Corruptos e sonegadores
A revista Super Interessante nunca foi minha preferência como leitura, mas na ante-sala de um consultório odontológico, aguardando a malfadada hora de sentar na cadeira de dentista, ela ajuda a suportar a tensão da espera.
Como é de hábito começar a leitura pelo fim da revista, uma matéria cheia de gráficos coloridos logo chama a atenção nas últimas páginas.
Fala sobre impostos e começa dando a impressão de que vai repetir aquela velha história tão de agrado dos moralistas mal informados. Pagamos muitos impostos e os serviços que o governo nos dá em troca são muito ruins. Além de tudo a corrupção dos políticos é um poço sem fundo a drenar os recursos que poderiam ir para a educação e a saúde.
Antes de largar a revista, porque a espera pelo dentista se prolonga, vou em frente pelas páginas seguintes e os dados que vou lendo são surpreendentes.
Passo alguns para os leitores desse site.
- Somados todos os impostos (municipais, estaduais e federais) sobram apenas 4.085 dólares para o Estado gastar com cada um dos brasileiros, no período de um ano. Isso inclui escolas, polícia, hospitais, universidades, tribunais, ruas, estradas e portos, ou seja, todos os serviços prestados pelo Estado. Nos Estados Unidos, são 13.429 dólares para cada habitante por ano.
- Embora a economia brasileira tenha criado mais de 14 milhões de empregos com carteira assinada nos últimos 10 anos dos governos petistas, o salário médio de contratação é de mil reais. Ainda que sejamos a sétima economia do mundo, nossa população é de quase 200 milhões de pessoas, o que dá um PIB per capita de US$ 11,8 mil por habitante, nos colocando com isso no lugar 74 do ranking global. Ou seja: para cada indivíduo que acha que paga muito imposto sobre o salário e sobre os produtos que consome, há um número muito maior de pessoas que pagam pouco ou não pagam nada, porque ganham pouco e consomem pouco.
- No Brasil, 45% da arrecadação tributária vêm de impostos sobre o consumo, enquanto nos países ricos, a média é de 29%. Isso é, o pobre e o rico pagam o mesmo valor de imposto sobre o que consomem.
Enquanto isso, o Imposto de Renda, que poderia ser um fator de redistribuição de renda tem uma alíquota máxima de 27,5%, contra, por exemplo, 56,6%, na Suécia para quem ganha mais de 5.400 dólares mensais. Acrescente-se a isso, que quem paga religiosamente os 27,5% no Brasil são as pessoas que vivem dos seus ganhos como trabalhadores e tem este imposto descontado em folha.
- Segundo dados da FIESP, o Brasil perde pelo menos 41,5 bilhões de reais todos os anos por causa da corrupção.
Em qualquer movimento de empresários e mesmo de segmentos da classe media reclamando dos impostos altos, o ralo da corrupção é sempre o mais citado, mas o outro dado muito mais impactante raramente é lembrado: a sonegação.
Surpreendentemente, a revista escreve lá no encerramento da matéria: "Um estudo do Banco Mundial aponta que o Brasil é o vice-campeão dessa prática. Segundo o estudo, perdemos nada menos do que US$ 280 bilhões anuais por conta da sonegação. É uma quantidade astronômica de dinheiro - quase o dobra de tudo que entra via imposto de renda"
Em março de 2015, a Polícia Federal, a partir de uma denúncia anônima, montou a chamada Operação Zelotes,(lembrança daquele grupo de judeus que ousou desafiar o poder romano) para apurar a ação de quadrilhas que atuavam junto ao CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), órgão ligado ao Ministério da Fazenda, revertendo ou anulando multas.
Começaram a aparecer então lobbies envolvendo grandes empresas do país, como a Gerdau, a RBS e grandes bancos como o Bradesco, Itaú e Safra e se imaginou que desta vez a sonegação fiscal em grande escala seria atingida. Logo, porém, as notícias sobre esse evento se tornaram escassas e como sempre convém aos donos do poder do País, os alvos passaram a ser pessoas físicas, em mais uma tentativa de envolver o PT e Lula nas denúncias.
Sobre as grandes empresas, não se falou mais.
Enquanto me encaminho, finalmente, para a cadeira do dentista, fico pensando em que são os grandes sonegadores. Certamente não são pessoas como nós que vivem de salários, vencimentos, pensões e aposentadorias.
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS
Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter