O Brasil festeja, na próxima semana, uma conquista que reúne, ao mesmo tempo, densidade política e relevo econômico para qualificar melhor o debate sobre o desenvolvimento nas eleições de 2006.
A Petrobras, criada em janeiro de 1952 pelo então presidente Getúlio Vargas, depois de intensa mobilização nacional, inscreve nosso país, agora, entre as poucas nações industrializadas do planeta com auto-suficiência em petróleo. Não é um trunfo pequeno. A economia mundial range e arfa sob o peso implacável do custo da energia. A espiral ascendente das cotações bateu a marca dos US$ 69 por barril na terça-feira. Escassez e guerras pelo controle das reservas remanescentes condicionarão as transformações geopolíticas do século XXI. Grandes referências e dogmas econômicos podem soçobrar nesse percurso.
A reciclagem da matriz energética ergue-se como a agenda inexorável do desenvolvimento no século XXI. A transição cobrará um ágio elevado dos países que não conquistaram autonomia dentro da velha matriz, estando, portanto, obrigados a arcar, simultaneamente, com o crepúsculo da era fóssil e com a desvantagem financeira na corrida pela busca de alternativas renováveis e não-poluentes, como é o caso da agro energia.
O Brasil que emerge dessa equação, graças aos investimentos em marcha na Petrobras (US$ 58 bilhões em seis anos), à recuperação do Proálcool e ao lançamento do Biodiesel pelo governo Lula, é um forte candidato a potência energética do século XXI. É isso que emoldura e aumenta o valor do feito histórico da Petrobras agora, ao mesmo tempo em que valoriza a lição da arquitetura política que tornou possível a sua criação, há 53 anos.
Não se trata de ressuscitar projetos que pertencem ao seu tempo, mas não podemos desperdiçar a memória do desenvolvimento. A principal lição da luta pela Petrobras é que as vantagens comparativas de uma nação não decorrem apenas das ofertas da natureza, mas constituem, também, uma construção histórica de cada povo. Se dependesse somente dos impulsos de mercado - e de seus ventríloquos -, a Petrobras não teria sido criada. Criada, teria jogado a toalha logo depois das primeiras prospecções em terra, verdadeiramente decepcionantes. A importância estratégica de uma indústria petrolífera, porém, levou os defensores da Petrobras a insistirem no projeto, voltando seus esforços para a plataforma marítima, o que fez do Brasil, hoje, o líder mundial na produção de óleo em águas profundas.
Na verdade, se dependesse exclusivamente da visão conservadora, nenhuma dessas etapas teria sido percorrida porque Getúlio Vargas sequer retornaria ao palácio presidencial em janeiro de 1951. O vale-tudo na sucessão presidencial de 1950 tinha, exatamente, esse objetivo: derrotar Getúlio antes, durante ou depois do pleito. O então deputado udenista, Carlos Lacerda, não disfarçava a disposição de corrigir, pela força, eventual ''erro'' da preferência popular nas urnas: ''O senhor Getúlio Vargas ...'' - advertia o ''Corvo'' nas páginas obsequiosas da Tribuna da Imprensa, em junho de 1950 - 'não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução (NR: golpe) para impedi-lo de governar'.
Contra tudo isso nasceu a Petrobras. Foi, portanto, uma dupla vitória da democracia, em contraposição ao golpismo e à cartilha do Estado Mínimo, com a sua receita de mobilidade máxima para os capitais e de engessamento da vontade popular e do investimento público. Tivesse sido outro o resultado, hoje teríamos pouca estabilidade para recolocar a agenda do desenvolvimento no debate eleitoral de 2006. Com os preços do petróleo, em vez da auto-suficiência, estaríamos mergulhados numa asfixia financeira imprevisível.
Nosso saldo em contas correntes - que este ano deve passar de US$ 9 bilhões - provavelmente reeditaria o desastroso ''gerenciamento'' dos anos 90, que custou um déficit da ordem de US$ 188 bilhões e duas idas ao guichê do FMI. Aí sim, veríamos consumar-se o estreitamento do hiato de produto do PIB brasileiro, graças a um constrangimento auto-imposto por aqueles que, ontem, como hoje, continuam a alardear que o desenvolvimento é uma agenda ''administrativa'' - e não uma construção política de cada povo.
in JB
José Dirceu
Ex-ministro chefe da Casa Civil
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