho num mundo globalizado e cada vez mais automatizado. Jovens que sejam capazes de vencer o ciclo perverso da pobreza e da falta de oportunidades.
Claro que tenho outras prioridades - segurança, saúde, emprego, defesa nacional, cultura, agricultura, indústria. Mas vou dedicar meu mandato a mostrar que é possível garantir oportunidades iguais para todos. E que o caminho para isso é a educação. Com uma educação equivalente, todos têm a mesma oportunidade. Crescem e se desenvolvem dependendo do talento e da persistência. Mas todos partem da mesma base. Não é isso o que acontece no futebol? Temos tantos craques porque todos os meninos jogam bola desde pequenos, nos mesmos campos de pelada, com as mesmas bolas. Mas escola eles não têm; livros eles não têm. A educação das nossas crianças depende de sorte: de nascer numa família rica, numa cidade rica, com um prefeito que invista em educação. Isso precisa mudar. Criança precisa ter a chance de vencer, graças ao mérito, ao talento e à persistência. Como os nossos craques da bola tiveram.
A educação básica tem de ser prioridade nacional, responsabilidade do Governo Federal. As escolas do Brasil precisam ser iguais, e garantir um futuro a todas as crianças. Por isso, defendo uma federalização da educação no Brasil.
Senador Cristovam Buarque, PDT-DF, candidato à Presidência da República, ex-ministro da Educação do governo Lula
Entrevista conduzida por
Armando COSTA ROCHA
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